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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas

Terça, 19 de fevereiro de 2019
Por
Pedro Augusto Pinho
Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas - 1ª Parte: Introdução e Considerações elementares de fundo

Todos sabemos que a maior fonte de corrupção no mundo contemporâneo é a banca, o sistema financeiro, também conhecido por mercado.

É contra este sistema pernicioso, que extingue empregos e direitos, que escraviza milhões de pessoas, que aparelha Estados e compra consciências, que Papa Francisco, em 6 de janeiro de 2018, aprovou o documento “Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro” (“Considerações”).

Em três artigos, com alguns comentários meus, selecionei os trechos que julguei mais significativos do documento pontifício. Ao fim de cada transcrição coloco o subtítulo e o número do parágrafo.

Antes de analisar este documento da Igreja Católica, façamos breve reflexão sobre as Igrejas Neopentecostais que surgem como mato, especialmente na América Latina e na África.

Muitos países já as expulsaram de seus territórios, outros, como Angola, proibiram a coleta de donativos e pagamentos por atividades religiosas. Isto pela suspeita de uns, comprovações de outros, que estas igrejas atuam na lavagem de dinheiro, especialmente dos tráficos de drogas e de pessoas e da corrupção pública. Uma das atingidas é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que no Brasil tem um partido político, o Partido Republicano Brasileiro (PRB).

Entenda, caro leitor, as igrejas recebem doações, auxílios sem recibos, ofertas monetárias pela celebração de atos religiosos, de sorte que dispõem, sem qualquer controle ou pagamento de impostos, de valores significativos. É um dinheiro que servirá para qualquer ação, inclusive para a lavagem dos ganhos ilícitos e o fausto em que vivem alguns de seus fundadores e Bispos.

Papa Francisco se insurge contra esta situação como verificaremos na leitura do documento citado.

“As temáticas econômicas e financeiras, nunca como hoje, atraem a nossa atenção, pelo motivo da crescente influência exercitada pelo mercado em relação ao bem-estar material de boa parte da humanidade. Isto requer, de uma parte, uma adequada regulação de suas dinâmicas, e de outra, uma clara fundamentação ética, que assegure ao bem-estar conseguido uma qualidade humana das relações que os mecanismos econômicos, sozinhos, não podem produzir” (I. Introdução 1, nas “Considerações”).

Alguns pensamentos ligam a banca ao marxismo. A ideia de uma ideologia global e a ênfase na questão econômica; no caso da banca, mais tributária. Também a força do dinheiro concentra poder numa única classe - dos multibilionários - e promove a ditadura financeira. E, como num jogo de máscaras, se apresenta de modos diferentes, sem qualquer laivo ético, sem qualquer respeito ao humano.

As desregulações são a certidão de nascimento da banca. Sugiro a leitura de artigo competente e completo sobre a questão da banca no Brasil, publicado em 08/02/2019, no site Duplo Expresso (Os novos escravos do ganho - https://duploexpresso.com/?p=102808).

Continuemos com o Sumo Pontífice.

“A recente crise financeira poderia ter sido uma ocasião para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos, e valorizando o serviço à economia real. Embora muitos esforços positivos tenham sido realizados em vários níveis, sendo os mesmos reconhecidos e apreciados, não consta porém uma reação que tenha levado a repensar aqueles critérios obsoletos que continuam a governar o mundo. Antes, parece às vezes retornar ao auge um egoísmo míope e limitado a curto prazo que, prescindindo do bem comum, exclui do seus horizontes a preocupação não só de criar, mas também de distribuir a riqueza e de eliminar as desigualdades, hoje tão evidentes” (I. Introdução 5, nas “Considerações”).

“Nossa época revelou as limitações de uma visão individualista do homem, entendido prevalentemente como consumidor, cuja vantagem consistiria antes de tudo numa otimização dos seus ganhos pecuniários. Todavia, a pessoa humana possui peculiarmente uma índole relacional e uma racionalidade em perene busca de um ganho e de um bem-estar que sejam integrais, não reduzíveis a uma lógica de consumo ou aos aspectos econômicos da vida”.

“Esta fundamental índole relacional do homem é caracterizada de maneira essencial por uma racionalidade que resiste a qualquer redução reificante das suas exigências de fundo. A tal propósito, não é mais possível calar que hoje existe a tendência a reificar cada troca de “bens”, reduzindo-os a mera troca de “coisas”.

