Sexta, 8 de setembro de 2017
Léo Rodrigues - Correspondente da Agência Brasil
Uma das principais preocupações manifestadas por
economistas durante o 22º Congresso Brasileiro de Economia, que termina
hoje (8) em Belo Horizonte, está ligada à venda de ativos brasileiros
para grupos estrangeiros. Para eles, setores estratégicos da economia
devem ser controlados por empresas nacionais, sejam públicas ou
privadas.
O crescimento do Brasil no longo prazo, de forma
sustentável e inclusiva, vai depender da formação de um parque
industrial robusto na opinião de Júlio Miragaya, presidente do Conselho
Federal de Economia (Cofecon), entidade que organiza o evento. "Uma das
premissas de uma nação efetivamente independente e soberana é o controle
nacional sobre certos setores estratégicos da economia. É preocupante o
processo de desnacionalização da nossa economia. Capitais externos
estão assumindo o controle de boa parte dos recursos naturais do país e
avançam de forma acelerada sobre a indústria do petróleo, do gás e da
energia elétrica".
O problema, segundo Miragaya, é que essas
grandes corporações estrangeiras mantêm suas áreas de pesquisa,
tecnologia e desenvolvimento nos países onde estão suas matrizes. Ele
cita a indústria de fertilizantes, que seria fundamental para a economia
brasileira gerar emprego e renda, mas infelizmente o país é hoje um
grande importador.
Exemplos de proteção à industria nacional são
muito comuns em todo o mundo. Em abril, o governo dos Estados Unidos
anunciou a possibilidade de criar taxas para importação do aço, de forma
a fortalecer as empresas do setor sediadas em seu território. Há alguns
anos, a China vetou que a Coca-Cola comprasse a Huiyuan, maior
fabricante de sucos no país.
Na visão de Antonio Correia Lacerda,
doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), o potencial da economia brasileira é subaproveitado pela
ausência total de uma política industrial sólida. "O Brasil é dos poucos
países do mundo que não precisa escolher entre ser bom no complexo
agromineral ou na indústria ou nos serviços. Temos economia de estado,
condições climáticas e território vasto para atuarmos em vários setores.
Isso não é pra quem quer. É pra quem pode. E só quatro ou cinco países
no mundo tem essa possibilidade", disse Lacerda, após receber o prêmio
Personalidade Econômica do Ano de 2016, na abertura do congresso.
Ele
destacou que a agricultura brasileira, um dos setores produtivos de
sucesso no país, não se desenvolveu baseado apenas na eficiência
microeconômica dos agricultores. "Houve uma política de estado. O papel
da Embrapa [Empresa Brasílieira de Pesquisa Agropecuária], por exemplo,
foi fundamental. E isso foi feito com investimento público, com
políticas públicas. Foi ela quem desenvolveu a soja no Cerrado, que foi a
grande revolução que tivemos na agricultura e que depois teve grande
impacto também na pecuária".
Para ele, a indústria nacional
precisa ser alavancada e, para ter um crescimento sustentável, o Brasil
precisa de investimentos. "O argumento principal para o ajuste é o de
que o Estado deveria funcionar como o orçamento familiar ou como uma
empresa. E nós sabemos que isso não é possível. É justamente na crise
que o Estado precisa investir, fomentar oportunidades. Não é qualquer
gasto, mas é o gasto que tem efeito multiplicador. E também tem efeito
demonstrador, porque estimula outros agentes a também aplicarem recursos
no país. O ajuste pelo ajuste não se sustenta. A prática de juros
elevados e o corte sucessivo de investimentos levam a mais recessão".
Eletrobras
A
possível privatização da Eletrobras preocupa Nelson José Hubner
Moreira, presidente do conselho de administração da Light. Para ele, a
estatal brasileira exerce um poder indutor da economia nacional. No mês
passado, o governo federal informou que pretende reduzir a participação da União no capital da Eletrobras,
com sua consequente democratização na Bolsa de Valores, a exemplo do
que já foi feito com a Embraer e a Vale. A medida teria como objetivo
dar mais competitividade e agilidade à empresa para gerir suas
operações.
"O setor elétrico, ao mesmo tempo que precisa ter
energia barata para incentivar os demais setores industriais, é
altamente intensivo e comprador desses outros setores industriais. Ele
alavanca a própria indústria. Você pega, por exemplo, a energia eólica. A
Eletrobras proporcionou o desenvolvimento de um parque, inclusive com
diversas empresas de capital internacional que aqui se instalaram, mas
que desenvolvem tecnologia aqui, geram renda e emprego aqui", destacou.
O
presidente da Cofecon também desaprova a desestatização da Eletrobras.
Na opinião de Miragaya, não se deve negociar esses ativos em momentos de
crise, uma vez que o Estado acaba vendendo mais barato nesses períodos.
"Não é questão de ser estatista ou não. É só ver a realidade dos países
desenvolvidos. Às vezes, fica essa conversa sobre ineficiência. É uma
bobagem. A Telebras, que era pública, foi privatizada, virou a Oi e hoje
está completamente endividada. A Vasp foi privatizada e quebrou". Ele
avalia que não se pode relacionar empresa estatal à ineficiência e
corrupção e empresa privada à eficiência e ao trabalho ético. "Alemanha e
Noruega têm parte significativa da sua indústria estatizada. A
Volkswagen, que é um sucesso, tem 30% do seu capital ligado ao estado da
Baixa Saxônia. Na China, 75% das principais empresas são estatais e é a
economia que mais cresce no mundo."
Em agosto, o Ministério de
Minas e Energia anunciou a privatização da Eletrobras, controladora da
Chesf. A empresa passaria à iniciativa privada, mas a União permaneceria
como acionista, embora com participação menor. O governo federal
justifica a mudança alegando que a Eletrobras acumula um impacto
negativo de R$ 250 bilhões nos últimos 15 anos. De acordo com o
Ministério de Minas e Energia, o governo permanecerá como acionista da
Eletrobras, recebendo dividendos ao longo do tempo, e a União manterá
poder de veto na administração da companhia, garantindo que decisões
estratégicas no setor sejam preservadas.