Quinta, 20 de abril de 2017
Do Blog Bahia em Pauta e El País Brasil
DO EL PAÍS
OPINIÃO
JUAN ÁRIAS
Lula, marionete, fetiche e quixote da Odebrecht
JUAN ÁRIAS
Se Miguel de Cervantes chama o Quixote, personagem central de sua
obra, de “o cavaleiro da triste figura”, na novela das confissões de
Emílio e Marcelo, pai e filho do império da Odebrecht, Lula aparece como
marionete e fetiche daquele império hoje em ruínas. Como Cervantes
criou o personagem Don Quixote de la Mancha, os Odebrecht apresentam
Lula como uma figura inventada por eles. Emílio, o pai, afirma que foi
ele que, não só conseguiu a primeira vitória do ex-sindicalista em 2002,
a custa de milhões, como também transformou aquele que Leonel Brizola –
dirigente histórico da esquerda brasileira – chamava de “sapo barbudo”,
em um presidente elegante, com gravata, reformista, a quem ajudou a
escrever a famosa “Carta ao Povo Brasileiro”. Certo ou fanfarronada?
Emílio se vangloria de que Lula “não era de esquerda”. Diz que “não
era dos que gostavam de tirar dos ricos para dar aos pobres”. Que também
ele gostava de bancar o rico. Segundo suas confissões, Emílio conhecia
Lula desde os anos 70, quando era sindicalista e então já dera uma mão
ao empresário para amansar uma greve. Desde então, os Odebrecht se
vangloriam de ter sido os ventríloquos de Lula, que atuaria em todos os
momentos de conflito da empresa para resolver seus problemas e conseguir
a aprovação de leis que lhes favoreceriam. “Fui até ele e lhe disse:
‘você precisa tomar uma decisão’”. Era Emílio quem decidia, segundo a
versão que contou aos promotores da Lava Jato.
Os grandes empresários conheceram em seguida os pontos fracos de
Lula, o nordestino pobre e sem estudos, com um certo deslumbramento pelo
mundo do luxo e da boa vida, e saciaram suas fantasias. Nunca o
deixaram viajar em um avião de carreira, afirmam. Talvez Lula tenha
razão quando jura que nunca pediu um real aos empresários. Não era
necessário. Eles mesmos se antecipavam a seus gostos e desejos e aos de
sua falecida mulher, Marisa Letícia. Antecipavam-se para ajudar toda a
sua família: a um de seus filhos, empresário novato do futebol
americano, a seu irmão Frei Chico, a seu sobrinho Taiguara e até a seu
fiel diretor do Instituto Lula, Paulo Okamoto.
Os Odebrecht afirmam que o usaram como presidente e depois o
transformaram no lobista e fetiche do grupo dentro e fora do Brasil.
Sustentam que foram eles que organizaram e custearam com centenas de
milhões a sucessora Dilma, cuja campanha, diz Marcelo, foi ele quem
“inventou”, depois de saber antes de qualquer outro que ela seria a
indicada por Lula. Queriam um sucessor ao qual Lula pudesse manejar para
que eles continuassem mandando no país. Dilma, porém, se mostrou
indócil, uma espécie de cavalo difícil de dominar, mas Lula lhes daria
uma mão para domá-la e se manterem fortes com ela na presidência.
Causa um certo desconforto observar como o império Odebrecht usou
Lula com sua auréola de ex-presidente mítico para convertê-lo em um
logotipo de suas obras. Dá melancolia conhecer hoje a farsa das
conferências que o grupo organizava para Lula pelo mundo para que lhes
conseguisse obras e financiamento fáceis. Adulavam-no dizendo-lhe que
pagariam suas palestras a preço de ouro: 200.000 dólares (620.000
reais), “como o ex-presidente americano Bill Clinton”. O que Lula dizia
em seus pronunciamentos era o de menos. O importante era que suas
conferências levavam a marca da Odebrecht. Hoje ninguém mais chama Lula
para falar nem lhe pagam por isso.
A Odebrecht também contou aos promotores que lhe concedeu, sob a
designação de “o amigo”, uma conta secreta da qual podia sacar dinheiro
vivo, que era entregue em mochilas. Dizem que era uma conta de 30
milhões de dólares (93 milhões de reais). Se for comparada, porém, com
os cerca de três bilhões (9,3 bilhões de reais) que a Odebrecht
distribuiu entre os políticos de todos os partidos, aquela conta de Lula
se parece mais com os cofrinhos que os pais vão enchendo de moedas para
seus filhinhos. Em vista de tudo isso, ante a instrumentalização que a
Odebrecht vem fazendo de Lula há quase 50 anos, fazendo dele também “o
cavaleiro da triste figura”, quase se chega a sentir compaixão de quem
pretendia ser só inferior a Jesus Cristo. Dá vontade de exclamar: “Pobre
Lula, quixote, em que te transformaram!”.
O ex-presidente, que continua se vendo como “a alma
mais limpa do Brasil”, segue sendo, como também o descreveu Emílio, “um
animal político”. Há quem garanta que é um animal com sete cabeças.
Acabará se apequenando depois das confissões dos empresários que um dia o
endeusaram e manipularam e hoje o abandonaram à sua sorte, ou preferirá
mostrar também os dentes confessando os pecados dos outros? Porque
poucos como Lula devem ser depositários dos segredos e debilidades da
emaranhada e sombria selva política brasileira. Atenção!