Acordo com a Chuva da 5 da manhã e tenho 67 anos. Já tive 17.
Fugi da cavalaria. Participei de passeatas. Perdi companheiros na luta armada.
Os dias eram daquele jeito. Ditadura Militar. Familiares e companheiros
presos. Tortura. Tomada de consciência de uma guerra ideológica.
Questionamentos sobre o futuro.
Passaram-se 50 anos. Estou assim.
Aposentada. Junto da mãe velhinha e sem memória.
Estou numa cidade em que nasci quando ainda era capital do Brasil. Vi muito.
Corri atrás de sobrevivência. Trouxe ao mundo um filho que vai
completar 40. Sequer crê em Deus. Também tenta correr atrás de algum
futuro mas a ele e esposa (que não tem filhos) são apresentadas poucas
oportunidades e tristes exemplos de gerações de roubos e trapaças.
Vivo e sobrevivo com orçamento apertado advindo de aposentadoria modesta.
A saúde apresenta intempéries que enfrento com certo bom humor e muita
fuga. Haja calmantes. Haja orações e haja paciência de assistir tanto
descaramento. Delações premiadas. Presos com luxo.
Como rever meus jovens anos 70, se esse filme eu já vi e morro no final? Se não morro, amigos morreram.
Se sobrevivi, sinto vergonha do quadro de insana malandragem.
Melhor dormir cedo. Melhor não ir na rua onde os pivetes me puxam a
bolsa e roubam celular. Melhor só sair para o médico e a fisioterapia.
Ideal é usar esse bendito saco de água quente nas costas. Alívio para
dores e artroses. À tarde, lembrar o moço da farmácia para vir aplicar
injeção na mamãe.
Atender a gerente do banco sobre contas em débito automático que preciso reorganizar.
Ainda tem o tal imposto de Renda que é descontado mensalmente da aposentadoria mas, que há uns 7 anos me exige, além. Esse além é um dilema. Opto por não
pagar porque preciso comer e comprar remédios. Pago prestação de casa
financiada pelo Previ Rio do Município. A pequena casa de 45 metros
quadrados já me leva dois mil e 300 por mês da aposentadoria de
servidora concursada. Parece que vou pagar mais um ano e meio.
Só então vou procurar a receita e acertar as tais dívidas acumuladas.
Não trapaceei. Sequer imaginei fazê-lo. Nunca recebi propina por
atividade pública.
Meus dias foram assim. Acreditava nos ideais socialistas. Hoje sei que
não existem. A não ser como tema de livros e seriados. Também são ótimos
para roteiros de filmes.
Fiquei imaginando um codinome pra mim numa hipotética lista da
Odebrecht: Cida, a ingênua! Ou Cida, a boboca! (Atualmente devedora do
Leão)
Cida Torneros