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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O risco de um conflito bélico com a Venezuela

Segunda, 21 de janeiro de 2019

Por 
Salin Siddartha
Neste momento, o Brasil tende a atuar como um agente de confronto aos governos latino-americanos que se opõem aos Estados Unidos da América. As visitas de John Bolton, Mike Pompeu e Mauricio Macri ao nosso país se traduzem como ordem expressa de Washington no sentido de conclamar o Presidente da República Jair Bolsonaro a aliar-se com a Colômbia, Argentina e demais governos de direita da América Latina para derrubar Nicolas Maduro e desestabilizar Cuba e Nicarágua, com um enfrentamento agressivo ao que estes dois países representam na configuração geopolítica atual.

De fato, já se verifica um risco de conflito armado com a Venezuela, o qual pode evoluir por etapas ou acontecer, simultaneamente, em táticas híbridas de combate. Em princípio, um possível boicote nas exportações brasileiras de alimentos pode acarretar um maior surto de fome naquele país sem que seja necessária uma intervenção de nossas tropas, embora não possam ser descartadas ações de guerrilha muito localizadas e pontuais, com sabotagens fisicamente destrutivas, realizadas por intermédio de aplicações de forças de operações especiais.

É triste atestar que, apesar de nossa relação comercial com a Venezuela ainda apresentar um superávit de mais de meio bilhão de dólares, nosso comércio bilateral já foi muito mais lucrativo antes de Michel Temer embarcar no apartheid ideológico imposto pelo mercado financeiro internacional à Venezuela. Até 2015, tínhamos um lucro comercial anual de 5 bilhões de dólares em uma balança de pagamentos que envolvia um pouco mais de 6 bilhões de dólares. Essa queda acontece em troca de uma substituição de parceria comercial com os Estados Unidos, altamente deficitária para nossa economia. Em suma, estamos perdendo divisas em prol de um posicionamento ideológico que não só não enche a barriga do brasileiro, mas também esvazia o estômago de nossos irmãos venezuelanos. Em caso de um boicote mais severo de nossa parte, ainda azedaremos um prejuízo historicamente sem par proporcional, mesmo que, na atualidade nosso lucro comercial ainda seja menor do que antes era.

Destarte, adversamente ao que se possa esperar, os venezuelanos são vistos pela espionagem dos Estados Unidos como um povo difícil de submeter-se a uma rendição, visto que já demonstraram historicamente um aguerrido espírito de luta e se encontram belicamente mais bem municiados do que nós brasileiros. Acrescente-se que o nacionalismo chavista impregnou, nas forças armadas deles e naquela população, um sentimento antiestadunidense tão forte, que agrupa recursos de heroísmo suficientes para desencorajar ataques que possam vir a ser bem sucedidos no interior daquele território.

Encarado por outro aspecto, o claudicante assessoramento prestado por extremistas de direita a Donnald Trump faz com que o Presidente norte-americano trilhe, muitas vezes, por um terreno desconhecido e aventureiro, ao qual empresta uma visão patologicamente preconceituosa e racista em relação aos latino-americanos.

  O equívoco de análise e assessoramento à Casa Branca dos serviços de previsão de confronto da sessão para a América do Sul talvez não tenham dimensionado a contento que, se os Estados Unidos impuserem uma guerra à Venezuela, é certo que China e Rússia se envolverão diretamente ou indiretamente e, na última hipótese, fornecerão financiamento, armas, treinamento, tecnologia militar e apoio logístico ao Governo de Maduro. É que a China possui interesses comuns com o regime bolivariano, o que acarretará a ingerência dela e, provavelmente, da Rússia em proteção aos seus negócios naquela nação. Seria uma reação de defesa para com seus aliados no Continente.

Não encontraria facilidade para ser concretizada qualquer atitude belicosa do Brasil á Venezuela, por mais que seja instada por categórico apoio de Donnald Trump. Ainda que uma invasão protagonizada pelas Forças Armadas brasileiras na Venezuela venha a ser bem sucedida, seu epílogo seria demasiadamente demorado, dadas as condições no cenário de combate no país vizinho.

