Domingo, 24 de fevereiro de 2019
Do resistir.info
por Rémy Herrera
Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2019 foi, em França, uma jornada de greve geral e de manifestações. O apelo foi lançado a nível nacional pela CGT (Confederação Geral do Trabalho) e por numerosas secções de outros sindicatos (Solidários, Força Operária, sindicatos liceais…) e ainda pelos líderes dos coletes amarelos. Um deles, Maxime Nicolle, declarou: " É necessário que todas as pessoas que apoiam este movimento [dos coletes amarelos] façam greve, porque a única coisa que fará ceder o governo, sem violência, é tocar no aparelho económico ". Vários dirigentes de partidos políticos (do Novo Partido Anticapitalista, da França Insubmissa, do Partido Comunista Francês…) também já aderiram à greve. Travada pelos trabalhadores dos setores privados e públicos, com reivindicações de aumento dos salários e dos mínimos sociais, para uma profunda reforma da fiscalidade face à urgência social e pela defesa das liberdades públicas, esta greve intersindical e interprofissional foi um êxito. Reuniu, segundo a estimativa da CGT, perto de 300 mil manifestantes em cerca de 200 cidades do país. Além disso, concretizou – pela primeira vez, "oficialmente", por fim! – uma convergência das lutas sindicais e das dos coletes amarelos. Mas osmedia dominantes fizeram o necessário – têm os meios para isso – para que este êxito passasse quase despercebido do grande público.
No sábado seguinte, a 9 de fevereiro, realizou-se o "Ato 13" dos coletes amarelos: 51 400 pessoas (segundo afirma a polícia) ou… mais do dobro (de acordo com os organizadores) desfilaram um pouco por toda a França. Embora a grande maioria dos participantes nesta nova mobilização se tenha manifestado pacificamente – reclamando, de passagem, a demissão do presidente Emmanuel Macron –, algumas concentrações degeneraram, nomeadamente em diversos pontos da capital: recontros com as forças da ordem, montras de lojas e vitrinas de bancos partidas, mobiliário urbano e carros incendiados… No entanto, no dia 9, à noite, nenhuma resposta política ou social a esta crise foi considerada pelo poder. A "estratégia" deste? Sempre a mesma, como desde o início da mobilização dos coletes amarelos em meados de novembro, ou seja, a deterioração: reprimir brutalmente os coletes amarelos, deixá-los esgotarem-se, dividi-los ao máximo, desacreditá-los, acusá-los de todos os males, insultá-los, atiçar o medo e o ódio, esperar uma reviravolta da opinião pública. Mas, sobretudo, não ceder em nada aos contestatários e fingir não compreender que a ordem instituída desta sociedade de desigualdades e de injustiças provoca náuseas e é insustentável.
Os donos dos media em França.Porque a mensagem disseminada pelos media é que esta mobilização apodrece. De há três meses a esta parte, uns 60 parlamentares da maioria presidencial mencionaram ter recebido ameaças anónimas, de diversa natureza, e por diversos meios, e foram registados mais de 80 estragos em instalações políticas ou em domicílios pessoais de eleitos de A República em Marcha. Por exemplo, as portas de entrada ou da garagem de casas de eleitos foram muradas à pressa, durante a noite; insultos pintados nas fachadas… No decurso dos últimos anos, já tinham sido observadas uma serie de ações de incivilidade deste género, visando outros responsáveis políticos (de maiorias anteriores). Há cinco anos, aquando duma manifestação de agricultores em Champagne, uma máquina agrícola arremessou estrume – no meio da risota geral – contra o frontão duma prefeitura (que atingiu o interior dos gabinetes); lançaram-se ratazanas como forma de protesto nos edifícios oficiais em Haute-Garonne; na região Pays de la Loire, tratores despejaram estrume – em quantidades abundantes – nos jardins da residência de um ministro (socialista) da Agricultura, etc. Mas, atualmente, a tensão parece aumentar de nível. Há uns dias, indivíduos tentaram incendiar um dos domicílios de Richard Ferrand, presidente da Assembleia Nacional – e antigo membro da ala esquerda do Partido Socialista, e depois secretário-geral do partido do presidente Emmanuel Macron, A República em Marcha…
É neste contexto pernicioso que, no próprio dia da greve geral de 5 de fevereiro, foi aprovada na Assembleia Nacional uma "lei anti vândalos". Um facto novo – desde há 18 meses – uns 50 deputados do grupo de Macron recusaram-se a votar essa proposta de lei desejada pelo governo. Isso não chegou para rejeitar o texto, mas revela o mal-estar que percorre as fileiras da maioria presidencial – tanto mais que o aviso prévio emitido pelo Conselho de Estado, em oposição a uma lei que (segundo ele) contém um atentado às liberdades públicas, foi ignorado pelo Parlamento. Este novo dispositivo jurídico – que será examinado pelo Senado a 12 de março próximo – constitui, obviamente, mais uma viragem na espiral da repressão. A partir de agora, no bem-aventurado reino da França, uma pessoa poderá ser proibida de se manifestar – não por ser condenada pela justiça (isto é, depois de ter praticado um delito), mas – de forma antecipada, por via de uma interdição administrativa decidida por um prefeito, por outras palavras, pelo representante do poder político nas comunidades territoriais. Isto, com base na simples suspeita (documentada pelas fichas dos serviços de informações gerais). Institui-se assim um "foco individual" dos manifestantes supostamente perigosos!
