Segunda, 11 de fevereiro de 2013
MK Bhadrakumar (Indian Punchline)
A famosa cena do filme hollywoodiano “Círculo de Fogo” capturava bem o
espírito do tempo quando, falando a uma sala cheia de militares
soviéticos bem no centro do front de Stalingrado na 2ª Guerra Mundial, o
recém nomeado Comissário do Exército Vermelho Nikita Khrushchev,
enviado especialmente por Joseph Stalin para conter a retirada, sob o
assalto dos alemães, berrou:
“Meu nome é Nikita Sergeyevich Khrushchev. Vim para tomar as
rédeas da situação por aqui. Essa cidade não se chama Kursk, não se
chama Kiev, não se chama Minsk. Essa cidade é Stalingrad! Essa cidade
leva o nome do Comandante. É mais que uma cidade: é um símbolo. Se os
alemães capturarem essa cidade, todo o país cairá em colapso. Agora, que
todos levantem a cabeça.”
Fato é que a vitória na Batalha de Stalingrado, na 2ª Guerra Mundial
foi um dos momentos decisivos da história soviética. E o nome de Stalin
está ligado para sempre àquela batalha heroica. Isso, nem se discute.
Acabam de ser comemorados os 70 anos daqueles dias, com Vladimir
Putin presente às cerimônias. Interessante anotar que a cidade de
Volvogrado reivindicou para si o nome de “Stalingrado” (que Nikita
Khrushchev fez trocar, em 1961), especialmente para aquela comemoração
histórica. Foi exigência da população da cidade, a mesma em cuja defesa
morreram meio milhão de russos, mártires de uma saga heróica que durou
200 dias. Pois decidiram ser lembrados, 70 anos depois, associados ao
nome de Stalin.
SIMBOLISMO
A decisão do Kremlin, de falar não de Volvogrado, mas de
“Stalingrado”, nas comemorações atuais, é carregada de simbolismo
político. É a Rússia que renasce – e com ela sua autoconfiança –, afinal
se reconciliando com sua história profunda.
O ocidente dirá – e já começou a dizer – em tom de crítica, que Putin
está ‘ressuscitando’ Stalin. A ironia dessa história é que, sem a mão
de ferro de Stalin, a batalha de Stalingrado teria tido história
diferente; e toda a história do ocidente teria sido outra, se Stalin,
ali, não tivesse feito mudar a maré da guerra.
A Batalha de Stalingrado foi o ponto de virada da 2ª Guerra Mundial.
Hitler concentrara o principal grupamento estratégico de seus exércitos
entre os rios Don e Volga – 14 divisões nazistas concentravam-se contra
Stalingrado – distribuídas numa fronteira de 850 quilômetros.
Os alemães perderam 1,5 milhão de homens na Batalha de Stalingrado. O
Exército Vermelho destruiu 3.500 tanques nazistas. Stalin quebrou
literalmente a espinha dorsal da Alemanha nazista; Hitler nunca mais se
recuperou.
Os sacrifícios russos não teriam alcançado a proporção gigantesca que
alcançaram, se as potências ocidentais – a Grã-Bretanha, em especial –
tivessem aberto uma frente ocidental. Mas, na ocasião, Winston Churchill
contava com que a União Soviética sangraria até morrer, sem apoio
ocidental, e não reapareceria para contar a história.
Por que uma nação se envergonharia da própria história? Nada é só
belo e bom; tudo vem com a parte que presta e a parte que não presta. A
gigantesca contribuição de Stalin na construção da União Soviética
também é parte inarredável, imensa, da história da Rússia. Ninguém se
dedica a narrar a história dos EUA impondo, no coração da história, a
escravidão e o racismo. Nem o banho de sangue da Partition é o único
evento que se considera, na história da civilização indiana. É sempre
importante relembrar as lições da história.
A RÚSSIA RENASCE
A Rússia está renascendo hoje, sob imensíssima pressão. Os EUA
recusam-se a aceitar a ressurgimento da grande Rússia, e não abrem mão
de uma sua sempre pressuposta “superioridade nuclear” – que é a única
inspiração, a essencial inspiração do ‘novo’ programa dos mísseis de
defesa dos EUA.
Os EUA dizem que estão ‘ignorando’ a Rússia, mas o verdadeiro jogo
norte-americano é fugir de qualquer tipo de discussão séria e
consequente sobre o equilíbrio estratégico global.
O pretexto aparente é que Putin seria ‘autoritário’. Mas a agenda
real é quebrar o sistema político russo. Os EUA avaliam que haja
rachaduras internas entre as elites russas e as classes médias; e que o
edifício que Putin constrói tenazmente, sem descanso, não tem pernas
firmes – como qualquer casa dividida. Não há dúvidas de que a Rússia
tem, sim, de extrair força e densidade histórica de memórias que são
dela: “Que os inimigos da Rússia nunca esqueçam a Batalha de
Stalingrado”.
Fonte: Tribuna da Imprensa