Segunda, 11 de setembro de 2017
Diferentemente do que argumenta o
governo, os distritais enxergam alternativas para evitar a medida
considerada drástica e perigosa por parte de sindicatos
Por Lilian Tahan/Rafaela Felicciano/Metrópoles
e Blog do Sombra
Em entrevista neste domingo (9/9) ao jornal Correio Braziliense, o
governador Rodrigo Rollemberg (PSB) expôs por que o Executivo precisa
aprovar para ontem a reforma da Previdência, que permitirá ao GDF, entre
outras medidas, unificar dois fundos de contribuição, um superavitário
(R$ 3,7 bilhões) e outro deficitário (R$ 2,1 bilhões).
Com generoso espaço para explicar tecnicamente suas razões e se fazer
convencer a partir de bons argumentos, Rollemberg mais uma vez optou por
distribuir pavor para colher compreensão.
Disse o governador ao Correio Braziliense: “Estamos dando uma
oportunidade à Câmara Legislativa e à cidade de fazer uma opção. Há a
garantia, com a aprovação do projeto, de fazer a reestruturação da
Previdência, com o pagamento das aposentadorias de todos os servidores
públicos e funcionários ativos. Também existe a possibilidade de
retornar ao dia 30 o pagamento dos integrantes da administração direta.
Aos servidores que recebem do Fundo Constitucional, damos a garantia do
repasse um pouco antes do quinto dia útil do mês. Prevemos o retorno do
13o junto com o salário para aniversariantes do mês; o pagamento em dia
de horas extras da saúde; a antecipação de férias para os professores na
primeira semana de janeiro; o repasse de parte das pecúnias referentes a
2016 dos servidores públicos; a remuneração em dia das empresas
terceirizadas, e, portanto, dos terceirizados; e o pagamento dos
fornecedores e prestadores de serviço.
Ao se valer dessa retórica de alerta, Rollemberg jogou para toda a
sociedade uma responsabilidade que é dele e de seu governo. Como assim o
governador está “dando uma oportunidade” para a Câmara Legislativa e a
cidade fazerem uma opção? Não foi a Câmara Legislativa e muito menos os
servidores que deixaram a situação chegar a esse ponto.
Toda a lista de compromissos financeiros desfiada pelo chefe do
Executivo como se fosse magnanimidade de sua parte, nada mais é do que
obrigação ordinária do governo. Se a solução para os problemas de caixa
do GDF era tão evidente, por que só depois de quase três anos essa
proposta de reforma Previdenciária foi colocada à mesa? E sob a pressão
de votação urgentíssima. Como ninguém teve a brilhante ideia antes que o
DF chegasse ao ponto de atrasar salários e benefícios para os
servidores e adiar faturas com fornecedores?
Os distritais que se insurgiram contra a medida não podem ser taxados
de inimigos do povo. Ao contrário, eles tiveram um lampejo de cuidado
quando ingressaram com um mandado de segurança para impedir que a
proposta do governo fosse aprovada da noite para o dia.
A Justiça cumpriu o seu papel e os respaldou duas vezes. Primeiro, o
desembargador Waldir Leôncio Júnior desautorizou o açodamento do
Executivo local. Depois, a decisão em caráter liminar foi mantida pelo
presidente do Tribunal de Justiça do DF, Mário Machado. Na mesma
entrevista, Rollemberg disse que o “desembargador foi induzido ao erro
por um parlamentar”, o que para o governador é “lamentável”, pois o
deputado “usou de má-fé, porque conhece com profundidade o regimento”.
Está tudo invertido. Neste episódio (são raros), o distrital tinha de
ser aplaudido. Que bom que ele conhece muito do regimento e o aplicou no
caso.
Ainda na entrevista que concedeu ao jornal, Rollemberg subiu o tom de
advertência para o de ameaça: “Mas, se o projeto não for aprovado, há a
certeza, por total impossibilidade de fazer os pagamentos, de atraso ou
parcelamento de salário; de atrasos a empresas terceirizadas; e, também,
a continuidade dos atrasos de pagamentos para fornecedores e
prestadores de serviços, o que é muito ruim para a economia da cidade”. E
o governador elegeu Joe Valle, presidente da Câmara Legislativa, e um
dos votos contra a medida, para dar um aviso geral: “O deputado Joe
Valle, como representante do setor produtivo, sabe o transtorno que é
para o empresário ter seus salários atrasados no momento de crise.
