Segunda, 3 de abril de 2017
Do MPF
Apresentador usou expressões racistas para se
referir à cantora Ludmilla. Emissora pode ser condenada a exibir
programas educativos e pagar indenização
A TV Record pode ser obrigada a incluir na
programação conteúdo voltado ao combate à discriminação racial. Essa
solicitação foi feita pelo Ministério Público Federal (MPF/DF) à Justiça
em ação civil pública - com pedido de liminar - protocolada nesta
segunda-feira (3). O pedido tem como propósito garantir a reparação de
dano moral coletivo causado pelo apresentador Marcos Paulo Ribeiro de
Moraes, mais conhecido como Marcão do Povo. Durante a edição brasiliense
do programa “Balanço Geral DF”, ele se referiu à cantora Ludmilla como
"macaca". Marcão comentava rumores de que a artista não gosta de tirar
fotos com os fãs quando fez a seguinte afirmação. "Uma coisa que não dá
para entender, era pobre e macaca, pobre, mas pobre mesmo". O MPF/DF
também pediu que o Judiciário condene a emissora ao pagamento de
indenização de R$500 mil, que deverão ser revertidos para ações de
promoção da igualdade étnica e racial.
O caso chegou ao Ministério Público por meio de
representação das associações Intervozes – Coletivo Brasil de
Comunicação Social e Andi – Comunicação e Direitos. O passo seguinte foi
a instauração de inquérito civil para apurar os impactos da conduta do
apresentador. Ao longo da investigação foram enviados ofícios à Rede
Record solicitando informações sobre o ocorrido. A emissora confirmou a
ofensa proferida por Marcão do Povo no programa exibido no dia 9 de
janeiro de 2017. Argumentou ainda que, por se tratar de um programa ao
vivo, seria impossível filtrar previamente os comentários do apresentador.
Além disso, informou que não compactua com a frase dita na ocasião e
que, por isso, demitiu o jornalista. O MPF, no entanto, verificou que a
emissora não tomou nenhuma providência para reparar o dano moral
coletivo gerado pelas agressões verbais, o que poderia ter sido feito
por meio do direito de resposta ou da veiculação de mensagens de repúdio
à fala de conteúdo racista.
Na ação, a procuradora da República Ana
Carolina Alves Araújo Roman sustenta que a jurisprudência reconhece o
significado da palavra “macaco” no contexto de injúria racial com o
potencial de causar danos. Cita, ainda, decisões judiciais recentes na
mesma linha, revelando que a expressão racista persiste no Brasil como
forma de agredir e humilhar a pessoa negra em razão da sua cor. “Não há
dúvida de que se trata de insulto que fere gravemente a honra dos
negros, pois constitui desprezo e ataque injustificável à personalidade e
à identidade dos indivíduos, que resulta em sofrimento, constrangimento
e profundo abalo moral”, ressalta a procuradora.
O MPF frisa, ainda que, durante o programa, foram proferidas outras
agressões verbais. O apresentador, afirmou que Ludmilla era “pé de
cachorro” e por fim, disparou, “vira gente, rapaz”. De acordo com Ana
Carolina Roman, fica claro que todas as ofensas têm o mesmo objetivo:
negar a condição de ser humano. Para o MPF, o insulto veiculado pela TV
Record atinge fundamentos como a dignidade da pessoa humana e também
fere um dos objetivos fundamentais previstos na Constituição: promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, destaca o
Ministério Público, as expressões utilizadas violam as regras a serem
observadas pelas emissoras no momento de definir as suas programações,
além de configurar um abuso ao exercício da liberdade da radiodifusão.
Ao explicar porque a agressão, apesar de ter
sido dirigida a uma pessoa (Ludmilla) gerou danos coletivos, o
Ministério Público argumentou que a proteção da honra e da imagem
alcança qualquer coletividade, “sobretudo grupos identificáveis por meio
da raça, etnia ou religião.” A procuradora cita decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece a modalidade coletiva do dano
moral, a partir do entendimento de que a dignidade da pessoa humana
também passa pelo prisma da coletividade.“ Não há dúvida de que o
ataque racista exibido pela empresa de televisão transcende a esfera
particular da cantora insultada. A exposição injusta, injustificável e
desarrazoada e desproporcional, em programa de televisão com
considerável audiência,, de pessoa negra à situação humilhante e
vexatória, fomentada em razão da cor da pele, causa sofrimento,
constrangimento e tristeza a toda a coletividade”, destaca um dos
trechos da ação.
Para justificar o dever que a empresa tem de
reparar o dano causado pelo apresentador, a procuradora da República
esclarece que a legislação brasileira prevê casos em que a obrigação de
reparar o dano independe de culpa. Além disso, o entendimento do STJ é
de que, tanto o autor quanto o proprietário do veículo, são civilmente
responsáveis pelo ressarcimento de dano decorrente de publicação que
viola as normas. Além disso, como enfatiza a ação, a radiodifusão sonora
e de sons e imagens é prestada
por empresas a partir de concessão ou permissão autorizada pelo Poder
Público, e por isso, é um serviço público. Sendo assim, conforme prevê a
Constituição, “as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarão a
terceiros”.
Pedidos
Na ação civil pública, a procuradora da
República pede que a Justiça obrigue a TV Record a exibir, no prazo de
20 dias, programação com conteúdo voltado à antidiscriminação, à
igualdade racial e à herança cultural e a participação da população
negra na História do país. A veiculação deve ser feita durante 10 dias úteis consecutivos no mesmo programa, para os mesmos
locais (Brasília DF, cidades satélites, além de Cristalina, Formosa e
Planaltina, em Goiás, e no mesmo horário (14h31), devendo cada quadro
ter a duração de três minutos ininterruptos. O MPF ressalta que os
custos necessários para a produção e edição das matérias devem ser
arcados pela emissora.