“Na realidade, é evidente que na transferência de bens entre sujeitos está em jogo sempre algo a mais do que a simples troca de coisas, dado que os bens materiais são comumente veículos de outros bens imateriais, cuja concreta presença ou ausência determina em modo decisivo também a qualidade das relações econômicas mesmas(ex.: confiança, equidade, cooperação...)” (II. Considerações elementares de fundo 9, nas “Considerações”).

No Monitor Mercantil de sexta-feira, 01/02/2019, na coluna Fatos & Comentários, de Marcos de Oliveira, sob o título: “Desastre de quatro anos de política neoliberal”, lemos:

“Desemprego quase dobra, educação integral diminui e rombo nas contas públicas chega perto de meio trilhão.

A colheita das equipes econômicas “ortodoxas”, que implantaram “políticas de austeridade” de 2015 a 2018 (incluído no período o primeiro ano do Governo Dilma, quando ocorreu o estelionato eleitoral que minou a presidente) não aparece apenas na estagnação do PIB. Emprego, educação e até o déficit primário – sagrado para os neoliberais – mostram o trágico fracasso.

De 2014 a 2018, a população desocupada passou de 6,7 para 12,8 milhões (aumentou em 6,1 milhões), ou seja, quase dobrou (90,3%). O percentual de pessoas subutilizadas na força de trabalho no Brasil aumentou de 15,1% em 2014 para 24,4% em 2018, a maior da série.

O número de pessoas desalentadas pulou de 1,5 milhão, há quatro anos, para 4,7 milhões em 2018, também o maior valor da série. São 3,2 milhões de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego.

Em 2014, eram 36,6 milhões de trabalhadores do setor privado com carteira de trabalho assinada; quatro anos depois, 3,7 milhões deixaram de ter emprego formal. Na educação, o percentual de matrículas em tempo integral passou de 19,4% em 2015 para 10,9% em 2018.

Finalmente o ano passado foi o quinto seguido de déficit primário. Em 2014, foram apenas R$ 32,536 bilhões. De 2015 a 2018, alta galopante: R$ 111,249 bilhões (2015), R$ 155,791 bilhões (2016), R$ 110,583 bilhões (2017) e R$ 108,2 bilhões (2018). Saldo de quatro anos de austeridade: rombo de R$ 485 bilhões”

Cabe a inquietação: com tantas desgraças trazidas pelos governos da banca, seja por partidos ditos de esquerda seja por ditos de direita, por que não estamos assistindo - fora dos coletes amarelos franceses - movimentos populares contra este neoliberalismo assassino?.

No Brasil são cerca de 300 anos, pois ele não existia ainda no século XVII, do que denomino “pedagogia colonial”, ao que se acrescem, desde o século passado, as grandes mídias totalmente subservientes aos interesses estrangeiros: ingleses, estadunidenses e, desde 1985, da banca.

Formamos uma classe média estulta e mesquinha que está sendo destruída, no ocidente e no oriente, pela banca, como esclarece Thierry Meyssan (Sous nos yeux - du 11.septembre à Donald Trump, Collection Résistence, Ed. Demi-Lune, Paris, 2018).

Veja o caso da farsa da “reforma da previdência” com dados do Monitor Mercantil. Mesmo com a queda das taxas básicas de juros (as taxas Selic), o Brasil gastou, em 2018, R$ 379,184 bilhões com o pagamento de juros. Cerca de R$ 100 bilhões a mais do que o alegado déficit da previdência. E por que? Apenas um elemento de resposta: a carga tributária. A arrecadação federal cresceu, em 2018, 4,74% reais (descontada a inflação), totalizando R$ 1,457 trilhão. Mas o Imposto sobre os Rendimentos (IR) das Entidades Financeiras caiu 10,98%. E não foi só o IR; o COFINS foi reduzido em 5,91%, a CSLL, menos 9,68%, e o PIS menos 5,11%. Enquanto isso o rendimento sobre o trabalho aumentou 2,77% e os de empresas não financeiras também tiveram majoração tributária. Ou seja, o Governo paga juros exorbitantes para as entidades financeiras (a banca) e não lhes tributa como o faz com todas as outras atividades e com o trabalho. E isto vem sendo feito nos governos Dilma, Temer e confirmado pela equipe econômica de Bolsonaro.

Voltemos ao Documento Pontifício.