Portanto, tenho certeza de que vai prevalecer o bom senso”.
Só que para a Justiça, para vários distritais e para representantes dos
servidores, bom senso seria que os deputados tivessem tempo de estudar o
projeto e, mais que isso, pudessem propor soluções alternativas.
Afinal, a medida proposta pelo Executivo tende a salvar a pátria
brasiliense durante a administração de Rollemberg, mas gerar um efeito
rebote logo ali em 2020. Na ocasião, o governador pode ser outro, mas os
servidores serão os mesmos. Portanto, não é de todo absurdo imaginar
que as categorias estejam verdadeiramente inseguras, que a questão não
se limite à atitude mesquinha de colocar uma pedra no sapato do
governador que vai se valer de mais dinheiro em caixa como argumento de
casa arrumada.
Na mesma entrevista ao Correio Braziliense, Rollemberg conta o momento
em que, no 7 de Setembro, ficou lado a lado com o presidente da
República. Ele reporta que aproveitou a ocasião para falar sobre a
redução dos números de homicídio e dizer a Michel Temer que “Brasília
está de pé”. Todas as vezes que Rollemberg cita esses dados, deixa de
ponderar que o homicídio não é boa régua para medir o índice de
violência social. Afinal, a maior parte desses casos são passionais,
ocorrem em ambientes privados e não poderiam ser evitados ou motivados
pela ação ou inércia do Estado.
Os números que precisam ser ostensivamente acompanhados são os de
crimes contra o patrimônio, de estupros, assaltos e roubos a pedestres. E
mesmo que o governo diga que esses índices vêm caindo, a sociedade não é
boba. Cada um de nós que vive em Brasília carrega consigo um aferidor
calibrado do nível de insegurança que sente na pele. Representantes da
própria Polícia Civil, responsável por registrar os crimes, afirmam que
há divergência nos dados informados pelo governo com aqueles colhidos
nos boletins de ocorrência das delegacias.
De modo que Rollemberg exagerou ao tratar da proposta de unificação dos
fundos previdenciários como a única possível para resolver o problema
no DF e subestimou a sensação de insegurança dos cidadãos.
Diferentemente do que argumenta o governo, os distritais enxergam
alternativas para evitar a medida considerada drástica e perigosa por
parte de sindicatos:
– A primeira consiste na restituição do valor pago pelo Tesouro do DF a
título de auxílio-doença de 2010 a 2016. Ao longo desse período, o
Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev) deveria ter arcado
com as despesas dos segurados, da mesma forma como acontece no Regime
Geral de Previdência. No entanto, o GDF quitou a dívida do auxílio,
mantendo os recursos no Iprev. Assim, o projeto dos deputados propõe o
reconhecimento de uma dívida do Iprev com o GDF de R$ 260,9 milhões. Em
valores corrigidos pelo INPC, o montante chega a R$ 306,7 milhões.
– Outra proposta é reter, até o fim do ano, 50% da contribuição
patronal destinada ao Fundo Capitalizado (FC), uma das duas reservas
geridas pelo Iprev. Esses recursos — que representariam um aporte mensal
de R$ 27 milhões ao GDF — seriam usados exclusivamente para pagar
aposentadorias e pensões. Dessa forma, o rombo atual seria amenizado.
– A terceira medida proposta pelos distritais seria um repasse mensal,
na forma de duodécimo, do superávit do Fundo Capitalizado apurado na
avaliação atuarial do exercício anterior. Dessa forma, as reservas do
governo local também seriam turbinadas.
Pode ser que nenhuma delas sirva para resolver o problema do GDF
(Rollemberg já descartou a primeira hipótese), mas o fato é que foram
colocadas como opções e o Executivo deveria analisá-las sem revanchismo.
Pode ser que hoje mesmo (10/9) o Supremo Tribunal Federal determine à
Câmara que vote o projeto do Executivo. E pode ser até que a medida seja
aprovada em breve (o governo trabalha para garantir maioria na Casa).
Mas somente com diálogo e sem criar um ambiente de terrorismo para o
servidor é que o governo conseguirá explicar suas razões. Do contrário,
Rollemberg corre um risco de ter contra si uma categoria horrorizada
pelo fantasma de um funcionalismo insustentável. Agora ou em 2020.