Terça, 14 de maio de 2013
= = = = = = = = = = = = = =
Helio Fernandes
Tribuna da Imprensa
O coronel Brilhante Ustra (muito mais ustra do que brilhante)
torturava por prazer. Guardadas as proporções, era como Pinochet (Chile)
e o general Videla (Argentina), que gostavam de assistir torturas.
Ustra torturava com as próprias mãos, no seu acervo de terrorista, mais
de 50 mortos.
Agora se julga um “herói da Pátria”, queria defender o Brasil do
pavor do comunismo. O Brasil nunca esteve perto disso, nem mesmo em
1935, quando Prestes veio da União Soviética (com Olga, a terrorista que
invadiu uma prisão de segurança máxima, na Alemanha, para libertar o
marido) para a revolução, um fracasso total.
Nunca estive preso com o coronel Ustra, ele só atuava em São Paulo.
Mas seu “terrorismo” e o prazer pela tortura chegavam ao Doi-Dodi da
Barão de Mesquita. Fui para lá, várias vezes, a ordem era cumprida: “Não
podem torturar o jornalista, intimidação, ameaças, tortura física de
jeito algum”.
Não pretendiam me preservar. Como eu era um nome nacional, se eu
morresse, o que podia acontecer facilmente, tinham certeza de que a
repercussão nacional e internacional derrubaria a ditadura.
Estive quatro vezes com o coronel Fiuza de Castro como comandante.
Era filho do general Fiuza de Castro, que nomeado ministro da Guerra
pelo presidente Café Filho, não tomou posse, o general Lott não deixou.
Isso em 1955, nove anos antes do golpe.
CORONEL USTRA, HERÓI
DOS TORTURADORES
Demoravam me fazendo perguntas tolas, eram uns idiotas, mas não
deixavam de lembrar, em tom de ameaça: “Se o coronel Brilhante Ustra
estivesse aqui, as coisas seriam diferentes”. Enquanto eu era
interrogado, ouvia os gritos dos jovens entre 20 e 22 anos, que sofriam.
Eram todos de classe média alta, sabiam que chegariam os “pistolões”,
teriam que soltá-los. Uma noite, o próprio ministro Orlando Geisel (que
nominalmente era o chefe de tudo) chegou lá com o general Cordeiro de
Farias. Este, quando foi governador eleito de Pernambuco, fez muitos
amigos. O filho de um advogado tinha sido preso, ele telefonou para o
ministro, que foi ao Doi-Codi. O menino já havia sido torturado, foi
levado embora.
Estive lá mais duas vezes, o comandante era o coronel Ariel Paca. Foi
diferente. De uma tradicional família de militares, estava constrangido
no cargo. Nas duas vezes conseguiu me transferir para o HCE (Hospital
Central do Exército).
O ambiente era de terror mesmo. Os policiais que me levavam, diziam:
“Sofremos quando somos escalados para trazer alguém”. Parávamos numa
pracinha enorme, os oficiais que estavam esperando, diziam às
gargalhadas: “Então, doutor, o senhor escreve contra nós, mas acaba
sempre aqui”. O que fazer? Eu tinha medo, mas não deixava que eles
soubessem ou percebessem.
Esse é o retrato simplíssimo de um regime autoritário, arbitrário e
atrabiliário, que durou 21 anos. E que agora o coronel Ustra quer
transformar em lição de heroísmo.
ONTEM, DIA DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO,
O ESCRAVIZADO MERCADANTE FEZ 59 ANOS
Eleito senador em 2002, tinha o futuro pela frente e a festa do
suplente. Era tido e havido como ministro da Fazenda do eleito Lula, que
maravilha viver. Não foi coisa alguma, o presidente eleito nomeou
Palocci, desenterrado do lixo de prefeito, cheio de irregularidades
(acabou demitido desonrosamente).
Foi feito líder do governo no Senado. Irritado, chateado, revoltado,
pediu “demissão irrevogável”. Lula não aceitou e ainda tripudiou. “quem
diz o que é irrevogável sou eu”. Mercadante continuou, o que fazer?
Em 2010, a segunda derrota para governador, voltou para Brasília, sem
lenço e sem documento, apenas liquidar as coisas, retornar a São Paulo.
Surpreendentemente, nomeado ministro da Educação. E mais do que isso:
confidente de Dona Dilma e acompanhante obrigatório em todas as viagens
dela ao exterior.
Agora, quando Lula procura quem indicar ou eleger governador de São
Paulo, Mercadante se antecipa: “Não sou candidato”. Naturalmente, para
quem já perdeu duas vezes. Mas ele tem outro plano já combinado com Dona
Dilma, com base na reeleição dela.
Quando Dona Gleisi deixar a Casa Civil para tentar o governo do
Paraná, Mercadante ocupará o cargo, que acumulará com a coordenação da
reeleição. Confirmada esta, em 2018, com 64 anos, será o mais previsível
presidenciável do PT. Mas não esquecerá 2002.
E se lembrará sempre de 2018, se acumular outra derrota. Entre
esquecer e não se lembrar, Mercadante só terá como consolação uma
consulta ao Houaiss.
AÉCIO PREOCUPADO
COM SÃO PAULO
Na verdade não consegue deixar de pensar em Serra. Considera que o
ex-prefeito e ex-governador tem um potencial eleitoral enorme. Acha que
ele perdeu a eleição para prefeito por acidente de percurso e não por
falta de votos.
Só que não consegue ver Serra a seu lado em 2014. E já deu por
encerrada, agora em 2013, a tentativa de atraí-lo. Sua visão sobre
Serra: ainda alimenta esperanças de aparecer como presidenciável. Assim,
só voltaria a tentar se compor com ele no ano que vem. Outro grande
problema: não tem o que oferecer a ele.
###
PS- Mafra, fui preso em 1963 (antes do golpe) por ter publicado uma
circular “confidencial e sigilosa” do ministro da Guerra a 12 generais.
Um desses 12 me deu a circular, como engavetá-la?
PS2 – Fui julgado pelo Supremo, me enquadraram na Lei de
Segurança, pediram 15 anos de prisão para mim. O julgamento ficou 4 a 4,
o presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, desempatou a meu favor.
(Podia desempatar contra).
PS3 – Por trás de tudo, o presidente João Goulart, que acreditava que a Tribuna da Imprensa ainda era do Carlos Lacerda.