“Cada progresso do sistema econômico não pode considerar-se tal se medido somente mediante os paramêtros da qualidade e da eficácia em produzir ganhos, mas deve ser medido também mediante a base da qualidade de vida que produz e da extensão social do bem-estar que difunde, um bem-estar que não pode limitar-se somente aos seus aspectos materiais. Cada sistema econômico legitima a sua existência não somente mediante o mero crescimento quantitativo das trocas econômicas, mas documentando sobretudo a sua capacidade de produzir desenvolvimento para todo o homem e para cada homem. Bem-estar e desenvolvimento exigem-se e sustentam-se reciprocamente, exigindo políticas e perspectivas sustentáveis para além do breve prazo. (II. Considerações elementares de fundo 10, nas “Considerações”).

“O bem-estar deve ser portanto avaliado com critérios bem mais amplos que o produto interno bruto de um País (PIB), levando em consideração também outros parâmetros, como por exemplo a segurança, a saúde, o crescimento do “capital humano”, a qualidade da vida social e do trabalho. E o ganho pode ser sempre buscado, mas não “a qualquer custo”, nem como referência totalizante da ação econômica (II. Considerações elementares de fundo 11, nas “Considerações”).

“Porém hoje é também evidente que a liberdade de que gozam os atores econômicos, se compreendida de modo absoluto e distante da sua intrínseca referência à verdade e ao bem, tende a gerar centros de supremacias e a inclinar na direção de formas de oligarquias que no final prejudicam a eficiência mesma do sistema econômico.

Deste ponto de vista, é sempre mais fácil perceber que diante do crescente e pervasivo poder de importantes agentes e grandes redes econômicas-financeiras, aqueles que deveriam exercer o poder político, ficam desorientados e impotentes pela supranacionalidade daqueles agentes e pela volatilidade dos capitais por eles gestidos. Eles fadigam assim em responder à sua originária vocação de servidores do bem comum, transformando-se em sujeitos a serviço de interesses estranhos àquele bem (II. Considerações elementares de fundo 12, nas “Considerações”)”. “Não é possível ignorar que hoje a indústria financeira, por causa da sua difusão e da sua inevitável capacidade de condicionar e, em certo sentido, de dominar a economia real, é um lugar onde os egoísmos e as imposições violentas têm um potencial excepcional de causar danos à coletividade.(II. Considerações elementares de fundo 14, nas “Considerações”).

E, concluindo as Considerações Elementares de Fundo, contempla a Mensagem do Papa Francisco:

“O fenômeno inaceitável sob o ponto de vista ético não é o simples ganhar, mas o aproveitar-se de uma assimetria para a própria vantagem, criando notáveis ganhos a dano de outros; é lucrar desfrutando da própria posição dominante com injusta desvantagem do outro ou enriquecer-se gerando dano ou perturbando o bem-estar coletivo.

Tal prática resulta particularmente deplorável do ponto de vista moral, quando a mera intenção de ganhar da parte de poucos – que em geral costumam ser importantes fundos de investimento – especula para provocar uma artificiosa queda dos preços de títulos da dívida pública e não toma cuidado em influenciar negativamente ou em agravar a situação econômica de inteiros países. Estas práticas colocam em perigo não somente projetos públicos de melhoramento, mas a própria estabilidade econômica de milhões de famílias, obrigando ao mesmo tempo as autoridades governativas a intervir com relevante quantidade de dinheiro público. Tais ações chegam a alterar artificiosamente o correto funcionamento dos sistemas políticos.

A intenção especulativa, particularmente no âmbito econômico-financeiro, arrisca hoje de suplantar todas as outras intenções importantes que integram a substância da liberdade humana. Este fato está deteriorando o imenso patrimônio de valores que funda a nossa sociedade civil como lugar de pacífica convivência, de encontro, de solidariedade, de regenerante reciprocidade e de responsabilidade em vista do bem comum. Neste contesto, palavras como “eficiência”, “competição”, “liderança”, “mérito” tendem a ocupar todo o espaço da nossa cultura civil, assumindo um significado que termina por empobrecer a qualidade das trocas, reduzida a meros coeficientes numéricos”.(II. Considerações elementares de fundo 17, nas “Considerações”).
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Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas - 2ª Parte: Algumas Pontualizações no Contexto Contemporâneo

Na terceira parte das “Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro” (Considerações), o documento do Vaticano trata de casos objetivos. Assim não  será necessário que apresentemos exemplo, como ocorreu nas reflexões anteriores.

