Quinta, 7 de setembro de 2017
Especialistas analisam reposicionamento após mudanças do governo nas políticas interna e externa
Do Jornal do Brasil
Rebeca Letieri
Rebeca Letieri
"Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a
liberdade. Independência ou morte!", gritou o príncipe Pedro, em 7 de
setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, atual cidade de São
Paulo. O “Grito do Ipiranga”, como ficou conhecido, deu o título de
imperador a Pedro I, e o país passou a se reconhecer como Império do
Brasil, não mais como colônia de Portugal. Cento e noventa e cinco anos
depois, analistas apontam que o país parece estar dando passos atrás, e
perdendo seus status de "independência" sobretudo no cenário
internacional. "Estamos no momento em que o Brasil se reposiciona
historicamente como dependente das grandes potências mundiais”, avalia a
cientista política Clarisse Gurgel, da Unirio.
A historiadora
Mary del Piore lembra que a monarquia de Portugal só reconheceu a
independência do Brasil em 1825, três anos depois do grito de Dom
Pedro. “O Brasil ainda teve que pagar para ser independente. Ou seja,
ele começa independente endividado, como está hoje”, acrescentou Mary,
concluindo: “Tudo isso mostra que são conquistas de longo prazo e que
precisam ser sedimentadas, não é um fato que determina a história”.
Mary
explica que a democracia criou grupos diversos, o que revela uma
independência repartida, e uma elite que sempre agiu em interesse
próprio.
“As necessidades das províncias eram muito específicas
na época. O norte tinha comércio direto com a Europa, e portanto estava
reticente em apoiar essa emancipação. Já o sudeste tinha riqueza, e
queria, então, se ver livre dos impostos de Portugal”, explicou Mary,
finalizando: “É importante lembrar que os grupos liberais nunca pensaram
no fim da escravidão. Eles queriam atender os direitos deles, assim
como hoje”.
195 anos depois
Clarisse
Gurgel destaca que hoje, o Brasil de Michel Temer (PMDB) engendrou uma
dependência da iniciativa privada, na qual o trabalhador brasileiro é a
ponta explorada, imprimida por uma lógica que não encoraja as pessoas a
sonhar.
“Depender de alguma coisa ou alguém dialoga com a
necessidade. Vivemos em um momento de urgência: a necessidade mais
imediata é a de ter comida no estômago. E isso impede a emancipação. É
possível pensar em um mundo em que a necessidade esteja em outro plano,
em um contexto de fome? Quando você está com fome, você consegue
sonhar?”, questiona a cientista política.
Como ela, o também
cientista político Carlos Eduardo Martins, da UFRJ, ataca o desmonte das
políticas de ciência e tecnologia, impedindo a ampliação da educação.
“A redução no número de alunos no ensino superior é um fato. Não é
possível haver independência sem acesso da nossa população a uma
educação de qualidade”, acrescenta.
Em dezembro do ano passado, o
Congresso aprovou a PEC do Teto de Gastos, que limita os investimentos
públicos do governo pelos próximos 20 anos. Desde o início da discussão
da Emenda, a oposição criticou a medida afirmando que a limitação vai
retirar recursos das áreas sociais, principalmente da saúde e da
educação.
Neste ano, as dificuldades enfrentadas por órgãos
públicos, principalmente nas áreas de educação, saúde e segurança, estão
relacionadas ao corte de verbas motivado pela queda de arrecadação do
governo federal, de estados e municípios. Só em ciência e tecnologia, o
corte é de 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicação (MCTIC).
O presidente da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), Emmanuel Tourinho, afirma que os valores de custeio previstos
para este ano para as universidades não são suficientes nem mesmo para
as despesas regulares com energia, vigilância, limpeza, bolsas para os
alunos de baixa renda e serviços de manutenção das instalações.
“Não
será possível manter as instituições funcionando adequadamente se esse
quadro não for rapidamente alterado. Os valores liberados até agora só
garantem o funcionamento das instituições até setembro”, completa.
Avanço ou retrocesso?
