Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A pressa da era de ferro

Sexta, 29 de novembro de 2013
Os projetos do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) foram enviados pelo Executivo à Câmara Legislativa com pedido de urgência. Ambos são duramente criticados pela deputada Celina Leão (PDT) no artigo desta semana. "Atualmente, a cidade está diante do maior desafio à sua condição de emblema da arquitetura moderna. Seu desenho original pode vir a ser desfigurado por decisões políticas tomadas às pressas", afirma. Para a distrital, o Legislativo local deve atuar de forma independente, proporcionando ao Executivo "formas para trabalhar melhor, na medida em que é fiscalizado".

 

A pressa da era de ferro

Por Celina Leão
Deputada distrital do PDT
A exemplo da Grécia antiga, Brasília já viveu sua era de ouro, reconhecida como um estado ideal, de utopia e harmonia, livre de sofrimentos, com estabilidade e prosperidade. Com uma sequência de acontecimentos devastadores na história política da cidade, experimentamos a era de ferro, com tempos de incessante miséria e angústia. As angústias são diversificadas, porém o que chama atenção neste momento são os projetos que se apresentam, do Executivo para o Legislativo, com urgência na votação. Eles nascem no Palácio do Buriti às pressas, na calada da noite, ocasião em que são feitas barganhas com o poder da caneta pelo poder do voto.
 
Exemplos claros são o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) e o projeto que autoriza cessão de uso do Museu Nacional da República Honestino Guimarães à União. Todos apresentados com pressa, sem o devido debate, com interesses que não são os de preservar ou atender a vontade popular. As justificativas não convenceram e a pressão popular continua.

Brasília foi minuciosamente planejada como uma obra de arte, cujo principal alicerce foi a qualidade de vida. Antes de completar trinta anos de existência foi reconhecida como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Junto ao título vieram a responsabilidade e o compromisso de preservação das principais características da capital.

Atualmente, a cidade está diante do maior desafio à sua condição de emblema da arquitetura moderna. Seu desenho original pode vir a ser desfigurado por decisões políticas tomadas às pressas.

O PPCUB foi enviado em regime de urgência para votação na Câmara Legislativa, um projeto complexo e extenso, com 118 páginas e 72 planilhas apresentadas em quase 800 folhas, onde se vê de tudo, menos a função principal, que é preservar. A resistência da sociedade obrigou o Poder Executivo a dar um passo atrás e retirar alguns dos pontos polêmicos. No entanto, não foi o suficiente, uma recomendação do Ministério Público apontou a concordância do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan), registrada em ata, como requisito à aprovação da proposta pela Casa. Ou seja, se não passar pelo Conplan não tem valor jurídico, o que vale, também, para a LUOS.

O governo tenta todas as manobras possíveis para minar o poder de legislar e fiscalizar, seja quando tenta doar ou destinar áreas públicas sem passar pela Câmara Legislativa, ou quando se recusa a aceitar emendas aos projetos, o que é uma prerrogativa parlamentar.

A apreciação de projetos polêmicos que contrariam a vontade popular, mas ainda assim continuam em pauta, nos faz lembrar da velha prática da compra votos, proibida por lei. Quando os governantes se sentam para negociar espaços políticos, faz-se barganha, o que é ilegal. Não é democrático, não é decente. Trata-se, na verdade, de espécie de vale tudo para atingir objetivos que não se explicam de forma republicana. Dar cargos e benesses para conseguir votos nos leva a uma reflexão no contexto das mudanças. Políticos têm sido cassados e até presos por comprarem votos, a exemplo dos mensaleiros. Mas mesmo assim, a toda hora, vemos estampados na mídia acordos onde a moeda é o cargo político de poder feitos nos Legislativos pelo Executivo.

Penso que é preciso leis mais rígidas, cargos do primeiro escalão do Judiciário e presidentes de bancos teriam que ser ocupados por servidores de carreira, um pré-requisito para não serem manipulados por seus indicadores. Por que essa crise institucional no STF? Porque alguns foram indicados pela força política. O Legislativo precisa ter coragem para mudar este cenário. O governo se sente ameaçado por uma medida mais enérgica e logo passa a tramar para esvaziar o Legislativo.

O governo deveria se pautar não na fala de seus assessores diretos, mas na fala de quem observa o cenário sem paixões e o critica. Segundo Maquiavel, é necessário escutar seus inimigos, que melhor veem suas falhas. A CLDF deve atuar como poder independente, que proporciona ao Executivo formas para trabalhar melhor, na medida em que é fiscalizado. A impressão que temos é de que o governo preferiu esmagar as vozes da CLDF, com a força do poder. 

Hoje tenho um gabinete onde a função legislativa tem sido atropelada pela jurídica, porque as questões não são resolvidas no diálogo, mas na Justiça, como aconteceu no caso dos diretores exonerados, na imposição dos ciclos e semestralidades sem diálogo, na licitação das capas de chuva, nos ingressos da Copa das Confederações doados pela Terracap a uma lista vip de "autoridades", na contratação de empresas de publicidade que deram vida aos "fakes" criminosos, na licitação fraudulenta do transporte público, no uso político do DFTrans, nas terceirizações da saúde, dentre outros, e agora no PPCUB e LUOS, que pretendo barrar com um mandado de segurança, para que Brasília volte a viver em harmonia, como na era de ouro da Grécia Antiga.