Das Considerações:

“O mercado, graças aos progressos da globalização e da digitalização, pode ser comparado a um grande organismo, em cujas veias correm, como linfa vital, grandíssima quantidade de capitais. Levando em consideração esta analogia, podemos então falar de uma “saúde” de tal organismo, quando os seus meios e instrumentos realizam uma boa funcionalidade do sistema, cujo crescimento e difusão da riqueza caminham harmonicamente”  (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 19, nas “Considerações”).

“A experiência dos últimos decênios mostrou com evidência, de uma parte, o quanto seja ingênua a confiança em uma presumida autosuficiência da capacidade funcional dos mercados, independente de qualquer ética, e de outra, a imperiosa necessidade de uma adequada regulação dos mesmos. Regulação que deve ser capaz de conjugar ao mesmo tempo a liberdade e a tutela de todos os sujeitos econômicos, especialmente dos mais vulneráveis, em regime de saudável e correta interação. Neste sentido, poderes políticos e poderes econômico-financeiros devem sempre permanecer disitintos e autônomos e, ao mesmo tempo serem finalizados, para além de afinidades nocivas, à realização de um bem que é tendencialmente comum e não reservado somente a poucos e privilegiados sujeitos.

“Tal regulação tornou-se ainda mais necessária seja pela constatação que entre os principais motivos da recente crise econômica estão também as condutas imorais dos expoentes do mundo financeiro, seja pelo fato que a dimensão supranacional do sistema econômico consente de contornar facilmente as regras estabelecidas pelos países singulares. Além do mais, a extrema volatilidade e mobilidade dos capitais investidos no mundo financeiro permite a quem os dispõe de operar com agilidade para além de qualquer norma que não seja aquela de uma vantagem imediata, comumente explorando uma posição de força, também no mundo político de turno”

“A este respeito é importante uma coordenação estável, clara e eficaz entre as várias autoridades nacionais de regulação dos mercados. A mesma é também exigida pela atual globalização do sistema financeiro. Tais autoridades devem ter a possibilidade e, às vezes, também a necessidade de compartilhar com tempestividade providências vinculantes quando isto seja necessário, por estar em perigo o bem comum. As autoridades de regulação devem ainda permanecer sempre independentes e vinculadas às exigências da equidade e do bem comum. As compreensíveis dificuldades, a tal propósito, não devem desencorajar a procura e a atuação de sistemas normativos, que devem harmonizar-se entre os vários países, mas cujo efeito deve certamente ser supranacional.

“As regras devem favorecer uma completa transparência daquilo que é negociado, com o objetivo de eliminar qualquer forma de injusta desigualdade, buscando garantir o mais possível um equilíbrio nas trocas. Sobretudo porque a concentração assimétrica de informações e poder tende a reforçar os sujeitos econômicos mais fortes, criando hegemonias capazes de influenciar unilateralmente não só os mercados, mas também os sistemas políticos e normativos. No mais, onde foi praticada uma massiva desregulamentação resultou evidente que os espaços de lacuna normativa e institucional representam lugares favoráveis não somente para a incerteza moral e para o mal uso dos recursos, mas também fazem surgir irracionalidades exuberantes dos mercados – que produzem primeiramente bolhas especulativas e, depois, repentinas e danosas quedas – e crises sistêmicas“ (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 21, nas “Considerações”).

Este tópico mostra quão falso e iníquo é o discurso do sistema financeiro internacional sobre a pseudo competitividade e eficiência do “mercado”. Vimos que são relações assimétricas, como de um bandido jovem, armado, diante de um velho frágil, exigindo seu dinheiro, relógio e celular. O sistema financeiro age, exatamente, como um bandido.

A auditora Maria Lucia Fattorelli, descrevendo o sistema da dívida, criado pelas finanças, demonstra que é o mais danoso caso de corrupção que está ocorrendo no Brasil, que não merece qualquer empenho, qualquer investigação dos “defensores da moralidade”, dos “heróis da Lava Jato”.

Continuemos com o documento pontifício.

“O objetivo do mero lucro cria facilmente uma lógica perversa e seletiva que comumente favorece o avanço aos vértices empresariais de sujeitos capazes, mas ávidos e livres de prejuízos, cuja ação social é impulsionada prevalentemente por uma egoística vantagem pessoal.

