Sábado, 2 de setembro de 2017
A quem isso interessa?
Do Blog do Sombra
Por Mario Machado*
Difícil compreender o súbito interesse da mídia sobre o tema
indenização de férias a juízes. O inadequado enfoque dado à matéria,
posta para o leitor como se fosse algo condenável, pelo menos
eticamente, como se fosse simples subterfúgio para elevar a remuneração
dos magistrados.
Convém lembrar que o direito de informação contém duas vertentes
distintas: o direito de dar informação e o direito de receber
informação. Quanto a este, destaca Eduardo Novoa Monreal: “O interesse
de cada homem e mais do que isso — seu direito— consiste em poder obter
uma informação verdadeira, que lhe dê conhecimento imediato e completo
de todos os fatos que lhe convém saber e que lhe entregue esse
conhecimento de forma imparcial, isso é, sem tratar de influir no seu
ânimo ou seus juízos pela subministração de notícias. Somente assim se
respeita seu direito de receber informação verdadeira, oportuna e
integral. Somente assim fica, efetivamente, assegurada a livre eleição
de ideias que é necessária para exercitar uma verdadeira liberdade de
pensamento”.
Inapropriados, com todo respeito, o espaço e o destaque dados ao
assunto, e isso sem que o texto esclareça qual a razão de indenizar
férias a juízes e por que isso é permitido, inclusive pelo Conselho
Nacional de Justiça. Como se descarta má-fé, acredita-se que se parta do
pressuposto, equivocado, de que o pagamento é realizado para “turbinar
salário de juiz”.
A resposta, óbvia, de que se paga indenização de férias ao juiz porque
ele trabalha nesse período ao invés de descansar é incompleta. Tem-se de
remontar a 2004, quando a Emenda Constitucional nº 45 alterou a redação
do inciso XII do artigo 93 e passou a exigir que “a atividade
jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos
juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não
houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”. Antes,
os juízos e tribunais de segundo grau tinham férias coletivas em janeiro
e julho, a exemplo dos tribunais superiores. Não se trabalhava nesses
meses, a não ser em plantão para apreciação de liminares em casos
urgentes.
De lá para cá, verificou-se que não é possível manter, de verdade,
“atividade jurisdicional ininterrupta” se todos os juízes e
desembargadores gozarem férias. Para exemplificar, se todos os juízes
titulares (209) e todos os desembargadores (48) do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal desfrutassem férias em julho último, permanecendo no
trabalho apenas os juízes de direito substitutos (123) e os juízes de
direito substitutos de segundo grau (11), não seria possível o pleno
funcionamento de todos os juízos e turmas julgadoras. Haveria
funcionamento ininterrupto, porquanto não pararia totalmente a atividade
jurisdicional, mas seria um funcionamento parcial, certamente não
desejado pelo legislador, e insuficiente para dar vazão ao trabalho
necessário. Um só juiz teria de atuar em dois ou mais órgãos julgadores.
Assim, quando se demonstra surpresa por 62,4% dos magistrados terem
optado por trabalhar em julho ao invés de gozar férias, o tribunal
entende que, se maior fora esse percentual, maior seria a produtividade
alcançada no mês. Mais audiências teriam sido realizadas, mais sessões
teriam ocorrido, mais julgamentos sucederiam, tudo em benefício do
jurisdicionado, tudo em prol da anelada razoável duração do processo.
Não por outra razão o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permite
indenização de férias aos magistrados que nelas trabalham. E a Resolução
CNJ nº 13/2006, por seu artigo 8º, alínea e, exclui da incidência do
teto remuneratório constitucional a indenização de férias não gozadas.
Não fosse, aliás, esse mecanismo, dificilmente os tribunais alcançariam
as difíceis metas do Conselho Nacional de Justiça. No ano passado,
graças à permissão, cumpriu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
todas as metas, inclusive a nº 1, de julgar, no ano, número maior de
processos do que aqueles que ingressaram. Enquanto se pensa em coibir
indenização de férias, o que reduzirá a produtividade dos juízes e
tribunais de segundo grau, talvez coubesse cogitar de emendar a
Constituição para que também os tribunais superiores funcionassem
ininterruptamente, assim diminuindo o considerável acervo de processos a
julgar.
A reflexão manifestada ao abrir o artigo diz como é relevante o papel
da imprensa de prestar informação completa. Da forma como vem sendo
tratado o assunto, os juízes são expostos como recebendo pagamento
indevido, irregular, elevado. Como se o pagamento se repetisse todos os
meses, quando se sabe, diluída em um ano, indenização de férias seria de
1/12 dos valores expostos e que constam do portal transparência. Assim,
a forma de a mídia tratar o assunto, sem o devido esclarecimento, induz
a sociedade contra o Poder Judiciário, precisamente o único que, com o
Ministério Público, enceta difícil combate contra a corrupção no país. A
quem isso interessa?
*MARIO MACHADO Desembargador presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios