Sexta, 21 de abril de 2017
Heloisa Cristaldo - Repórter da Agência Brasil
Cenário
das principais disputas políticas do país, a capital dos brasileiros
completa 57 anos nesta sexta-feira (21). Planejada pelo urbanista,
arquiteto e professor Lúcio Costa em 1957, por meio de dois traços que
representavam Sul e Norte, concebeu os eixos do projeto e apresentou o
Plano Piloto da nova capital do Brasil, inaugurada em 21 de abril de
1960.
A Agência Brasil ouviu o professor de
projetos de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB)
Cláudio Villar de Queiroz, sobre os principais elementos arquitetônicos -
atuais e passados - da capital federal. O professor trabalhou com Oscar
Niemeyer por dez anos e é conhecedor do projeto original de Lúcio
Costa.
Morador de Brasília há 56 anos, Queiroz defende a
manutenção da essência da capital como “Cidade Parque”. Para o
professor, a filosofia do Plano Piloto, onde há uma integração entre os
edifícios e a natureza, corre risco com a portaria 166/2016, do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A medida
substitiu outra normativa, escrita sob a supervisão do próprio Lúcio
Costa. Se por um lado o documento reafirma princípios da proposta
original da cidade, como as escalas e a estrutura urbana do Plano
Piloto, por outro, permite o uso residencial em lotes à beira do Lago
Paranoá, libera a criação de lotes no Eixo Monumental e admite a
instalação de pequenos comércios entre prédios da Esplanada dos
Ministérios. Para o professor, a legislação pode tranformar Brasília em
uma “cidade qualquer”. Na entrevista, ele analisa qual é o futuro
urbanístico da cidade e lembra os princípios do projeto de Lúcio Costa .
Confira:
Planejamento de transferência da capital federal
A
mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília era uma questão
estratégica e foi um plano nacional, civilizatório, uma expectativa dos
primeiros brasileiros ainda no século 16, de que a capital do Brasil
tinha que ser no centro do país.
Brasília responde, do ponto de
vista de planejamento nacional, como a primeira cidade do mundo que fez o
estudo de impacto do meio ambiente mais severo e mais amplo. Isso é
muito interessante para Brasília e a resposta é o tombamento como
Patrimônio Cultura da Humanidade, a primeira capital moderna do mundo em
que acontece isso. É uma condição muito interessante para nós,
arquitetos, olharmos Brasília por esse viés. É mais forte do que nós, é a
nossa certidão de nascimento da civilização brasileira.
Plano Piloto
Lúcio
Costa dizia que o que interessava no momento era mudar a capital, ter
as necessárias edificações para que essa nova capital funcionasse e para
que o povo se abrigasse e viesse para cá. Essa atribuição era o que
delimitava a construção da nova capital. Ele completa, inclusive, que
todo aquele planejamento para a cidade se desenvolver seria feito a
seguir. Então, a parte do Plano Piloto foi feita no concurso e
posteriormente construída no que se tornou Brasília. E depois que foi
crescendo, deveria ter sido objeto de um planejamento, pelo menos,
análogo ao inicial. Mas isso se deu de outra maneira, acho que dentro da
forma que pôde ser, dentro da realidade.
Brasília foi criada
para abrigar uma determinada polução. Quando a gente fala em população
se adota o entorno imediato e chega-se atualmente a quase 4 mihões de
habitantes, Mas quando se fala a respeito dessa grande população, é
importante esclarecer um equívoco. O Plano Piloto foi planejado para ter
500 mil habitantes, o que ainda não existe nessa região. Há muitas
áreas para serem complementadas.
Renovação e conservação
No
meu entendimento, a portaria escrita sob a supervisão de Lúcio Costa,
referente ao tombamento local e nacional, apresentava como se deve
respeitar o Plano Piloto. A nova determinação do Iphan jogou de lado o
que havia sido produzido e criou uma coisa gigantesca para todo o
Distrito Federal. Do ponto de vista da preservação da cidade, permite
que Brasília seja levada como uma cidade qualquer. De fato existe na
preservação de Brasília essa dialética entre "uns e outros". Tem uns que
acham que Brasília tem que ser preservada, mas tem outros pensam que
ela tem que evoluir como uma cidade qualquer e ser derminada pelo
mercado imobiliário e todas essas leis que fazem esses espaços urbanos
se tornarem o que são. Em Brasília, há uma expectativa de que o mercado
disponha de mais recursos e essa nova lei facilita, de certa maneira,
que se torne uma cidade mais comum nessa ordenação.
