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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Estratégia de lesma

Quinta, 9 de agosto de 2012 
Por Ivan de Carvalho
É um rematado absurdo o que está acontecendo no Supremo Tribunal Federal em razão do retardamento ou celeridade do processo do Mensalão – ou, como quer porque quer o PT, que sente calafrios ante o palavrão, da Ação Penal 470.

            Primeiro, convém deixar claro que não cabe no caso, nem de longe, falar de celeridade. Em 11 de abril de 2006, o então procurador geral da República, Antonio Fernando Barros Souza, apresentou ao STF a denúncia, que foi acolhida em parecer do ministro-relator Joaquim Barbosa, aprovado pelo plenário do tribunal. O atual procurador geral da República, Roberto Gurgel, reforçou em termos enfáticos a denúncia em suas alegações finais.

Estava, assim, instaurado o processo visando ao julgamento do maior escândalo de corrupção da história do Brasil, uma coleção de maracutaias que tinha como núcleo a compra de partidos políticos e principalmente de integrantes de suas bancadas na Câmara dos Deputados, representando assim, obviamente, um atentado contra a democracia que atingia a sua instituição mais vital, o parlamento.

O esquema do Mensalão, sabe-se hoje, vinha ativo desde, pelo menos, 2004 e foi denunciado publicamente pelo deputado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson (depois que avisos dele e do tucano Marconi Perillo ao então presidente Lula “surpreendentemente” não produziram efeito algum). E então em abril de 2006 o caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal – está lá há seis anos e quase quatro meses.

Mesmo para um processo complexo e com muitos réus é tempo de sobra. O STF não foi célere, até pelo contrário, inclusive por conta dos graves problemas de coluna do ministro-relator Joaquim Barbosa, ao que se somaram as medidas protelatórias que têm estado no núcleo mesmo da estratégia da defesa, como se evidenciou até o limite nos últimos dias, com o início da fase de julgamento.

O que o Supremo não fez foi deixar o processo atrasar tanto quanto o desejaria a defesa, de modo a obter para os réus a vantagem da prescrição de seus crimes ou de alguns deles. Também desejava a defesa – em total afinidade com certos políticos e legendas partidárias – empurrar o julgamento para depois das eleições, sob a quase inacreditável alegação de que julgar antes poderá prejudicar, em outubro, o desempenho eleitoral de partidos – ou certos partidos – que estiveram envolvidos no escândalo do Mensalão.

Mas qual a obrigação da Justiça? Atuar com presteza. Ou, pelo menos, com a presteza possível. Tanto para evitar que os autores de crimes, quando os houver, escapem pelo caminho confortável da prescrição como simplesmente porque, assegurado o contraditório, garantida a ampla defesa, respeitado o devido processo legal, como tem acontecido na Ação Penal 470, não resta razão alguma para a Justiça ser lerda. A lerdeza não é uma qualidade, mas um defeito.

            De resto, a estratégia da defesa quer retardamento também, além das razões já mencionadas, para livrar-se do futuro voto do ministro Cezar Peluso, reconhecidamente o que tem mais conhecimento de direito penal no tribunal e que, presume a defesa – pelo que se observa–, votaria pela condenação em muitos casos. Mas se a defesa tem essa estratégia de por o ministro na aposentadoria compulsória antes dele votar, essa não é uma estratégia normal – equivaleria, numa zona rural, a esvaziar os pneus do carro de um eleitor para ele não chegar a tempo de votar na seção eleitoral.

Esse eleitor estaria em seu direito se, sabedor do que se planejava, providenciasse um carro de reserva. E o STF, se tomar providências que neutralizem a estratégia de lesma que a defesa tenta impor.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.