Além do mais, tais lógicas têm comumente impulsionado os administradores a realizar políticas econômicas voltadas não a incrementar a saúde econômica das empresas que serviam, mas as meras vantagens dos acionistas (shareholders), prejudicando assim aos legítimos interesses dos quais são portadores todos aqueles que com o trabalho e os serviços operam em vantagem da empresa mesma, e também os consumidores e as várias comunidades locais (stakeholders). Esses administradores tem sido comumente incentivados por relevantes remunerações proporcionadas aos resultados imediatos da gestão, em geral não contrabalançadas por equivalentes penalizações em caso de falência dos objetivos. Assim, mesmo que, se num breve período, asseguram grandes ganhos aos administradores e acionistas, termina-se por promover a assunção de riscos excessivos e por deixar as empresas debilitadas e empobrecidas daquela energia econômica que lhes teria assegurado perspectivas adequadas para o futuro.

Tudo isto facilmente cria e difunde uma cultura profundamente amoral – na qual comumente não si hesita a cometer um crime quando os benefícios previstos excedem as penalidades esperadas – e corrompem gravemente a saúde de todos os sistemas econômico-sociais, colocando em risco a funcionalidade dos mesmos e prejudicando gravemente a eficaz realização daquele bem comum, sobre o qual se funda necessariamente cada forma de sociabilidade” (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 23, nas “Considerações”).

Este imediatismo leva à ausência de recursos para o futuro - investimentos em pesquisa científica e tecnológica, em educação e em educadores - culminando na transferência de um futuro tranquilo para os trabalhadores pela incerteza e inviabilidade de uma aposentadoria digna e merecida, como ameaça a contrarreforma da previdência, em nossa Pátria.

“A criação de títulos de crédito de alto risco - que operam uma espécie de criação fictícia de valor, sem um adequado controle de qualidade e uma correta avaliação do crédito – pode enriquecer aqueles que os intermediam, mas cria facilmente insolvência em prejuízo de quem deve recebê-los. Isto vale ainda mais se o peso da criticidade destes títulos é transferido ao mercado, no qual são espalhados e difundidos, em vez de ser colocado sobre o instituto que os emite (cf. por exemplo, securitização dos empréstimos subprime). Assim pode-se criar intoxicação de grande alcance e dificuldades potencialmente sistêmicas. Uma tal contaminação dos mercados contradiz a necessária saúde do sistema econômico-financeiro e é inaceitável do ponto de vista de uma ética respeitosa do bem comum.

A cada título de crédito deve corresponder um valor tendencialmente real e não somente presumido e dificilmente verificável. Neste sentido, torna-se sempre mais urgente uma regulação pública e uma avaliação super partes do operar das agências de rating do crédito, com instrumentos jurídicos que consintam, de uma parte, sancionar as ações erradas e, de outra, impedir a criação de situações de perigoso oligopólio por parte de algumas das mesmas. Isto vale ainda mais em relação à presença de produtos do sistema de intermediação de crédito, nos quais a responsabilidade do crédito concedido é descarregada pelo emissor originário do título sobre aqueles aos quais é sucessivamente transferido” (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 25, nas “Considerações”).

Neste tópico o documento trata de duas questões chaves para compreensão da corrupção introduzida no sistema econômico-financeiro pelos seus atuais gestores: os derivativos sem suporte real e as securitizações de receitas tributárias.

Por que existem as crises? Basicamente para promoverem a concentração de renda, mas como se originam? Pela venda de títulos financeiros sem qualquer respaldo em bens reais, corretamente avaliados; sejam commodities, sejam propriedades fundiárias, seja qualquer bem que possa gerar um papel de dívida. Tomemos um barril de petróleo; ele irá se multiplicar em centenas, milhares de outros apenas em títulos financeiros. Quando alguém vier resgatar seu título só encontrará um papel sem valor.
As securitizações são provocadas pelos mesmos organismos que irão gerenciar as receitas e dívidas públicas. Trata-se de mais um caso em que a raposa é contratada, a peso de ouro, para administrar o galinheiro.

O Papa continua ainda nesta crítica.

“Alguns produtos financeiros, como aqueles chamados “derivados”, foram criados com o objetivo de garantir uma asseguração em relação aos riscos inerentes a determinadas operações, frequentemente incluindo também uma aposta efetuada sob a base de um valor presumido atribuído a tais riscos. Na base destes instrumentos financeiros estão contratos nos que as partes estão ainda em condição de avaliar racionalmente o risco fundamental dos quais deve-se assegurar.

