Quarta, 5 de abril de 2017
Do STF
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional o
exercício do direito de greve por parte de policiais civis e demais
servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. A
decisão foi tomada na manhã desta quarta-feira (5), no julgamento do
Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com repercussão geral
reconhecida.
A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que
“(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é
vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem
diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a
participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos
classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165
do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da
categoria”.
O recurso foi interposto pelo Estado de Goiás contra decisão do
Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que, na análise de ação apresentada
naquela instância pelo Estado contra o Sindicato dos Policiais Civis de
Goiás (Sinpol/GO), garantiu o direito de greve à categoria por entender
que a vedação por completo da greve aos policiais civis não foi feita
porque esta não foi a escolha do legislador, e que não compete ao
Judiciário, agindo como legislador originário, restringir tal direito.
O representante do sindicato salientou, durante o julgamento no
Supremo, que os policiais civis de Goiás permaneceram cinco anos – entre
2005 e 2010 – sem a recomposição inflacionária de seus vencimentos, e
que só conseguiram perceber devidamente a recomposição após greve
realizada em 2014, o que mostra que a greve é o principal instrumento de
reivindicação à disposição dos servidores públicos. Segundo o advogado,
retirar o direito de greve desses servidores significa deixá-los à
total mercê do arbítrio dos governadores de estado. Quanto à vedação do
exercício do direito de greve previsto constitucionalmente aos
militares, o representante do sindicato defendeu que não se pode dar
interpretação extensiva a normas restritivas presentes no texto
constitucional.
A advogada-geral da União citou, em sua manifestação, greves
realizadas recentemente por policiais civis nos estados de Goiás, no
Distrito Federal e no Rio de Janeiro, ocasiões em que houve um grande
número de mandados de prisão não cumpridos e sensível aumento da
criminalidade. Para ela, esses fatos revelam que a paralisação de
policiais civis atinge a essência, a própria razão de ser do Estado, que
é a garantia da ordem pública, inserido no artigo 144 do texto
constitucional como valor elevado. Os serviços e atividades realizados
pelos policiais civis, inclusive porque análogos à dos policiais
militares, devem ser preservadas e praticadas em sua totalidade, não se
revelando possível o direito de greve, concluiu, citando precedentes
nesse sentido do próprio Supremo. Ela citou precedentes do Supremo nesse
sentido, como a Reclamação 6568 e o Mandado de Injunção (MI) 670.
O mesmo entendimento foi manifestado em Plenário pelo
vice-procurador-geral da República. Para ele, algumas atividades
estatais não podem parar, por serem a própria representação do Estado. E
entre essas atividades, se incluem as atividades de segurança pública,
tanto interna quanto externa.
Direito fundamental
O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou no sentido do
desprovimento do recurso do estado. De acordo com o ministro, a
proibição por completo do exercício do direito de greve por parte dos
policiais civis acaba por inviabilizar o gozo de um direito fundamental.
O direito ao exercício de greve, que se estende inclusive aos
servidores públicos, tem assento constitucional e deriva, entre outros,
do direito de liberdade de expressão, de reunião e de associação, frisou
o relator. O direito de greve não é um direito absoluto, mas também não
pode ser inviabilizado por completo, até porque não há, na
Constituição, norma que preveja essa vedação. Para o ministro, até por
conta da essencialidade dos serviços prestados pelos policiais civis, o
direito de greve deve ser submetido a apreciação prévia do Poder
Judiciário, observadas as restrições fixadas pelo STF no julgamento do
MI 670, bem como a vedação do porte de armas, do uso de uniformes,
títulos e emblemas da corporação durante o exercício de greve.
O voto do relator foi acompanhado pela ministra Rosa Weber e pelo
ministro Marco Aurélio, mas seu entendimento ficou vencido no
julgamento.
Carreira diferenciada
O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência em relação ao voto
do relator e se manifestou pelo provimento do recurso. Para o ministro,
existem dispositivos constitucionais que vedam a possiblidade do
exercício do direito de greve por parte de todas as carreiras policiais,
mesmo sem usar a alegada analogia com a Polícia Militar. Segundo o
ministro, a interpretação conjunta dos artigos 9º (parágrafo 1º), 37
(inciso VII) e 144 da Constituição Federal possibilita por si só a
vedação absoluta ao direito de greve pelas carreiras policiais, tidas
como carreiras diferenciadas no entendimento do ministro.
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, tendo como função a
garantia da ordem pública, a carreira policial é o braço armado do
Estado para a garantia da segurança pública, assim como as Forças
Armadas são o braço armado do Estado para garantia da segurança
nacional.
Outro argumento usado pelo ministro para demonstrar como a carreira é
diferenciada, foi o de que a atividade de segurança pública não tem
paralelo na atividade privada. Enquanto existem paralelismos entre as
áreas públicas e privadas nas áreas de saúde e educação, não existe a
segurança pública privada, nos mesmos moldes da segurança estatal, que
dispõe de porte de arma por 24 horas, por exemplo, salientou o ministro.
Para o ministro, não há como se compatibilizar que o braço armado
investigativo do Estado possa exercer o direito de greve, sem colocar em
risco a função precípua do Estado, exercida por esse órgão, juntamente
com outros, para garantia da segurança, da ordem pública e da paz
social.
No confronto entre o direito de greve e o direito da sociedade à
ordem pública e da paz social, no entender do ministro, deve prevalecer o
interesse público e social em relação ao interesse individual de
determinada categoria. E essa prevalência do interesse público e social
sobre o direito individual de uma categoria de servidores públicos
exclui a possibilidade do exercício do direito de greve, que é
plenamente incompatível com a interpretação do texto constitucional.
Acompanharam esse entendimento os ministros Roberto Barroso, Luiz
Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia,
presidente do STF. Para o ministro Barroso, quem porta arma deve se
submeter a regime jurídico diferenciado, não podendo realizar greve.
Contudo, o ministro sugeriu como alternativa que o sindicato possa
acionar o Poder Judiciário para que seja feita mediação, de forma a
garantir que a categoria tenha uma forma de vocalizar suas
reivindicações, nos moldes do artigo 165 do Código de Processo Civil.
O redator para o acórdão será o ministro Alexandre de Moraes.