Quarta, 3 de fevereiro de 2016
Da Ponte
03/02/16 Por Especial para Ponte
Justiça proíbe Ponte de divulgar vídeo que mostra promotora Ana Maria Frigério Molinari acusando Mães de Maio de ligação com tráfico de drogas. Por engano, juíza também ordenou censura ao Facebook
A juíza Luciana Castello Chafick Miguel, da 3ª Vara da Comarca de Cubatão, obrigou a Ponte Jornalismo a tirar do ar um vídeo da reportagem Mães de Maio denunciam promotora por “criminalizar” movimento, de André Caramante e Fausto Salvadori. O
vídeo mostrava a promotora Ana Maria Frigério Molinari, da Procuradoria
de Justiça de Praia Grande (SP), fazendo acusações, sem apresentar
provas, contra o grupo independente de direitos humanos Mães de Maio,
dizendo que as militantes seriam traficantes de drogas.
As imagens haviam sido gravadas durante uma audiência de instrução na
3ª Vara Criminal de Cubatão, em que a promotora Ana Maria aparece
respondendo a perguntas feitas pelo advogado de três policiais
militares, Cristian David Almeida de Castro, José Roberto de Andrade e
Rudney Queiroz de Almeida, acusados de sequestrar um homem e armar
contra ele uma falsa acusação de porte ilegal de arma. No vídeo, Ana
Maria afirma ter recebido a informação de que o grupo Mães de Maio seria
formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em
maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o
apoio da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
A promotora, contudo, não apresentou uma denúncia formal contra as
Mães sobre o suposto crime: limitou-se a comentar suas suspeitas ao
responder às perguntas do advogado. Por conta desse vídeo, a promotora
foi criticada por Débora Silva, das Mães de Maio, durante uma audiência pública Câmara Municipal de São Paulo. Débora
disse que a promotora Ana Maria estava criminalizando um movimento de
direitos humanos com acusações falsas e exigiu que ela fosse afastada do Ministério Público. Procurada pela Ponte, Ana Maria se recusou a dar entrevista.
Somente depois que a reportagem foi publicada, a juíza Luciana
Castello Chafick Miguel decretou sigilo no processo envolvendo os três
policiais e, com base nisso, decidiu obrigar a Ponte a
retirar do ar o vídeo com o depoimento de Ana Maria.
Curiosamente, a juíza também determinou envio de ofício ao Facebook
“para que tome ciência da decisão e remova os referidos vídeos”. Só que o
vídeo nunca foi postado lá, apenas no YouTube.
Em 12 de janeiro, os autores da reportagem foram informados de que
deveriam retirar o vídeo no prazo de dez dias, “sob pena de eventual
responsabilização civil e criminal”. Atendendo à determinação judicial, a
Ponte tirou o vídeo do site e do YouTube.
A advogada da Ponte, Giane Álvares Ambrosio,
impetrou um mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo para tentar obter uma liminar e liberar o vídeo proibido. No
texto, Giane afirma que a decisão da Justiça é uma prática de censura,
que “viola o direito de informar” e “impede o livre exercício da
profissão de jornalista”. A advogada lembra que a juíza só decretou o
sigilo do processo após a publicação da reportagem, e que não apresentou
uma justificativa de interesse público para fazer isso, como determina o
artigo 155 do Código de Processo Civil. Segundo Giane, “constata-se
que, na verdade, foi a medida encomendada para violar o direito de
informação, excluído o suporte imagético do que se noticiou”.
A exclusão do vídeo determinada pela Justiça também empobreceu a notícia e prejudicou o trabalho dos repórteres da Ponte.
“Um portal noticioso de internet obedece, no que ao jornalismo se
refere, a regras próprias, sendo das mais importantes a que estabelece
seu caráter multimeios. Imagem e movimento, imagem em movimento, não
apenas enriquecem o canal noticioso e a própria notícia, mas constituem
modo e fundamento importante da notícia em portais de internet, quando o
acesso é rápido e rapidamente desviado para um próximo endereço”,
afirma a advogada.
Em 26/1, o pedido de liminar foi negado pelo desembargador Luiz
Antonio Cardoso, que afirmou não ver a necessidade de uma decisão
urgente para o caso. Agora, a Ponte aguarda que o Tribunal se manifeste
sobre o mérito da ação.
Relatório censurado
Não foi a primeira vez que uma reportagem da Ponte enfrentou uma
censura judicial. No ano passado, uma determinação do juiz de Direito
Substituto do TJM-SP (Tribunal de Justiça Militar de São Paulo), Dalton Abranches Sabi, fez com que a Ponte Jornalismo tivesse que retirar do ar a reportagem “Leia na íntegra os documentos da investigação sobre as 19 mortes em série em Osasco e Barueri”, divulgada em 9 de setembro de 2015.
A justificação para a determinação, datada em 16 de setembro de 2015, foi de que a
“exposição de maneira indevida já causou e pode causar maiores
prejuízos à investigação e a terceiros, com exposição de nomes das
pessoas, prejudicando a intimidade”. Por isso, foi determinada “a imediata retirada do conteúdo do site”. O que foi acatado pela Ponte.
Ainda de acordo com a decisão, o magistrado escreveu que
“certamente o site cumprirá a determinação judicial, sem que haja
qualquer lide, pois é um defensor dos Direitos Humanos, da Justiça e
apresenta as notícias da Segurança Pública, certamente nos ditames da
proteção dos direitos fundamentais do homem”.
E, por fim, a determinação judicial apontou que a Ponte
“tem a total possibilidade de divulgar em seu sítio eletrônico todas as
informações que bem entender, sendo que este juízo está a excepcionar
apenas no que reporta ao conteúdo dissente com o caso em baila, para,
repito, não prejudicar as investigações e, acima de tudo, resguardar o
bem maior (vida) de terceiros”.
A reportagem divulgada pela Ponte Jornalismo, assinada pelos repórteres André Caramante e Luís Adorno, mostrava, na íntegra, um relatório
que englobava documentos da Corregedoria da PM-SP (Polícia Militar do
Estado de São Paulo), da delegacia seccional de Osasco, do DHPP
(Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), ambos da Polícia
Civil, do MP-SP (Ministério Público) e do TJM-SP (Tribunal de Justiça
Militar).
Toda a documentação apontava que os ataques que deixaram 32 pessoas mortas na região de Osasco, na Grande SP, em agosto de 2015,
foram, sim, uma retaliação às mortes de um cabo da PM e de um GCM
(guarda civil metropolitano) na mesma semana da série de atentados.
De acordo com o capitão da PM encarregado pelo Inquérito
Policial Militar, Rodrigo Elias da Silva, “está demonstrado, por meio
dos registros das ocorrências, que trata-se de um grupo organizado para a
prática de crimes de homicídios com clara intenção de vingança”. Antes
de escrever isso na documentação a qual a Ponte Jornalismo
divulgou, ele relembrou os assassinatos do cabo Avenílson Pereira de
Oliveira, de 42 anos, e do GCM Jefferson Rodrigues da Silva, de 40. O Pm
foi morto no dia 7, e o GCM, no dia 12. “Devemos reparar que ocorreram
10 eventos com resultado morte depois das mortes do policial militar e
do GCM”, afirmou.