Todavia, para alguns tipos de derivados (particularmente as chamadas securitizações ou securitizations) assistiu-se ao fato de que a partir das estruturas originárias e ligadas a investimentos financeiros individuáveis, foram construídas estruturas sempre mais complexas (securitizações de securitizações), nas quais é sempre mais difícil - quase impossível depois de várias destas transações – estabelecer em modo racional e équo o valor fundamental delas. Isto significa que cada passo na compra e venda destes títulos, para além da vontade das partes, opera de fato uma distorção do valor efetivo daquele risco que, ao contrário, o instrumento deveria tutelar. Tudo isto tem favorecido o surgimento de bolhas especulativas, que foram importantes concausas da recente crise financeira.

É evidente que a aleatoriedade advinda destes produtos, que na operação originária ainda não emerge – unida também a diminuição crescente da transparência daquilo que asseguram – os torna sempre menos aceitáveis do ponto de vista de uma ética respeitosa da verdade e do bem comum. Isto porque são transformados em uma espécie de bomba relógio, prontos a deflagrar mais cedo ou mais tarde a falta de confiabilidade econômica e a contaminação da saúde dos mercados. Verifica-se aqui uma carência ética, que se torna mais grave quanto mais tais produtos são negociados nos mercados chamados não regulamentados (over the counter) – mais expostos ao azar que os mercados regulamentados, quando não à fraude – e subtraem a linfa vital e investimentos à economia real.

Semelhante avaliação ética pode ser efetuada também em relação à utilização dos credit default swap (CDS: os quais são particulares contratos de assegurações do risco de falência) que permitem de apostar no risco de falência de uma terceira parte também a quem não assumiu precedentemente um risco de crédito, e de reiterar tais operações no mesmo evento. Tal fato, não é absolutamente consentido pelos normais pactos de asseguração.

O mercado dos CDS, na vigília da crise econômica de 2007, era tão imponente que representava mais ou menos o equivalente ao inteiro PIB mundial. A difusão sem adequados limites deste tipo de contratos, favoreceu o crescimento de uma finança do azar e das apostas no insucesso de outros, o que representa uma situação inaceitável do ponto de vista ético.

De fato, a operatividade na compra de tais instrumentos, por parte de quem não tem algum risco de crédito já assumido, constitui um caso singular no qual os sujeitos começam a nutrir interesse pela queda de outras entidades econômicas, podendo inclusive induzir a operar em tal sentido.

É evidente que tal possibilidade, se de uma parte configura um evento particularmente reprovável sob o aspecto moral, porque quem age o faz em vista de um certo canibalismo econômico, de outra parte acaba por minar aquela confiança de base sem a qual o circuito econômico terminaria por paralizar-se. Também neste caso, podemos destacar como um evento negativo do ponto de vista ético, torna-se nocivo também para a saúde da funcionalidade do sistema econômico.

Ocorre então notar que, quando destas semelhantes apostas possam derivar substanciais danos para inteiros países e milhões de famílias, se está diante de ações extremamente imorais. Neste sentido, parece então oportuno estender as proibições, já presentes em alguns países, para esse tipo de operatividade, sancionando com a máxima severidade tais infrações” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 26, nas “Considerações”).

Certamente os caros leitores estão se perguntando: por que o judiciário não atua coibindo estes desmandos que resultam em prejuízo para direitos fundamentais da pessoa humana, para o patrimônio nacional e para própria democracia. Seriam farsas as “legislações contra corrupção”? Seriam falsos os “heróis lava jato”? Na verdade vivemos uma mediocridade construída, planejado por elites financeiras conservadoras internacionais, que aproveitando as campanhas midiáticas contra raças, contra pobres, difundindo preconceitos religiosos, deformam o caráter dos legisladores, operadores do direito e do homem comum.

Concluamos com mais uma crítica do documento de janeiro de 2018, entregue ao Sumo Pontífice pelos Prefeito e Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé e pelos Prefeito e Secretário do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.

“Diante de tudo isto, de uma parte, os Estados individualmente são chamados a por remédio com adequadas gestões do sistema público e sábias reformas estruturais, prudentes subdivisões das despesas e atentos investimentos. Ao nível internacional, de outra parte, mesmo colocando cada país de frente às suas inevitáveis responsabilidades, ocorre também consentir e favorecer racionais vias de saída das espirais do débito, não colocando nos ombros dos Estados – portanto nos ombros dos seus cidadãos, isto é, de milhões de famílias – as obrigações que de fato resultam insustentáveis.