Tudo se daria em um teatro de incursões tão sacrificante, que a vitória de Pirro se corporificaria em perdas lamentáveis para um país como o Brasil, de tão grande vulto e compostura mundial. O prejuízo a amargar seria deveras destrutivo em todos os sentidos. E tudo sairia a um preço econômico, político e social muito caro e perigoso para as consequências nacionais de nossa própria independência. (Pior ainda: tudo pretextado a título de uma patriotada que servisse para justificar nosso compromisso com os princípios defendidos pelos EUA  neste hemisfério.)

De mais a mais, qualquer reação carreada para esse objetivo terá de acarretar o fechamento da fronteira de Roraima com a Venezuela; nesta hipótese, aquele Estado brasileiro passaria por sérios problemas advindos das relações ilícitas praticadas promiscuamente entre autoridades políticas brasileiras, militares, empresários, contrabandistas, traficantes, chineses e venezuelanos. É que Roraima está mergulhada em uma das mais densas gosmas fétidas produzidas pela corrupção neste quadrante da América. Por si só, isso torna muito difícil uma invasão com tropas brasileiras à Venezuela, que detém os cordões titiriteiros capazes de manipular, com certa mestria, os papéis a serem jogados por meio de escandalosa chantagem de repercussão internacional suficiente para comprometer nossa Nova República quase que por inteira.

Atente-se do mesmo modo que metade da energia elétrica consumida em Roraima é produzida na Venezuela e que os 50% restantes custam 5 vezes mais caro do que aquele Estado brasileiro paga para ser suprido pela energia elétrica fornecida a nós pelos venezuelanos. No caso de uma guerra, ficaríamos, de imediato, sem abastecimento de energia, o que inviabilizaria a própria incursão de nossos combatentes àquele país. Outrossim, metade de Roraima depende do contrabando de ouro, diamante, gasolina e diesel da Venezuela, afora a venda de produtos de primeira necessidade para a máfia dos chineses e militares brasileiros que contrabandeiam para a Venezuela. São pessoas de ambos os países que enriqueceram em torno de 3 mil vezes nestes últimos 3 anos (elas não vão querer largar essa situação privilegiada tão facilmente – Roraima perderia muito mais que a Venezuela).

Igualmente nesse contexto, a Venezuela não está sozinha. Ela tem, hoje, 15 nações e povos indígenas parentes habitando na Amazônia roraimense. São gentes detentoras de dupla nacionalidade emparedadas naquela região. Ademais, encontram-se quase 2 vezes mais brasileiros vivendo na Venezuela do que venezuelanos vivendo no Brasil, mesmo na conjuntura migratória por que passa a Venezuela nos últimos 3 anos. Segundo o Relatório Internacional de Migração, divulgado pelo Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais (DECA). Os dados oficiais apontam 6.119 imigrantes do Brasil vivendo naquela nação (brasileiros que lá têm vida estabelecida e moram com suas famílias, ou sobrevivem do garimpo naquelas terras), enquanto o número de venezuelanos vivendo no Brasil é de 3.515 pessoas. Isso levando-se em conta que o número de venezuelanos que migraram para nosso país aumentou cerca de mil por cento durante este período levantino de três anos. Os dados informam também que apenas 53,2% daqueles nossos vizinhos que cruzam a fronteira em Roraima se instalam aqui, os restantes 46.8% se destinam a outros países, onde se fixam.

Portanto, por mais que Washington conclame Jair Bolsonaro a uma operação armada para derrubar o governo de inspiração chavista, a estultícia de um presidente brasileiro desavisado esbarraria no capacitado preparo do Alto Comando das Forças Armadas do Brasil. Elas sabem avaliar riscos e o fazem preventivamente com um sistema de informação e inteligência quase impecável. É um exercício a que nossos militares se dedicam diuturna e cotidianamente, e com muito brio.

Cruzeiro-DF, 21 de janeiro de 2019

SALIN SIDDARTHA