Do El País - Edição Brasil
Manifestação de apoio ao juiz Sérgio Moro em frente a Justiça Federal, em Curitiba. /ORLANDO KISSNER (FOTOS PÚBLICAS)
Os frentistas do posto Shell na rua
São Luiz, no bairro da Matriz, em Curitiba, têm uma certa deferência por um
cliente ilustre, que visita o local com frequência. É o juiz Sérgio Moro, que comanda a investigação da Lava Jato e distribui sorrisos a cada
palavra de incentivo que recebe no local onde abastece o carro, ao lado do
prédio da Justica Federal, em Curitiba. “Ele é gente da gente”, diz Killian
Matheussi, 44. Ele já se acostumou a ver o temido promotor comprar balas tic
tac e tomar um cappuccino quando vai ao local. “Moro é um dos melhores que têm
por aí. Ficamos muito orgulhosos pelo trabalho que ele faz”, afirma o frentista
Júlio Pereira do Santos, 49, eleitor do PT “desde
sempre”. De acordo com ele, o juiz responsável pela Lava Jato é “humilde, simples”. “Outro
dia fui encher o tanque do carro dele e falei para ele não desistir. Ele disse
que está difícil...”.
Moro
se tornou um do grandes ícones do brasileiro que se sente
impotente diante da guerra contra a corrupção que parece sempre perdida. Pelo
menos até agora. Nos atos deste domingo,
que aconteceram em várias cidades do Brasil pedindo a saída da petista do
Governo, camisetas com o rosto do juiz e cartazes agradecendo seu trabalho eram
o retrato da esperança que se deposita em Moro.
E na capital do Paraná, coração da investigação comandada por
ele, não podia ser diferente. A cidade ganhou uma decoração espontânea que
lembra os tempos de Copa do Mundo: faixas de apoio e bandeiras do Brasil tomam
conta dos arredores do prédio da Justiça Federal, da Polícia Federal (onde está preso José Dirceu)
e até mesmo do Museu Oscar Niemeyer, que recebeu dezenas de obras de arte apreendidas naoperação. Um outdoor em frente ao prédio planejado pelo renomado
arquiteto diz: "A Justiça é nossa esperança, brasileiros apoiam Lava Jato,
PF, MPF e Justiça Federal. Vocês estão reescrevendo a história".
Próximo ao 'sistema nervoso' da
operação, até as árvores estão decoradas com panos nas cores verde e amarelo.
Escândalos e figurinhas repetidas
Postes e
árvores decorados na Justiça Federal em Curitiba. / G. A.
Fatos como os investigados pela Lava
Jato não são novidade no Paraná. Em 2000 estourou no Estado o caso Banestado,
envolvendo a remessa de divisas para contas do Banco do Estado do Paraná em
Nova York. Tudo isso com a participação do doleiro e delator Alberto Yousseff, pivô do escândalo de corrupção na
Petrobras desvendado em 2014. Estima-se que entre entre 1996 e 2002 cerca de 60
bilhões de reais foram enviados de forma irregular para os Estados Unidos. Só
5,1 milhões foram repatriados, e há 33,2 milhões de reais bloqueados em contas
internacionais.
O escândalo dos anos 2000 resultou em
97 condenações, mas a maioria delas foram sentenças de prestação de serviços à
comunidade. Pessoas apontadas pelo Ministério Público como sendo líderes do
esquema foram beneficiadas pela prescrição dos crimes. Ex-diretores e gerentes
do Banestado tiveram as penas extintas por decisão do Superior Tribunal de
Justiça. E foi também neste caso que Yousseff assinou seu primeiro acordo de
delação premiada – quebrado parcialmente à partir do momento em que ele voltou
a se envolver nos crimes investigados pela Lava Jato.
Yousseff não é a única figurinha
repetida nos dois casos citados. Grande parte dos procuradores da República que
atuaram no episódio Banestado trabalham agora na Lava Jato. De acordo fontes do
Ministério Público Federal, esse é um dos motivos que fez com que a
investigação da corrupção na Petrobras avançasse tão rapidamente: uma equipe
que se conhece, já trabalhou junta, acredita na delação premiada como
ferramenta de investigação, e está “escaldada” com a impunidade dos principais
líderes do caso Banestado.
O próprio juiz Sérgio Moro se
especializou em crimes financeiros durante o caso Banestado. Existe unanimidade
de que o episódio foi o passo final na formação de um juiz considerado “justiceiro”,
na opinião de uma fonte policial. Seu livro Crimes de Lavagem de
Dinheiro (2011) é uma referência nacional na área.
“O curitibano está se sentindo
representado”, afirma Lenice Accordi, 52, dona de uma banca em frente à Justiça
Federal. “Só espero que agora não acabe em pizza como outros casos
investigados”. Ela lamenta que o juiz nunca tenha ido até seu estabelecimento
comprar uma revista, mas se mostra compreensiva: “ele deve andar ocupado”. E
como...