Essa invenção
da Superquadra, que é fantástica e se tem tudo ao seu alcance em 200
metros a pé, são expectativas que correm risco e isso é realmente um
aspecto a lamentar. Mas não podemos viver lamentando Brasília, do que
tinha que ser e não vai mais ser. A gente precisa apresentar o que ela
tem de compensador, que é essa condição de “Cidade Parque”. O que é
péssimo nessa nova legislação é que ela vai comendo pelas beiradas,
permitindo demais, e não existe uma defesa ativa.
Cidade em construção
Brasília
está se constituindo ainda. Atualmente, a cidade com quase 60 anos nos
mostra que temos que ter noção dessa contínua construção, renovação. E
em Brasília tudo é possível, ao contrário do argumento de engessamento.
Esse temo parece que a cidade está doente, mas ela é extremamente
saudável ao lado de diversas cidade do mundo. Você pode derrubar
qualquer prédio de Brasília e construir outro, basta se respeitar a
proporção da escala em que ele está inserido. O saudável para Brasília é
justamente esse equilíbrio entre a renovação e a preservação.
A
cidade é interessante porque a arquitetura é fundamentada nesse tripé:
racionalidade, funcionalidade e estética. O arquiteto trabalha com essa
formação. Hoje em dia eu vejo que essas três coisas podem ser alteradas.
Brasília é admirada pelo erudito e pelo temporal. Ela é extremamente
brasileira, mas é cosmoplita.
A cidade pode ser preservada e as
pessoas que voltarem aqui reconhecerão a cidade pelo seu horizonte, pelo
céu. Enquanto a cidade estiver preservada dentro de sua escala e
proporção, a cidade vai estar muito bem. Se for preservada como quem
quer colocar um cubo de gelo na geladeira, ela vai ficar artificial,
inodora, deserotizada. Se ela for respeitada nessa condição fundamental,
sendo preservada nos seus aspectos essenciais. Se não, ela pode se
transformar em qualquer centro histórico.
Entorno
Não acredito que o entorno possa se tornar uma catástrofe do tipo Águas Claras [região administrativa do entorno], que vem como uma serpente invadir o Plano Piloto. Não acho que tudo que possa acontecer de ruim esteja das portas do Plano Piloto para fora. Gostaria que as cidades do entorno mirassem um pouco na condição digna de Brasília, onde você tem o edifícios quase embriagados em uma tormenta de verdor, com a natureza ao redor, como um navio no meio do mar e a água em volta.
Lúcio
Costa criou, o que não estava previsto no planejamento original, as
quadras residenciais chamadas de 400 [sem os famosos pilotis] que
também previa receber aquela população de servidores mais simples que
vinham do Rio de Janeiro para trabalhar e que o padrão Plano Piloto não
permitia. Então, ele criou essas quadras 400, que são verdadeiros
padrões de dignidades porque, apesar de simples, o espaço urbano é muito
favorável à convivência humana, à criação de um filho. Não sei porque
as pessoas começam a liberar geral como aconteceu com o Guará,
Taguatinga. Há teses que dizem que não se queria que fizesse nada
parecido com as superquadras, fora do Plano Piloto porque iam desfigurar
a imagem da cidade. Isso não faz sentido, Brasília foi feita para ser
vista não como um objeto dentro de uma redoma, mas como algo que
orienta, determina uma condição humana e nisso ela foi muito bem
sucedida, porque a qualidade de vida não deixa de ser boa.
Morar
em Brasília é uma experiência humana fundamental, tenho amigos que
vieram de várias cidades do Brasil e se encantam com a cidade. Filhos de
militares resistem a sair do Rio de Janeiro para passar três anos aqui,
mas o tempo passa e eles não querem mais sair porque a cidade é
aprazível. Acho que as cidades do entorno deviam tentar captar um pouco
da qualidade, desse índice de desenvolvimento urbano que Brasília tem,
do que tentar imitar as cidades tradicionais, que não é uma coisa
correta. A tradição vem com o tempo, e ela não é uma coisa a ser
evitada.