Entretanto,
na página do Planalto, na última segunda-feira (4), uma propaganda do
governo federal dizia: “O Brasil está voltando a crescer. Comemorar a
independência é celebrar a volta do nosso crescimento”. Contudo, os
especialistas apontam para um retrocesso do país, que, segundo eles,
está sendo entregue às mãos dos grandes monopólios internacionais.
“O
governo Temer realiza uma política de destruição das nossas cadeias
produtivas, e optou por uma política de recessão estrutural por 20 anos,
para manter o país em altas taxas de desemprego, porque isso é
fundamental para desorganizar o movimento social”, diz Carlos, lembrando
por que é difícil falar em mobilizações quando a necessidade primária é
a sobrevivência.
A sutil queda na taxa de desemprego no segundo
trimestre desse ano, encerrado em julho, já mostrou que o dado divulgado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está longe
de ser positivo na severa crise econômica do país. O fato de a redução
do percentual ter sido impulsionada pela elevação da taxa de
informalidade (mais de 468 mil pessoas sem carteira assinada,
crescimento de 4,6% em relação ao trimestre anterior) confirma muito
mais a precarização e a falta de perspectivas no trabalho formal do que
uma luz no fim do túnel.
“Ao mesmo tempo, é um governo que
entrega os nossos recursos estratégicos, como exemplo do petróleo e gás,
que está sendo leiloado. E dessa forma, desarticula a empresa que
controla o pré-sal. Ou seja, é um governo que está desnacionalizando o
controle nacional de sua produção, e desmontando o regime de partilha,
em favor de um regime de concessão”, completa Carlos.
A “medida
corajosa” classificada por Michel Temer ao anunciar 57 projetos de
concessão e privatização de empresas públicas brasileiras mostrou que a
administração atual tem pressa em se livrar das estatais para ajudar a
diminuir a dívida do país. Se concluído, é o maior projeto desde o
Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), responsável pela maior
onda de desestatização do país.
Na lista está a Casa da Moeda, 14
aeroportos, onze blocos de linhas de transmissão de energia elétrica,
15 terminais portuários, rodovias, Companhias Docas do Espírito Santo,
Casemg e CeasaMinas, além de parte da Eletrobras, que tinha sido
anunciada antes. Com a iniciativa, o governo espera arrecadar, a partir
deste ano, cerca de R$ 44 bilhões ao longo dos anos de vigência dos
contratos.
Dentro dessa polêmica, o governo federal chegou a
anunciar a extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados
(Renca), entre o Amapá e o Pará, gerando comoção e movimentação entre
artistas brasileiros, principalmente nas redes sociais. Após forte
repercussão, inclusive internacional, voltou atrás.
“É um governo
que está entregando o nosso país”, comenta Carlos. O cientista político
cita alguns presidentes da história do país, como o governo Jango (João
Goulart, 1961-1964) e os governos Getúlio Vargas (1930–1945), como
exemplos de quando “o Brasil buscou aumentar sua autonomia”. “Vargas,
através da construção da indústria siderúrgica, e da campanha ‘o
petróleo é nosso’, e o Jango através das reformas de base e dos limites
para remessas de lucros ocupadas por multinacionais”, acrescenta.
Para
o especialista, desde que o neoliberalismo assumiu a posição de
protagonismo no país, ficou claro o posicionamento do Brasil em nível
internacional, com um abandono do Brics (Brasil, Rússia, índia, China e
África do Sul), e o isolamento da Venezuela, com a aproximação e a
priorização de uma aliança com o pacífico, via integração neoliberal.
Clarisse
fez coro ao cientista político: “As grandes potências não estavam
muitos felizes com a inserção do Brasil no Brics. O governo Lula teve
uma inclinação com outros países que vão romper com o bloco histórico de
hegemonia. Então esse foi um movimento que imprimiu certa independência
ao país”, explica Gurgel, finalizando:
“O interessante é ver
essas dimensões de dependência. E lembrar que o grito dos excluídos é
uma manifestação junto ao desfile militar que acontece no dia 7 de
setembro, e é o nosso novo grito de independência”.