Manifestação em Dusseldorf.O apelo da base de Emmanuel Macron às franjas mais direitistas e reacionárias do seu eleitorado, ansiosas por verem restabelecida a ordem pública o mais depressa possível, é grosseiro. Subitamente, regressámos a uma época anterior a 1968, quando o regime do general de Gaulle suspendeu o direito de manifestação durante a guerra da Argélia (a partir de 1958 e até ao 1.º de maio de 1968). Claro, a lei anti vândalos ainda não está em vigor e tem de esperar que o Senado se pronuncie. Mas, para já, levantaram-se vozes cada vez mais fortes, nas redes sociais, indignadas por não terem sido imediatamente acusados os indivíduos que fizeram estragos, identificados e seguidos pelas forças da ordem, durante todo o dia (como o que incendiou vários veículos a 9 de fevereiro, um deles do plano Vigipirate). Observadores fazem notar – aquilo que toda a gente já sabe há décadas – que bastava que policias se infiltrassem ocasionalmente nos desfiles, para "ajudar" os vândalos a cumprir a sua tarefa – e desacreditar assim os movimentos sociais… Aliás, Daniel Cohn-Bendit, especialista nesta área – do vandalismo (em maio de 1968) e da colaboração com o poder (desde essa altura) – já o reconheceu, sorridente…
Enquanto espera, a repressão policial vai de vento em popa. Como todos os sábados, desde há 14 semanas. Uma sessão de arremesso manual de granadas de dispersão até foi transmitida em direto nos canais de (des)informação, em contínuo, a 9 de fevereiro. Enquanto um grupo de coletes amarelos tentava visivelmente furar a paliçada instalada em frente da Assembleia Nacional, um fotógrafo ficou sem um braço perante o olhar horrorizado de milhões de telespetadores! Os quais viram, em horário nobre, como recompensa pela sua fidelidade, um oficial superior, de serviço diante da câmara dos deputados, receber um pontapé na cara de um dos manifestantes empoleirado nas grades do edifício… Um choque para os partidários da mudança e para os partidários da ordem! Uns dias depois, saiu o veredito para o boxeur do CRS, Christophe Dettinger: um ano de prisão! A 15 de fevereiro, Éric Drouet, figura popular dos coletes amarelos, compareceu também perante um tribunal para responder à acusação de "organização de manifestação não declarada" … O problema é que a maior parte dos líderes dos coletes amarelos já não querem declarar na prefeitura estas manifestações, exatamente por causa dos excessos (espontâneos ou, mais frequentemente, causados ou provocados pelas forças da ordem) que os fazem incorrer no risco de processos judiciais. Outro líder dos coletes amarelos, Jérôme Rodrigues, divulgou que tinha perdido um olho, depois de ter sido atingido por uma bala de Flash-Ball na cabeça. Entretanto, os membros da direção do partido França Insubmissa (entre outros) foram sujeitos a buscas em casa, uns atrás dos outros.
No entanto, a violência não é só na rua. Longe disso. Está em todos os canais de televisão, na boca de especialistas de segurança – ou melhor, de denúncia! – apoiados por alguns universitários guedelhudos, com ar de 68, que vêm esclarecer os telespetadores e, com eles, as informações gerais, dedicando-se a um exercício de denúncia em direto de diversos manifestantes: "reparem, há ali uma bandeira com a foice e o martelo!" ou "ali, é a CGT, há bocado vi os sinais de reconhecimento deles!" ou "aqueles são maoístas, de acordo com os estandartes!"… Sim, isto começa realmente a cheirar muito mal na macronia… A violência está nas propostas cheias de ódio de um Luc Ferry, professor de filosofia e ex-ministro da Educação nacional (de Jacques Chirac), vomitando numa emissão de rádio (na Radio Classique, a 7 de janeiro) que as forças da ordem deviam ser autorizadas a usar armas (as letais!) contra os rebeldes contestatários. E de repetir isso, um pouco mais calmamente, uns dias depois, sem recear qualquer sanção, numa outra emissão, desta vez televisiva (no LCI a 3 de fevereiro), queixando-se de que, nos belos bairros de Paris (entre os quais o dele), "é pavoroso o que se passa!". Porque, a partir de agora, é preciso dizer: "atacar Macron, é atacar a França!". Sem comentários dos jornalistas!
