Quinta, 5 de outubro de 2017
Do TJDF
A 1ª Turma Criminal do TJDFT concedeu salvo conduto
autorizando uma família de Brasília a cultivar cannabis cativa e índica
para fins terapêuticos da filha adolescente que é portadora da Síndrome
de Silver-Russel. A decisão vale somente para o tratamento da
adolescente e a família deverá entregar relatório periódico sobre o
cultivo, extração e utilização das substâncias CBD e THC para o delegado
titular da 9ª Delegacia de Polícia, que será responsável por fiscalizar
o cumprimento das condições impostas pela Justiça.
O pedido de salvo conduto ajuizado pelos autores tem como autoridades
coatoras o Diretor da Polícia Civil do Distrito Federal e o
Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal e tinha sido
negado em 1ª Instância pela 4ª Vara de Entorpecentes do DF.
Em recurso, a família informou que obteve autorização da ANVISA para
importar as substâncias, porém a decisão não surtiu efeito prático, já
que envolve procedimento burocrático e caro. Afirmaram que a patologia
da jovem requer uso ininterrupto e célere de medicamento à base de CBD e
THC, que propiciou sensível melhora nas condições de vida da paciente,
que, em momentos de crise, chegou a sofrer noventa convulsões por dia.
Por conta dessas dificuldades, passaram a cultivar a planta de forma
ilícita. O pedido de salvo conduto tem por objetivo justamente
salvaguardar a família contra ação das autoridades policiais.
O relator votou a favor da concessão da medida. Segundo o
desembargador, “o direito à saúde seria posto em xeque se o pedido
fosse negado, já que o Estado ainda não oferece os recursos necessários
para assegurar uma vida digna e feliz à adolescente, tendo-se à
disposição uma medida de profilaxia de efeito rápido e eficaz, de baixo
custo financeiro e fácil manuseio, utilizada por tantos pacientes, aqui e
alhures. É claro que a situação não é ideal, pois ainda são necessários
estudos mais detalhados sobre os efeitos colaterais do CBD e do THC no
Brasil, bem como acerca do manuseio de insumos extraídos da Cannabis,
a sua conservação, o descarte de resíduos, dentre outros. Mas não se
pode aguardar de modo indefinido que a ANVISA avance na regulamentação
do tema, mediante ações do Ministério Público Federal ou de associações.
Uma mãe que assiste a noventa convulsões diárias da filha adolescente
com dezessete anos não sabe o que é paciência; não lida com
procedimentos estatais burocráticos ou com "meiassoluções". Enxerga
apenas uma única medida que "funciona" de fato, que é natural, que já é
admitida em outros países e que está dentro do seu poder de ação”.
Os demais desembargadores da Turma Criminal também votaram no mesmo
sentido, concluindo: “Dá-se parcial provimento ao recurso em sentido
estrito para conceder salvo-condutos em favor das partes e, de ofício,
também à irmã da paciente, a fim de lhes assegurar que não sejam presos
em flagrante por integrantes da Polícia Civil ou Militar do Distrito
Federal em razão do cultivo de cannabis sativa e índica em sua
residência, localizada nesta capital, para fins exclusivos de extração
dos insumos necessários ao tratamento da jovem aqui representada”.
A autorização para o cultivo da cannabis possui condições específicas:
- qualquer produto do cultivo, semente ou parte das plantas, bem como
restos inutilizados NÃO poderão ser vendidos ou fornecidos a outras
pessoas, mesmo graciosamente ou ainda que tenham pessoas da família
portadoras de condições semelhantes à da adolescente;
- os restos não utilizados devem ser utilizados apenas como adubo, e não descartados com o lixo comum;
- os pacientes NÃO são autorizados a adquirir novas sementes;
- os pacientes devem entrar em contato com a ABRACE - Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança, para que sejam instruídos quanto ao manejo adequado da Cannabis, considerando que a entidade já foi autorizada a realizar cultivo e manipulação da planta no Estado da Paraíba;
- Os responsáveis pela adolescente deverão elaborar relatórios
mensais e entregá-los ao delegado titular da 9ª DP, prestando
informações sobre quantidade de sementes, mudas, espécie, fases de
desenvolvimento, extração no período, quantidade de óleo extraída e
discriminação do descarte feito.
Quaisquer irregularidades deverão ser reportadas pelo delegado ao juízo da 4ª Vara de Entorpecentes do DF.