Sexta, 13 de outubro de 2017
Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil
Cansado
de ouvir comentários ofensivos e relatos de violência contra
praticantes de religiões afro, Léo Akin Olakunde, um candomblecista do
Rio de Janeiro se juntou a um amigo e à namorada para criar o aplicativo
Oro Orum- Axé eu respeito. A ferramenta recebe denúncias de
intolerância religiosa e tem até um botão de SOS para as vítimas. O
serviço é gratuito e está disponível a partir de hoje (13) para download em celulares.
O
estado do Rio de Janeiro vem registrando um número recorde de ataques a
casas de umbanda e candomblé. Somente nos últimos dois meses, 32 casos
foram registrados pelo Disque Combate ao Preconceito, um serviço do
governo estadual, sendo oito notificados em Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense – município com a maior concentração de terreiros. Em dois
desses casos, criminosos, supostamente cristãos neopetencostais,
aparecem em vídeos ameaçando sacerdotes de religiões afro-brasileiras e
obrigando-os a destruir peças religiosas.
Diante dos ataques, que
acontecem em sua maioria na periferia, Léo Akin Olakunde, decidiu criar
o aplicativo para facilitar as denúncias e organizar um banco de dados.
No Oro Orum- Axé eu respeito, o usuário encontra informações
sobre direitos e leis que garantem a liberdade religiosa no país, o
combate à discriminação, além do formulário de denúncia. O denunciante
também recebe orientação para procurar a Polícia Civil e a Defensoria
Pública do Estado.
A ideia, conta Léo Akin, partiu da utilização de outro aplicativo, o Nós por Nós,
criado pelo Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, com objetivo de
combater a violência policial. Em ambos, há orientações para fazer a
denúncia com vídeos, fotos e texto, além de coletar todas as provas
possíveis, registrar testemunhas e o máximo de dados sobre o agressor.
“Precisamos de políticas públicas, mas também de segurança para as
vítimas denunciarem”, disse.
Léo
pretende ampliar a plataforma e gerar mapeamentos das casas de matriz
afro se conseguir apoio de parcerios: ele precisa da doação de dois
computadores. “O aplicativo foi feito com equipamento amador, mas de
forma profissional. Com um notebook velho e a internet de uma conta
emprestada de minha cunhada”, diz. A ferramenta foi programada por
Alexsandro da Silva, amigo de Léo, ateu e morador de Pernambuco.
“Precisamos de uma internet de melhor qualidade e monitores para
trabalhar todas as funcionalidades. Estamos atrás de financiamento”,
disse ele, que também contou com a ajuda da namorada, a escritora Taís
Espírito Santo, para criar o aplicativo.
Religiosos querem intervenção do MP
Interlocutor
da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), o professor
Ivanir dos Santos acredita que a impunidade faz com que os casos de
intolerância sejam cada vez mais violentos. “Qualquer ferramenta como
essa é importante no contexto de violência que vivemos”, disse. Porém,
ele cobra respostas do Poder Público.
“O que nós queremos é que
os dados virem inquéritos na Polícia Civil por discriminação e denúncias
no Ministério Público Estadual”, cobrou. Ivanir explicou que muitos
atos de violência são classificados nas delegacias como briga de vizinho
ou desentendimentos. Com isso, deixa-se de aprofundar o debate sobre as
origens do preconceito contra as casas de terreiro.
Dos casos
que a CCIR acompanha, ele conta que a maioria acaba virando apenas um
registro de ocorrência, “engavetados” pela própria polícia, como
aconteceu com as notificações de Nova Iguaçu. Até o momento, dos oitos
casos, a Polícia Civil confirma apenas a autuação de um pastor, por
publicar vídeos em redes sociais destruindo imagens de orixás.
O professor Ivanir também cobra a atuação dos ministérios públicos Estadual e Federal,
que se comprometeram a acompanhar as investigações dos casos. “As
ocorrências precisam chegar ao Judiciário, com pessoas julgadas e,
eventualmente, condenadas. O aplicativo é muito bom, é um pronto
socorro, mas precisamos mais do que estatísticas”.