Isto também se deve conseguir mediante políticas de racional e acordada redução do débito público, especialmente quando este está em poder de sujeitos cuja consistência econômica lhes permitiria oferecê-la. Semelhantes soluções são pedidas seja para a saúde do sistema econômico internacional, com a finalidade de evitar a contaminação de crises potencialmente sistemáticas, seja para a busca do bem comum dos povos conjuntamente.

Tudo isto que falamos até agora não é somente obra de entidades que agem fora do nosso controle, mas recai também na esfera de nossas responsabilidades. Isto significa que temos a nossa disposição instrumentos importantes para poder contribuir para a solução de tantos problemas. Por exemplo, os mercados vivem graças a demanda e a oferta dos bens: a este propósito, cada um de nós pode influenciar em modo decisivo pelo menos em dar forma à demanda (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 32 e 33, nas “Considerações”).
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Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas - 3ª Parte: Continuação de Algumas Pontualizações no Contexto Contemporâneo e Conclusão

O Documento Pontifício nos apresenta outras situações concretas sob o título “Alguma Pontualizações no Contexto Contemporâneo”, nas “Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro” (Considerações), que continuaremos transcrevendo e comentando.

“Uma grande ajuda, com o objetivo de evitar crises sistêmicas, seria delinear uma clara definição e separação, para os intemediadores bancários de crédito, do âmbito da atividade de gestão de crédito ordinário e dos recursos destinados ao investimento e aos negócios. Tudo isto com o objetivo de evitar o mais possivelmente situações de instabilidade financeira.

“Um sistema financeiro sadio exige também a máxima informação possível, de modo que cada sujeito possa tutelar em plena e consciente liberdade o seus interesses: de fato, é importante saber se os próprios capitais são empregados em fins especulativos ou não, assim como conhecer claramente o grau de risco e a congruidade do preço dos produtos financeiros que se subscrevem”

“Ocorre sinalizar, uma série de comportamentos moralmente criticáveis na gestão dos recursos por parte dos consultores financeiros: uma excessiva movimentação da carteira de títulos com o objetivo prevalente de aumentar os ganhos originários das comissões pela intermediação; uma diminuição da devida imparcialidade na oferta de instrumentos de poupança, em regime de acordos ilícitos com alguns bancos, quando produtos de outros se adaptariam melhor às exigências do cliente; a falta de uma adequada diligência ou uma negligência dolosa por parte dos consultores, em relação à tutela dos interesses relativos aos ganhos dos próprios clientes; a concessão de um financiamento, por parte de um intermediário bancário, em via subordinada à contextual subscrição de outros produtos financeiros emitidos pelo mesmo, talvez não conveniente ao cliente” (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 22, nas “Considerações”).

Neste trecho parece-me nítida a necessidade de intervenção do Estado. Quem mais, além de um poder acima do mercado, poderia “delinear clara definição e separação” das atividades financeiras, sem se submeter aos interesses de cada uma delas? E a quem, senão o Estado, caberia zelar pelo bem comum? E pela aplicação da justiça onde os comportamentos, mais do que criticáveis, constituem ilícitos?

Jessé Souza (O engodo do combate à corrupção: ou como imbecilizar pessoas que nasceram inteligentes?, in Jessé Souza e Rafael Valim (coords), “Resgatar o Brasil”, Contacorrente/Boitempo, SP, 2018) afirma: ”a corrupção que se realiza de “verdade”, quantitativamente, sem exagero retórico, literalmente centenas de vezes maior que toda corrupção política somada, (vem) do dinheiro desviado via dívida pública, sonegação de impostos, juros extorsivos, isenções fiscais multibilionárias abusivas da gigantesca rapina da sociedade pela elite financeira”.

Continuemos as “Considerações”.

“Não é mais possível ignorar fenômenos como o difundir-se no mundo de sistemas bancários paralelos ou “sombra” (Shadow banking system), os quais, mesmo compreendam também tipologias de intermediação cuja operatividade não aparece imediatamente crítica, de fato têm determinado uma perda de controle do sistema de parte das autoridades de vigilância nacionais. Tem-se favorecido assim de maneira desconsiderada, o uso da chamada finança criativa, cujo motivo principal de investimento dos recursos financeiros é sobretudo de caráter especulativo, se não predatório, e não constitui um serviço à economia real. Por exemplo, muitos concordam que a existência de tais sistemas “sombra” seja uma das principais concausas que favoreceram o desenvolvimento e a difusão global da recente crise econômico-financeira, iniciada nos Estados Unidos, com a crise dos empréstimos subprime no verão de 2007”.

