Sexta, 11 de outubro de 2019
Por
*Marcelo
Pires Mendonça
Pediram-me
para escrever algo sobre a minha cidade. Cresci com ela e imaginei que fosse fácil,
pensei em um artigo, talvez um poema ou uma simples declaração de amor. Amor?
Mas como traduzir um amor atravessado por armações de concreto, cercado por
lembranças, sabores, cheiros, sensações, rostos, delícias e dores?! Seu nome,
“Gama”, tem como um de seus significados “um apanhado de coisas”, uma gama de
lembranças, emoções, sensações... O Gama... Sinto falta de uma bebida...
Mas, o que
é uma cidade, senão nós mesmos, despidos e enxutos, que a construímos com ideias
e matéria?! Falo da minha cidade a partir do que sou, do que fui, do que sinto
e me contenho para não cair nos braços da parcialidade, para não descrever um
sonho, uma utopia que um dia me atirou em um céu infernal. Bom, se tiverem
paciência, quem sabe organizo meus pensamentos e escrevo. Sinto falta de um
cigarro...
Sinto muito
por não termos mais dias empoeirados ardendo os olhos da molecada batendo uma
pelada com bola de plástico. Detestava poeira, e hoje sei que eu, quanto mais
empoeirado, mais perto de mim estava, dialogava com a minha essência e não
sabia, pois a terra fina que subia aos olhos e endurecia meus cabelos é a mesma
de que brotaria a vida, que se escondia nas entranhas do meu sangue. Ando
desviando meu caminho para encontrar minha cidade avermelhada. Sinto falta de
poeira...
Ouço muitas
músicas compostas na minha cidade e volto a pensar em declarações de amor, em
almas calmas e corações molhados. Mas também encontro palavras e versos inventivos,
instigantes, que repudiam e desobedecem, promovendo um reboliço monumental nas engrenagens
da cidade, decretando o novo ao velho. Sinto falta de mais poesia...
De pé em pé
a bola é embalada, balança a rede de neurônios dos amigos e amigas que bebem a
vida em volta de uma mesa redonda, assim como a Terra, a Terra casa, morada, namorada.
Lembro-me dos campinhos de terra, com pedras marcando o gol, pés cascudos e uma
pelota iluminada. A felicidade estava ali e nem percebi. Hoje a minha cidade se
deita em um imenso tapete verde e rebola, rebola muito, mas o gol não sai,
roubaram meu time. Sinto falta de uma bola...
Tenho um
coração que resiste e insiste em acreditar, se ilude fácil e é encantado,
quanto mais amores ele guarda mais sangra, se desmancha sempre e se reconstrói
numa velocidade estupenda. Na minha cidade tem quadras que escondem versos
lindos, músicas suaves, belos romances, gemidos murmurados e filmes inquietantes.
Sinto falta de um amor...
A minha
cidade é assim: se embriaga, transcende, arde, rebola, encanta, acolhe, queima
e ama. E eu, que vivo e sinto, partilho sua história com a minha vida,
imbricadas que estão. Sinto falta de mim, sinto falta do Gama.
*Marcelo Pires Mendonça, é professor de História e
Geografia da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e gamense.