Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Parem com isso

Segunda, 4 de fevereiro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Enquanto a Câmara dos Deputados elege hoje seu novo presidente, que vai substituir o valente petista gaúcho Marco Maia, que, em outras palavras, andou chamando o STF pro tapa, vale a pena olhar para o Senado, no lado oposto das torres gêmeas que se interpõem entre as duas Casas do Congresso Nacional.

            Lá, o senador Renan Calheiros, que era líder do PMDB, foi eleito presidente do Senado Federal, cargo que já ocupara antes e ao qual renunciara em um acordo para não ter seu mandato cassado e suspensos, como pena acessória e automática, seus direitos políticos.

            Calheiros fora acusado de “deixar” que uma empresa privada pagasse, a uma jornalista com a qual tivera uma filha, a pensão devida a esta última. Era uma pensão polpuda. O presidente do Senado, durante uma investigação interna, disposto a repelir a acusação do pagamento de despesa pessoal por uma empresa privada, o que seria fatal, alegou ser pecuarista e dispor de meios próprios para o pagamento. E então apresentou como prova notas fiscais da venda de vacas realizada para o pagamento da pensão.

            Logo os maledicentes – e em Brasília são mais numerosos que em qualquer outro lugar do mundo – cismaram que as notas fiscais apresentadas eram (e continuariam sendo) frias, assim como eram frias também as vacas. Aí a Procuradoria Geral da República mete o nariz onde não é chamada e, faltando oito dias para a eleição de Renan Calheiros para o mesmo alto cargo ao qual renunciara antes, apresenta, por intermédio do procurador geral Roberto Gurgel, uma denúncia contra o teimoso senador ao Supremo Tribunal Federal. Uma denúncia por peculato (desvio de dinheiro público, com pena de 2 a 12 anos de prisão), falsidade ideológica (1 a 5 anos de prisão) e o uso de documento falso (2 a 6 anos de prisão).

            Um absurdo. Como é que se acusa o então futuro e já agora atual presidente do Senador e do Congresso, além de terceira pessoa na linha de sucessão do presidente da República? É muita maldade. Uma denúncia dessa certamente deixa a cidadania brasileira cabisbaixa, macambúzia, sorumbática e meditabunda. E compromete profundamente a já abalada imagem do nosso país em âmbito internacional.

            Mas essa atitude impensada do procurador geral da República não é tudo. Por mais que se chegue ao fundo do poço, pode-se continuar cavando. No caso do presidente Renan Calheiros, pior que a denúncia é a defesa. Não me refiro à defesa judicial que ele terá de fazer caso a denúncia seja aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Aí, não tem problema, tem as vacas frias. Refiro-me à defesa que já está sendo feita por alguns políticos.

            Um deles, José Sarney, que no discurso em que pela quarta vez se despediu de mandato de presidente do Senado, ignorou os escândalos ocorridos durante sua presidência, como o dos atos secretos, decisões que não obedeciam ao imperativo constitucional da publicidade e não eram, assim, publicadas no Diário Oficial da União. Mas não ignorou as excelsas qualidades de seu correligionário e sucessor Renan Calheiros. Disse que a eleição dele garante ao Senado continuar “seu caminho de transparência e equilíbrio democrático”. Não ficou claro se Sarney ironizava o desempenho dele mesmo ou o futuro desempenho do sucessor.

            Outro amigo da onça que esmerou-se em defender publicamente Renan Calheiros foi o ex-presidente da Câmara federal, deputado João Paulo Cunha, condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo STF no processo do Mensalão. “O Renan é um quadro político que já há muitos anos tem demonstrado sua capacidade. O PT fez certo em apoiá-lo”, sentenciou o sentenciado.

            Antes, em seu blog, o ex-presidente do PT e ex-ministro-chefe da Casa Civil do presidente Lula, José Dirceu, condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa, já havia defendido Renan Calheiros, melhor dizendo, havia jogado pedras nos seus “detratores”, acusando haver uma “ofensiva midiática” respaldada pelo Ministério Público Federal e um “falso moralismo” do tipo udenista, que...

            Ah, parem! Isso é um abuso com o novo presidente do Senado.
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Este arquivo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.