Terça, 8 de novembro de 2011
Foi enterrado ontem à tarde no
cemitério do Gama mais uma vítima do caos existente nos hospitais públicos do
DF. Morreu Cícero, pai dedicado à família, profissional autônomo que lutava dia
e noite para poder oferece pelo menos um conforto não só a sua esposa, mas
também aos seus dois queridos filhos. Filhos que sofrem de doenças graves,
sendo que um é também cadeirante.
Chamarei apenas de Cícero, como
nós o conhecíamos e admirávamos pelo sacrifício que, com resignação, se submetia
para criar seus dois filhos doentes. O sobrenome aqui não será dito, pois isso
não importa. Pois outros tantos cíceros também morrem nas portas dos hospitais,
abatidos pela incompetência, pela negligência, pela corrupção que deteriora a
cada dia o atendimento médicos nos hospitais públicos do país.
Cícero, o meu amigo, amigo de
muitos e muitos na cidade do Gama, Distrito Federal, morreu, sem atendimento
nenhum, na porta do HRG (Hospital Regional do Gama). Foi levado na madrugada de sábado para domingo ao HRG por um
dos seus irmãos, pois sentia fortes dores no peito, sintoma claro de um enfarto.
Chegou gritando de dor ao hospital onde tinha o direito de ser de imediato
atendido e, muito possivelmente, evitada a sua morte.
Mas não. Não conseguiu ser
atendido por ninguém, levou algum tempo sofrendo e gritando de dor. Caiu,
morreu. Deixou uma família que tanto dependia dele, não só financeiramente, mas
principalmente em termos de amor, carinho, que tanto ele sabia dar aos seus
dois filhos doentes e a sua querida esposa.
Já caído no chão, morto, já com
seus olhos fechados por seus parentes é que chegaram dois médicos. Mas para quê?
Apenas para atestar a morte? Para simularem que houve atendimento? Já não
bastava a humilhação de não ser atendido num hospital para o qual iam muitos
dos seus impostos? Sim, ele pagava impostos. Cínica essa nossa sociedade.
No velório, ocorrido ontem (7/11)
no cemitério do Gama, havia um clima de dor e de saudade, mas também, por
alguns pelo menos, um clima de revolta. A revolta natural daqueles que não se
conformam que alguém possa morrer na porta de um hospital sem que haja recebido
atendimento médico.
Possivelmente, ou não (como diz
Caetano Veloso), a Secretaria da Saúde do DF divulgará nota pública dizendo que
havia, sei lá, oito médicos de plantão na madrugada de sábado para domingo no
HRG. O fato é que Cícero morreu sem o atendimento médico. O resto é bolodório
de incompetentes, é falsear a verdade, é, consciente ou não, deixar brasileiros
morrerem sem atendimento, sem dignidade, sem respeito.
No velório, um amigo de Cícero
desabafava: “Acontece isso porque não são as mães deles que morrem na porta do
hospital”. É verdade, amigo. Mas há de se reconhecer que as mães não são as
culpadas, mesmo sendo as mães “deles”.
Sei que Cícero, com o coração que
tinha, e com a alma que tem, me repreenderia pelo que vou aqui desabafar.
Talvez ele já tenha perdoado todos aqueles que contribuíram direta ou
indiretamente pelo que lhe aconteceu, sejam políticos, gerentes do sistema
público de saúde etc.
Mas como ainda não atingi um
nível elevado de pureza d’alma, como ainda tenho um sangue que ferve nas veias,
como ainda estou vivo, como sou um indignado com as coisas que acontecem com a
saúde pública, desabafo: Que vão todos para os Infernos, todos aqueles que roubam
o dinheiro da saúde pública, ou da saúde do povo fazem um meio de conseguir
privilégios.