A violência, encontramo-la oculta no comportamento de um presidente da República que continua a afirmar que não recuará, que"não mexerá um dedo", que "não mudará de rumo", no preciso momento em que lança o seu "Grande Debate". O qual se resume, no fundo, a uma sobre-exposição mediática da sua divina pessoa para começar, de modo indireto (e às custas dos contribuintes), a campanha das eleições europeias em maio próximo. Está no encorajamento dos seus partidários que proclamam alto e bom som que "o presidente ainda não fez nada", que "as grandes reformas do quinquénio ainda estão para vir". Está nas zonas do não-direito no topo do Estado, reveladas pelos meandros do caso Benalla – segundo o nome daquela antiga guarda de segurança do presidente que se julgava acima das leis (por estar coberto pelo seu poderoso protetor) e que a justiça demorou cerca de 10 meses para o deter – e nos seus múltiplos efeitos: a demissão do conselheiro especial mais próximo de Emmanuel Macron, Ismaël Emelien, citado no mesmo caso (por ter sido possivelmente o beneficiário de documentos ilegais); a mutação da chefe do grupo de segurança do primeiro-ministro (para proteger o cônjuge, possivelmente envolvido num contrato feito entre relações de negócios de Benalla e um oligarca russo); mais um recente relatório esmagador do Senado sobre as anomalias dos serviços do Eliseu; e muitas outras zonas de sombra (um cofre-forte desaparecido misteriosamente no domicílio de Benalla, passaportes diplomáticos que este não restituiu, comissões suculentas recebidas por contratos de proteção privada…). Estejam tranquilos: os dois pobres cristãos espezinhados por Alexandre Benalla, no 1.º de maio de 2018 na praça da Contrescarpe em Paris, foram julgados e condenados (em 500 euros de multa!) – por terem atirado contra polícias, respetivamente, um cinzeiro e um cântaro… A violência está neste espetáculo duma justiça a duas velocidades, imposta por um poder desastroso e por todo um regime em decadência… Para quando a verdadeira democracia em França?
A violência ainda, na continuação da destruição da França que está a ser implementada lentamente: um Parlamento que autoriza a aceleração da privatização dos setores da energia (quando camaradas ocupam centrais ou reabrem agências de acolhimento fechadas ao público); um ministro da Educação na iniciativa duma lei que exige às comunas que financiem ainda mais o ensino privado a partir do pré-escolar, ou de um texto que aumenta os custos de inscrição dos estudantes estrangeiros na universidade (e os professores fazem greve)… Felizmente, a França ainda mantém a venda de armas! Por azar, os submarinos que lhe acaba de comprar a Austrália (cujo orçamento militar está contabilisticamente integrado no dispositivo global de defesa dos Estados Unidos) não serão fabricados em França, mas… a 16 mil km de distância: em Adelaide, na Austrália Meridional! Para que serve então o material militar francês adquirido pela Arábia Saudita e pelos emirados do Golfo, senão para esmagar as populações vietnamitas! Mas, quanto ao respeito pelos direitos do Homem, nem pensar. É esta a moral da macronia!
"O Grande Debate é na rua!", dizia um cartaz da manifestação de 16 de fevereiro passado. A convergência das lutas dos sindicatos e dos coletes amarelos é necessária, mais do que nunca. Desde o mês de novembro, estão ao lado dos coletes amarelos grandes faixas das bases sindicais, nas mobilizações de sábado, nas rotundas nos dias de semana, ou nas empresas. Os dirigentes sindicais, reticentes durante muito tempo, juntaram-se-lhes finalmente. Ou foram obrigados a fazê-lo, a partir de 5 de fevereiro passado, precisamente por pressão das bases militantes. Isso demorou tempo. Este esforço de convergência é louvável, evidentemente, mas ainda é insuficiente. A próxima greve geral e nacional, uma ocasião para uma nova mobilização conjunta de sindicatos e coletes amarelos, está anunciada pela CGT para 19 de março. É demasiado longe, quando tantos camaradas lutam diariamente, por todo o lado. Tanto mais que os expurgos estão a acelerar (porque não dizê-lo?) na pirâmide do poder no seio dos sindicatos, para afastar os elementos mais contestatários, mais rebeldes e mais motivados para alargar e aprofundar as lutas. Será necessário apressar o passo, redobrar de energia, convencer sempre mais camaradas a entrar na batalha. Será necessário fazer vencer a lógica da greve. E fazer recuar a arrogância desta direita que se diverte dizendo que "em França, a revolução é ao sábado e suspende-se no domingo de manhã". Os coletes amarelos mostram o caminho: apelam à manifestação também ao domingo! Neste momento histórico tão especial, devemos medir a importância do que se passa nesta hora em França no arsenal repressivo sem precedentes que ali está instalado para tentar deter a revolta popular que aumenta. A repressão brutal, com efeito, é o reflexo, não tanto duma contra-ofensiva da burguesia, mas de um medo que a invade e de uma interrupção do seu projeto destruidor sob o impulso dum povo em luta.
23/Fevereiro/2019
Tradução de Margarida Ferreira.
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