Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

É mais fácil e cômodo aceitar os números oficiais do que apurar e contestar

Sexta, 16 de fevereiro de 2018
Informação oficial: 750 mil pessoas participaram do carnaval de rua em Brasília, “um público abaixo do esperado”, segundo um jornal, pois no ano passado foram 1,5 milhão de pessoas. A imprensa brasiliense, como de costume, não se deu ao trabalho de checar a informação fornecida pelo governo e repetiu os números como se fossem verdadeiros. Mas tudo indica que não são. Nem havia 1,5 milhão de pessoas em 2016 nem 750 mil neste ano.

Na véspera da entrevista, último dia de carnaval, a própria Polícia Militar falava em 330 mil pessoas. Pode ter sido mais, mas esse número foi inflado de um dia para outro para não ficar ainda mais distante dos “quase dois milhões de pessoas” anunciados festivamente, antes do carnaval, por secretários do governo de Brasília. A Agência Brasília repetiu o número obedientemente e a imprensa o agasalhou festivamente.
Não é incomum que governos inventem números que por alguma razão lhes sejam interessantes e que a imprensa os publique como se fossem reais, na condenável prática de não apurar e simplesmente atribuir a informação a uma fonte. Isso vale para informações mais relevantes ou menos importantes. Essas do carnaval são irrelevantes, mas se jornalistas se derem ao trabalho de somar os números apresentados pela PM para cada bloco e dar uma boa margem de acréscimo, porque nem todos os blocos foram computados, não chegarão aos 750 mil. Se tivessem checado as informações em 2016 veriam que as pessoas nas ruas não chegavam aos alardeados 1,5 milhão.
A “frustração”, como disse outro jornal, não significa que o carnaval de rua de Brasília não tenha sido bem sucedido. Ter cerca de 400 mil pessoas nas ruas brincando carnaval em uma metrópole (Brasília e municípios vizinhos) de 4,5 milhão de pessoas é relevante. Não significa também que os blocos não devam ser incentivados como manifestações culturais ou que proporcionam prazer e diversão aos brasilienses e aos que vêm para a cidade. Aliás, talvez tenham vindo mesmo 25 mil pessoas de fora, como diz a Secretaria de Turismo, mas por que nenhum repórter pede para ver a íntegra da pesquisa que dizem ter sido feita? Não é descartável a possibilidade de esse número também ser um chute.
Em minha coluna no Jornal de Brasília em 28 de junho de 2016, e que está no livro Assim é a velha política,  falei da absurda previsão do governo de que 300 mil pessoas viriam a Brasília para assistir a 10 partidas de futebol dos Jogos Olímpicos. Ao apresentar esse número obviamente inflado, mas repetido pela maioria da imprensa brasiliense, o governo procurava justificar o excessivo gasto de R$ 32 milhões com o evento — que, depois, comprovou-se ser um caso exemplar de fracasso de público e dinheiro jogado fora. Os turistas não vieram.
PS: se uma pessoa vai a três blocos, na estatística é contada como três pessoas. Também é bom saber disso.