“Exatamente de tal desígnio especulativo nutre-se o mundo das finanças offshore, que, mesmo oferencendo também outros serviços lícitos, mediante muitos e difusos canais de elusão fiscal, quando não de evasão e de lavagem de dinheiro fruto do crime, constitui um ulterior empobrecimento do normal sistema de produção e distribuição de bens e de serviços. É árduo distinguir se muitas de tais situações dêem vida a casos de imoralidade próxima ou imediata: certamente é evidente que tais realidades, do momento em que tiram injustamente a linfa vital da economia real, dificilmente podem encontrar uma legitimação, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista da eficiência global do sistema econômico mesmo”.

“Na segunda metade do século passado, nasce o mercado offshore dos eurodólares, lugar financeiro de trocas fora de qualquer quadro normativo oficial. Mercado que, a partir de um importante país europeu, difundiu-se em outros países do mundo, dando lugar a uma verdadeira e própria rede financeira alternativa ao sistema financeiro oficial e às jurisdições que o protegiam” (III.  Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 29 e 30, nas “Considerações”).

Chegamos a uma delicada situação política. Os paraísos fiscais só existem porque Estados Nacionais os permitem, ou seja, admitem que os recursos deles oriundos possam transitar pelas suas economias. Ora, isto exige a frouxidão dos controles, a permissividade que gera corrupção e ilícitos de diversas ordens. Mas estes países são considerados democráticos. Percebemos, então, a profundidade do texto pontifício sobre as novas bases em que a sociedade deve estar assentada, especialmente a sociedade ocidental, do Atlântico Norte, onde mais se constatam estes procedimentos reprováveis.

Voltemos às “Considerações” em seu tópico Conclusão.

“Diante da imponência e difusão dos contemporâneos sistemas econômico-financeiros, poderemos ser tentados a cedermos ao cinismo e a pensar que com as nossas pobres forças podemos fazer bem pouco. Na realidade, cada um de nós pode fazer muito, especialmente se não permanece só.

“Numerosas associações provenientes da sociedade civil representam neste sentido uma reserva de consciência e de responsabilidade social das quais não podemos prescindir. Hoje, mais do que nunca, somos todos chamados a vigiar como sentinelas por uma vida de qualidade e a tornar-nos intérpretes de um novo protagonismo social, orientando a nossa ação na busca do bem comum e fundando-a sobre os sólidos princípios da solidariedade e da subsidiariedade.

“Cada gesto da nossa liberdade, mesmo que possa parecer frágil e insignificante, se verdadeiramente orientado para o bem autêntico, apoia-se Naquele que é o Senhor bom da história, e torna-se parte de uma positividade que supera as nossas pobres forças, unindo indissoluvelmente todos os atos de boa vontade em uma rede que liga céu e terra, verdadeiro instrumento de humanização do homem e do mundo. É disto que precisamos para viver bem e para nutrir uma esperança que seja à altura da nossa dignidade de pessoas humanas” (IV. Conclusão 34, nas “Considerações”).

Recente artigo (Putin’s Lasting State) de Vladislav Surkov, assessor de Vladimir Putin, teve comentário do “Moon of Alabama” (A Nação Profunda da Rússia), traduzido por Vila Mandinga, de onde retirei um trecho para meu comentário.

A ideologia que se espalha hoje, no Planeta, é a neoliberal. “Moon of Alabama” sintetiza um pensamento de Surkov: “há muito tempo a Rússia alerta contra os perigos da globalização e neoliberalização comandadas pelos EUA que tenta pôr fim ao estado-nação”. Acabamos de ver, no documento do Papa, a necessidade do Estado para por freio às iniquidades do sistema financeiro internacional.

E, como é óbvio, não será um Estado Mundial, mas Estados-Nações que poderão se desincumbir do desafio enorme que é enfrentar o poderoso sistema. Não é outra a motivação das campanhas pelo Estado Mínimo, pelas privatizações, reformas que retiram recursos dos Estados, quer pela redução do trabalho e da produção, quer pela transferência de encargos próprios dos Estados, como a execução tributária, transferindo-a por artifícios jurídicos, como a securitização, para empresas financeiras privadas.

Estas Considerações são oportunas e merecem aprofundamento de católicos e não católicos pois tratam da vida e felicidade do ser humano.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado