Domingo, 3 de setembro de 2017
A substância, que é uma das mais de
500 presentes na planta, não é a responsável pelo “barato”: ela age nos
neurônios para evitar convulsões.
Por Juliana Contaifer-Metrópoles
e Blog do Sombra
A maconha é considerada medicinal há séculos. Há referências do uso da
cannabis para amenizar dores e desconfortos desde 2700 AC, na China. Os
egípcios e indianos também mencionam a planta em seus papiros e livros
sagrados antes de Jesus Cristo pisar na Terra.
Com o decorrer dos anos, o “barato” dado pela maconha se tornou mais
importante e relevante do que o uso medicinal das plantas. Os governos,
sem informações corretas sobre as concentrações e como controlar os
efeitos secundários, proibiu a cannabis.
O assunto voltou nos anos 1960, quando o bioquímico israelense Raphael
Mechoulam conseguiu isolar o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol
(CBD). Ele descobriu os efeitos de cada substância em experimentos pouco
ortodoxos. Colocou gotas dos compostos em um bolo feito por sua esposa e
ofereceu aos amigos. Assim, constatou que o THC é o responsável pela
“lombra” típica do consumo da maconha.
“A substância causa uma exacerbação dos sentidos. A pessoa sente de
forma mais intensa as cores, os contrastes, os cheiros, o gosto da
comida, o toque. O THC causa euforia, tudo fica mais alegre e
divertido”, explica Renato Malcher, professor de neurociência na
Universidade de Brasília (UnB). “Já o canabidiol traz uma sensação de
tranquilidade. Os efeitos não são sentidos, é um relaxamento
psicológico”, completa.
Em 1973, um estudo brasileiro, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), descobriu efeitos anticonvulsionantes no canabidiol. Anos
depois, o pesquisador Elisaldo Carlini fez os primeiros testes com
humanos. Constatou que o composto isolado consegue atuar limitando o
nível de ativação neuronal e impedindo o excesso de ativação dessas
células. A partir daí, pacientes com autismo, epilepsia, esclerose
múltipla, Parkinson e aqueles que sofrem efeitos colaterais do
tratamento do câncer enxergaram uma luz no fim do túnel.
Mas não no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos o óleo rico em
canabidiol é vendido até em supermercados, por aqui só em 2014 a Justiça
permitiu que a primeira família importasse o remédio. De lá para cá as
coisas andaram um pouco mais rápido: no mesmo ano o Conselho Federal de
Medicina autorizou médicos a prescreverem o CBD para pacientes que já
tentaram todos os tratamentos disponíveis. Em 2015, o canabidiol deixou
de ser proibido pela Anvisa e passou ser qualificado como uma substância
controlada.
O Mevatyl se tornou, no começo de 2017, o primeiro medicamento à base
de canabidiol e THC a ser registrado no país. Finalmente, em maio deste
ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inseriu a erva
na Farmacopeia Brasileira, tornando-a oficialmente uma planta medicinal.
Quem precisa do remédio deve ter em mãos uma prescrição médica e fazer
um requerimento na Anvisa para receber autorização de importação do
óleo. As famílias ainda continuam lutando para tornar o processo mais
fácil. Eles querem também que o governo pague o preço alto do
medicamento ou autorizem eles a plantar em casa e diminuir os custos da
importação.
“O processo no Brasil está bastante avançado, me surpreendeu bastante”,
avaliou Caroline Heinz, diretora de operações da HempMeds Brasil.
“Algumas famílias receberam autorização para plantar em casa e percebo
que os médicos vem conseguindo abrir a cabeça para estudar e acreditar
que existe um outro caminho para o tratamento, um não convencional”,
completou a representante de uma das 11 empresas com medicamentos
aprovados pela Anvisa para importação. Por fim, Caroline explica que a
HempMeds Brasil já está com um processo para registrar o óleo de cânhamo
como medicamento fitoterápico e acredita que até 2018 saia a aprovação.
Fontes: HempMeds Brasil, Renato Malcher, Antonio Waldo Zuardi