Salin Siddartha

De fato, já se verifica um risco de conflito armado com a
Venezuela, o qual pode evoluir por etapas ou acontecer, simultaneamente, em
táticas híbridas de combate. Em princípio, um possível boicote nas exportações brasileiras
de alimentos pode acarretar um maior surto de fome naquele país sem que seja
necessária uma intervenção de nossas tropas, embora não possam ser descartadas
ações de guerrilha muito localizadas e pontuais, com sabotagens fisicamente
destrutivas, realizadas por intermédio de aplicações de forças de operações
especiais.
É triste atestar que, apesar de nossa relação comercial
com a Venezuela ainda apresentar um superávit de mais de meio bilhão de
dólares, nosso comércio bilateral já foi muito mais lucrativo antes de Michel
Temer embarcar no apartheid
ideológico imposto pelo mercado financeiro internacional à Venezuela. Até 2015,
tínhamos um lucro comercial anual de 5 bilhões de dólares em uma balança de
pagamentos que envolvia um pouco mais de 6 bilhões de dólares. Essa queda
acontece em troca de uma substituição de parceria comercial com os Estados
Unidos, altamente deficitária para nossa economia. Em suma, estamos perdendo
divisas em prol de um posicionamento ideológico que não só não enche a barriga
do brasileiro, mas também esvazia o estômago de nossos irmãos venezuelanos. Em
caso de um boicote mais severo de nossa parte, ainda azedaremos um prejuízo
historicamente sem par proporcional, mesmo que, na atualidade nosso lucro
comercial ainda seja menor do que antes era.
Destarte, adversamente ao que se possa esperar, os
venezuelanos são vistos pela espionagem dos Estados Unidos como um povo difícil
de submeter-se a uma rendição, visto que já demonstraram historicamente um
aguerrido espírito de luta e se encontram belicamente mais bem municiados do
que nós brasileiros. Acrescente-se que o nacionalismo chavista impregnou, nas
forças armadas deles e naquela população, um sentimento antiestadunidense tão
forte, que agrupa recursos de heroísmo suficientes para desencorajar ataques
que possam vir a ser bem sucedidos no interior daquele território.
Encarado por outro aspecto, o claudicante assessoramento
prestado por extremistas de direita a Donnald Trump faz com que o Presidente
norte-americano trilhe, muitas vezes, por um terreno desconhecido e
aventureiro, ao qual empresta uma visão patologicamente preconceituosa e
racista em relação aos latino-americanos.
O equívoco de
análise e assessoramento à Casa Branca dos serviços de previsão de confronto da
sessão para a América do Sul talvez não tenham dimensionado a contento que, se
os Estados Unidos impuserem uma guerra à Venezuela, é certo que China e Rússia
se envolverão diretamente ou indiretamente e, na última hipótese, fornecerão
financiamento, armas, treinamento, tecnologia militar e apoio logístico ao
Governo de Maduro. É que a China possui interesses comuns com o regime
bolivariano, o que acarretará a ingerência dela e, provavelmente, da Rússia em
proteção aos seus negócios naquela nação. Seria uma reação de defesa para com
seus aliados no Continente.
Não encontraria facilidade para ser concretizada qualquer
atitude belicosa do Brasil á Venezuela, por mais que seja instada por categórico
apoio de Donnald Trump. Ainda que uma invasão protagonizada pelas Forças
Armadas brasileiras na Venezuela venha a ser bem sucedida, seu epílogo seria
demasiadamente demorado, dadas as condições no cenário de combate no país
vizinho.
Tudo se daria em um teatro de incursões tão sacrificante,
que a vitória de Pirro se corporificaria em perdas lamentáveis para um país
como o Brasil, de tão grande vulto e compostura mundial. O prejuízo a amargar
seria deveras destrutivo em todos os sentidos. E tudo sairia a um preço
econômico, político e social muito caro e perigoso para as consequências
nacionais de nossa própria independência. (Pior ainda: tudo pretextado a título
de uma patriotada que servisse para justificar nosso compromisso com os
princípios defendidos pelos EUA neste
hemisfério.)
De mais a mais, qualquer reação carreada para esse
objetivo terá de acarretar o fechamento da fronteira de Roraima com a
Venezuela; nesta hipótese, aquele Estado brasileiro passaria por sérios
problemas advindos das relações ilícitas praticadas promiscuamente entre
autoridades políticas brasileiras, militares, empresários, contrabandistas,
traficantes, chineses e venezuelanos. É que Roraima está mergulhada em uma das
mais densas gosmas fétidas produzidas pela corrupção neste quadrante da
América. Por si só, isso torna muito difícil uma invasão com tropas brasileiras
à Venezuela, que detém os cordões titiriteiros capazes de manipular, com certa
mestria, os papéis a serem jogados por meio de escandalosa chantagem de repercussão
internacional suficiente para comprometer nossa Nova República quase que por
inteira.
Atente-se do mesmo modo que metade da energia elétrica
consumida em Roraima é produzida na Venezuela e que os 50% restantes custam 5
vezes mais caro do que aquele Estado brasileiro paga para ser suprido pela
energia elétrica fornecida a nós pelos venezuelanos. No caso de uma guerra,
ficaríamos, de imediato, sem abastecimento de energia, o que inviabilizaria a
própria incursão de nossos combatentes àquele país. Outrossim, metade de
Roraima depende do contrabando de ouro, diamante, gasolina e diesel da
Venezuela, afora a venda de produtos de primeira necessidade para a máfia dos
chineses e militares brasileiros que contrabandeiam para a Venezuela. São
pessoas de ambos os países que enriqueceram em torno de 3 mil vezes nestes
últimos 3 anos (elas não vão querer largar essa situação privilegiada tão
facilmente – Roraima perderia muito mais que a Venezuela).
Igualmente nesse contexto, a Venezuela não está sozinha.
Ela tem, hoje, 15 nações e povos indígenas parentes habitando na Amazônia
roraimense. São gentes detentoras de dupla nacionalidade emparedadas naquela
região. Ademais, encontram-se quase 2 vezes mais brasileiros vivendo na
Venezuela do que venezuelanos vivendo no Brasil, mesmo na conjuntura migratória
por que passa a Venezuela nos últimos 3 anos. Segundo o Relatório Internacional
de Migração, divulgado pelo Departamento das Nações Unidas para Assuntos
Econômicos e Sociais (DECA). Os dados oficiais apontam 6.119 imigrantes do
Brasil vivendo naquela nação (brasileiros que lá têm vida estabelecida e moram
com suas famílias, ou sobrevivem do garimpo naquelas terras), enquanto o número
de venezuelanos vivendo no Brasil é de 3.515 pessoas. Isso levando-se em conta
que o número de venezuelanos que migraram para nosso país aumentou cerca de mil
por cento durante este período levantino de três anos. Os dados informam também
que apenas 53,2% daqueles nossos vizinhos que cruzam a fronteira em Roraima se
instalam aqui, os restantes 46.8% se destinam a outros países, onde se fixam.
Portanto, por mais que Washington conclame Jair Bolsonaro
a uma operação armada para derrubar o governo de inspiração chavista, a
estultícia de um presidente brasileiro desavisado esbarraria no capacitado preparo
do Alto Comando das Forças Armadas do Brasil. Elas sabem avaliar riscos e o
fazem preventivamente com um sistema de informação e inteligência quase
impecável. É um exercício a que nossos militares se dedicam diuturna e
cotidianamente, e com muito brio.
Cruzeiro-DF, 21 de janeiro de 2019
SALIN SIDDARTHA