Sábado, 12 de novembro de 2011
Do site http://cumpra-se.org/
Manifesto
CUMPRA-SE
A posição dissimulada do
estado brasileiro em não cumprir integralmente a sentença da OEA, impõe
fronteiras aos direitos humanos, negando a responsabilidade coletiva que
temos junto aos demais países membros em zelar e desenvolver os
instrumentos do direito internacional dos direitos humanos.
A não apuração dos crimes de
lesa humanidade praticados nos anos de 1964-1985 e a manutenção dos
mecanismos de impunidade dos torturadores, atinge a todos os brasileiros
e brasileiras, de ontem, de hoje e de amanhã, pois nega o caráter
especial do direito internacional dos direitos humanos e a jurisdição da
Corte Interamericana em nosso país. Destacamos trechos muito claros do
voto do Juiz ad HOC Roberto de Figueiredo Caldas na sentença que condenou o Brasil em novembro de 2010, que mostram nossas responsabilidades.
“Se aos tribunais supremos ou
aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e
a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte
Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e
a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos. É
o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da
Corte por um Estado, como o fez o Brasil.”
“Para todos os Estados do
continente americano que livremente a adotaram, a Convenção equivale a
uma Constituição supranacional atinente a Direitos Humanos. Todos os
poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas
legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados
aderentes estão obrigados a respeitá-la e a ela se adequar.”
“Mesmo as Constituições
nacionais hão de ser interpretadas ou, se necessário, até emendadas para
manter harmonia com a Convenção e com a jurisprudência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.”
“Portanto, em prol da garantia
da supremacia dos Direitos Humanos, especialmente quando degradados por
crimes de lesa-humanidade, faz-se mister reconhecer a importância dessa
sentença internacional e incorporá-la de imediato ao ordenamento
nacional, de modo a que se possa investigar, processar e punir aqueles
crimes até então protegidos por uma interpretação da Lei de Anistia que,
afinal, é geradora de impunidade, descrença na proteção do Estado e de
uma ferida social eternamente aberta, que precisa ser curada com a
aplicação serena mas incisiva do Direito e da Justiça.”
“É preciso mostrar que a
Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique
graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do
Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e
desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer
tempo serão punidas.”
A posição “vice-versa” do STF,
sobre a interpretação da Lei de Anistia, questionada tanto na ADPF 153
pela OAB, como na sentença condenatória da OEA no caso Guerrilha do
Araguaia, exige-nos recordar a clareza e objetividade do juiz Cançado
Trindade ao se referir à questão da jurisdição da Corte, diz ele:
“A convenção Americana,
juntamente com outros tratados de direitos humanos, foram concebidos e
adotados com base na premissa de que os ordenamentos jurídicos internos
devem se harmonizar com as disposições convencionais, e não vice-versa”.
O STF por força de embargo de
declaração feito pela OAB e dos tratados assinados pelo Brasil, mesmo
depois de votar a questão em 2010, ainda segue apreciando a ADPF 153. O
Ministro Luiz Fux recentemente solicitou informações aos poderes da
república, sobre a questão e aguarda contra resposta da Presidência da
República e do Congresso Nacional. Com o prazo legal vencido, os poderes
da república buscam uma “saída” que não existe.
A sentença é clara e diz, por unanimidade, que:
“As disposições da Lei de
Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves
violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção
Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando
um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a
identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou
semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de
direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no
Brasil.”
“A jurisprudência brasileira
firme, inclusive placitada por decisão recente do mais alto órgão do
Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, esbarrou em jurisprudência
tranqüila desta Corte ao deixar de observar o jus cogens, ou seja,
normas peremptórias, obrigatórias aos Estados contidas na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como “Pacto de São
José da Costa Rica”, doravante indicada também somente como Convenção”).
Em apertada síntese, é por esta razão que o País está sendo condenado
nesta sentença, pelas violações à Convenção.”
É preciso denunciar que a
Câmara dos Deputados acaba de violar o “Pacto de São José”, agindo na
contramão das obrigações assumidas na Convenção Americana, ao negar
seguimento ao projeto de lei da
Deputada Luiza Erundina, que propunha adequar a norma interna produzida
com a Lei de Anistia de 1979, à jurisprudência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos e à sentença que condenou o Brasil na OEA em 2010.
O governo perdeu a
oportunidade de resolver a questão no legislativo, ao ausentar-se das
audiências públicas e derrubar a proposta da Dep. Luiza Erundina. Se
tiver a mesma postura frente à ADPF 153, poderá estreitar as
possibilidades de um efetivo cumprimento da sentença e a consequente
obstrução da justiça, deixando escapar a solução do impasse junto à OEA,
também no judiciário.
Com as negativas do
legislativo e do judiciário ao cumprimento da sentença, resta ao
executivo mudar a interpretação da Lei de Anistia por decreto, o que
aponta o tamanho do retrocesso no campo de direitos humanos que vivemos
em nosso país e quão distantes os poderes do estado estão da tarefa de
construir e fortalecer práticas democráticas e de respeito aos direitos
humanos.
Não se pode presumir
limitações ao exercício dos direitos consagrados em tais instrumentos,
criando fronteiras e impedimentos para sua concretização.
Pelo cumprimento integral da sentença da OEA.
CUMPRA-SE
Marcelo Zelic é vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de SP.
Anivaldo Padilha é ex-preso político, líder ecumênico metodista e associado de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -