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(Millôr Fernandes)

sábado, 2 de setembro de 2017

Nota de repúdio às atuais ações do governo federal contra os direitos das pessoas com deficiência

Sábado, 2 de setembro de 2017
A nota foi entregue ontem (1º/9) à Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados e à Ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois.
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NOTA DE REPÚDIO ÀS ATUAIS ÕES DO GOVERNO FEDERAL CONTRA OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA



As entidades, associações, grupos de pesquisa, conselhos de direitos e coletivos nacionais abaixo relacionadas vêm a público manifestar repúdio às recentes ões do Governo Federal que ameaçam os direitos humanos das pessoas com deficiência em todo o país. É uma lista infindável de sérios riscos, de ameaças concretas e passamos aqui a destacar aqueles mais graves.
 
Em 6 de julho de 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei 13.146, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. A LBI, com seus mais de 120 artigos e quase 300 novos dispositivos, avança no processo de implantação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006. Salienta-se que a Convenção tem status de emenda constitucional no Brasil desde 2009 e vem representar um novo capítulo na proteção da dignidade humana das pessoas com deficiência na sociedade brasileira.
A primeira ação do governo provirio de Michel Temer que trouxe sérios impactos para os direitos humanos das pessoas com deficiência foi o estabelecimento do teto dos gastos públicos por 20 anos, com a PEC 55 sancionada em dezembro de 2016. Isso significa que as políticas sociais, instrumento primordial para concretizar direitos e equiparar oportunidades às pessoas com deficiência, não terão mais condições de manutenção e expansão por duas décadas. Os avanços legislativos dos últimos anos, portanto, não encontrao correspondência em condições concretas para se transformar em avanços efetivos na vida da população.
O segundo conjunto de violões aos direitos humanos das pessoas com deficiência  é  a  reforma  da  Previdência  pela  PEC  287/2016  e  a  já  aprovada  e conhecida por reforma trabalhista, que traz alteração, revogação e limitação de vários direitos dessa população. Dentre eles, a limitão da pensão por morte a familiares com  deficiência,  a  restrição  e  desfiguração  da  aposentadoria  da  pessoa  com deficiência da Lei Complementar 142 de 2013, a novas modalidades de terceirização com efeito concreto para o não cumprimento das vagas das cotas para pessoas com deficiência  nas  empresas  com  mais  de  100  trabalhadores, dentre  vários  outros retrocessos.
Além disso, uma das principais novidades da LBI, que diz respeito à forma de avaliar a deficiência para reconhecer direitos à população, encontra-se ameaçada. Durante muito tempo, a caracterização da deficiência se deu apenas com base em critérios médicos, o que restringia o acesso da população às políticas públicas pela visão  estreita  do  que  significava  viver  em  um  corpo  com  limitões.  A  LBI estabeleceu no art. que a avaliação da deficiência precisa, a partir de 2018, ser multiprofissional, interdisciplinar e de forma biopsicossocial, de acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS. No entanto, a regulamentação desse dispositivo pode não ser concretizada.
Em 27 de abril de 2016, foi publicado o Decreto Presidencial sn, criando o Comitê do Cadastro Nacional de Inclusão das Pessoas com Deficiência e do Modelo de Avaliação Unificada da Deficiência. Este Comitê interministerial é o responsável por regulamentar o art. da LBI e também o art. 92 sobre o Cadastro-Inclusão, antigos pleitos das pessoas com deficiência conquistados pela LBI. Desde novembro de  2016,  o  Comitê  se  reúne mensalmente  para  elaborar  as  regulamentões necessárias destes dois dispositivos legais. No entanto, nos últimos dois meses, um conjunto de ões articuladas por alguns grupos de profissionais médicos vem pautando suas reivindicações corporativistas e sendo contrários à regulamentação da avaliação multiprofissional da deficiência em cumprimento à LBI e à Convenção.
Um blog ligado à categoria de médicos peritos da Previdência Social, em publicações nos meses de junho e julho, critica o trabalho do Comitê, classificando-o como ideológico” e esquerdista”, o que não encontra correspondência na realidade pelo  simples  fato  de  o  modelo  biopsicossocial  ser  resultado  de  uma  construção coletiva  internacional de  mais  de  quatro  décadas  de  debate  entre  especialistas  e pessoas com deficiência. As reivindicações da categoria médica chegam ao absurdo de   até   mesmo   pedir  a exoneração  de   técnicos   servidores  públicos federais responsáveis pelo trabalho do Comitê, como do assistente social e doutor Wederson Santos, uma ação truculenta, autoritária e inapropriada que desconsidera o caráter técnico do trabalho e o compromisso dos especialistas nele envolvido, ao mesmo tempo  em  que  ignora  o protagonismo  das  pessoas  com  deficiência  no acompanhamento das políticas públicas.

A avaliação da deficiência não é um ato médico. Pois, os elementos necessários para avaliação, conforme disciplina o art. da Lei 13.146/2015, não tem relação  com  diagnósticos  médicos,  e  sim  com  as  repercussões  verifiveis  em diversos donios da vida, caracterização de barreiras, levando em conta a caracterização da restrição de participação social das pessoas com deficiência e com diferentes funcionalidades, por meio de avaliões feitas por profissionais da área da saúde  capazes  de  operacionalizar  a  CIF,  conforme  princípios  e  conceitos  da Convenção materializados na LBI.
O mesmo blog de peritos médicos comemora, inclusive, reuniões realizadas na Casa Civil em que supostamente acordos foram firmados pelo Governo Federal para  por  fim  ao  trabalho  do Comitê  de  implantar  o  modelo  biopsicossocial de avaliação da deficiência. O blog da perícia médica, atualmente categoria profissional empoderada pelo atual gestão federal, ainda ataca vários profissionais, como os antropólogos, psicopedagogos e vários outros da área da saúde que lidam com a temática  da  deficiência.  Ações  como  estas,  sendo  acatadas  pela  atual  gestão  do governo federal uma vez que exonerações solicitadas já foram realizadas criam um clima de revanchismo de corporações profissionais que não é salutar diante da complexa tarefa de mudar paradigmas sobre compreensões da deficiência em diálogo com os princípios da Convenção e da LBI.
Como se não bastasse todos os absurdos autoritários da atual gestão do Governo Federal, acatando reivindicações da categoria médica que não têm correspondência com a proteção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, o novo Decreto 9.122, de 7 de agosto que criou a estrutura do Ministério dos Direitos Humanos onde encontram-se a Secretaria Nacional de Cidadania, antiga Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
extinguiu a área de coordenação da política de Saúde Mental. Essa coordenação-geral era importanssima para transversalizar a temática da saúde mental e direitos humanos em todo o Executivo Federal para que as ões governamentais visassem o cuidado e a atenção das pessoas com doenças e transtornos mentais na perspectiva da cidadania. O desrespeito com essa população é evidente no atual governo.
As entidades ligadas às pessoas com deficiência, meio acadêmico, os movimentos sociais e toda a sociedade precisam debater, acompanhar e se posicionar frente às atuais ões do Governo Federal, sobretudo, da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos. A SNDPD precisa levar adiante os trabalhos de regulamentação da LBI, não acatando pleitos corporativistas  ou  usando  da  foa legítima  das  nomeações  e  exonerações  do Executivo Federal para silenciar profissionais e especialistas que podem contribuir com a importante tarefa de fazer avançar o cumprimento do que prevê a Convenção. Além disso, os representantes do Comitê do Cadastro-Inclusão e da Avaliação Unificada da Deficiência, bem como o Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a Ministra de Direitos Humanos, precisam se manifestar pública e urgentemente sobre todos estes ataques sofridos pelos direitos das pessoas com deficiência. A nota solicita ainda à Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados intermediação junto aos órgãos centrais do Governo Federal para averiguar todos os apontamentos e graves violões de direitos das pessoas com deficiência aqui citados e que acompanhe de perto os trabalhos da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Brasília (DF), de setembro de 2017.


A nota está assinada por 26 entidades nacionais de/para pessoas com deficiência, coletivos, associões brasileiras, grupos de pesquisa e conselhos de direitos abaixo relacionados, além de subscrita e apoiada por 802 cidadã(o)s de todo o país.  A  nota,  bem  como  as  assinaturas,  estão  disponíveis  no  sítio  eletrônico:



1. Coletivo Nacional de Pesquisadores dos Estudos sobre Deficiência (102 pesquisadores brasileiros)
2. Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB)

3. Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME)

4. Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB)

5. Fórum Nacional dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social

(FNUSUAS)

6. Federação Nacional das Associões Pestalozzi (Fenapestalozzi)

7. Federação Brasileira das Associões de ndrome de Down (FBASD)

8. Conselho Distrital de Promoção e Defesa de Direitos Humanos

9. Instituto EcoVida
10. Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente (Rede MVI-Brasil)

11. Fórum Permanente de Educação Inclusiva

12. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos

Direitos dos Idosos e das Pessoas com Deficiência (AMPID)

13.  Comitê  Brasileiro  das  Organizões  Representativas  da  Pessoa  com

Deficiência (CRPD)

14. Associação Brasileira de Surdos Oralizados (ABRASSOBR)

15. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)

16. cleo de Informão, Políticas Públicas e Inclusão Social da FIOCRUZ (NIPPIS)
17. Grupo de Pesquisa Deficiência, Direitos e Políticas’ da UnB

18. Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência de Funciorios do Banco do Brasil e da Comunidade (APABB)
19. Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo

(ABRAÇA)

20. Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE)

21.    Associação    de    Educação,    Cultura,    Cidadania,    Oportunidade   e

Solidariedade (Associação ECCOS)

22. Associação Brasileira de Autismo (ABRA)

23. Movimento Down

24.  INCLUSIVE   Inclusão  e  Cidadania  (Agência  para  Promoção  da

Inclusão)

25. GADIM Brasil

26. Instituto Meta Social



Cidadã(o)s: [veja a relação em
https://www.abaixoassinado.org/admins/abaixoassinado/37249]