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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

"Autonomia do Banco Central”: mais subserviência aos grandes rentistas da dívida pública

Quarta, 23 de outubro de 2019
Da Auditoria Cidadã da Dívida

Rodrigo Avila – Economista da Auditoria Cidadã da Dívida
A chamada “autonomia” formal do Banco Central (BC) significa a concessão, para os diretores deste órgão, de mandatos não coincidentes com os mandatos do Presidente da República, que não poderá demiti-los. Isso significa, em bom português, a impossibilidade de que a vontade do povo seja ouvida nas decisões do BC. Se hoje já existe uma “autonomia” informal do BC frente à população, com os diretores sendo escolhidos e vigiados, na prática, pelo mercado financeiro e a grande mídia, com a autonomia formal o povo perde qualquer possibilidade de desafiar este grande poderio.
A blindagem da diretoria do Banco Central – contra a vontade do povo – é sempre justificada pelo falso argumento de que “o Banco Central é um órgão técnico, e deve ser deixado fora da influência política”, quando na verdade, o BC sempre é político, e sempre efetuou políticas favoráveis aos grandes bancos e investidores, em detrimento do povo.
O BC é político, por exemplo, quando decide estabelecer taxas de juros altíssimas em comparação aos demais países do mundo, sob a justificativa de combater a inflação, mesmo que esta seja causada por aumento de preços administrados pelo próprio governo (como energia, combustíveis, transporte público, etc) ou por elevação dos preços de alimentos, por problemas climáticos, e devido à opção dos governos pela agricultura de exportação. As altas taxas de juros não são capazes de reduzir tais preços, mas apenas servem para enriquecer os grandes bancos e investidores, que ganham com a dívida pública às custas do povo. Apesar do argumento de que a Taxa Selic estaria em 5,5% ao ano, na prática os títulos da dívida pública pagam hoje, em média, cerca de 9% ao ano de juros, conforme mostra o Tesouro Nacional em seu Relatório Mensal da Dívida (Anexo 4.2).

O BC é político, por exemplo, quando decide remunerar com juros altíssimos toda a sobra de caixa dos bancos – que hoje chega a mais de R$ 1,2 TRILHÃO – livrando-lhes, assim, de terem de cumprir seu papel básico em um sistema financeiro, ou seja, emprestar a juros civilizados para pessoas e empresas. 
Vários projetos tramitam hoje na Câmara e no Senado, que podem garantir a dita “Autonomia do Banco Central”.  Ano passado, por exemplo, o Jornal Valor Econômico noticiou (dias 22/3/2018 e 6/4/2018) que o Presidente da Câmara Rodrigo Maia queria votar diretamente no Plenário (sem discussão nas Comissões da Câmara) um substitutivo apresentado de última hora ao Projeto de Lei Complementar nº 200/1989 que garantisse, de uma vez só, a “autonomia” do BC, visando exclusivamente o “combate à inflação”, ou seja, juros altos, deixando de lado metas como a geração de emprego.
Outro item que pode ser incluído no projeto é o “depósito remunerado” (Projeto de Lei 9.248/2017), ou seja, a remuneração da sobra de caixa dos bancos, que atualmente já é feita por meio das chamadas “Operações Compromissadas”, mas seu custo ao menos é registrado no orçamento federal (SIAFI).
Em 2019, o governo apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 112/2019, que além de blindar a política do BC com a “autonomia”, prevê legalizar mecanismos que geram dívida pública, mudando leis na tentativa de se proteger contra denúncias feitas pela Auditoria Cidadã da Dívida. Porém, ao invés de legalizar, tal iniciativa somente mostra como tais mecanismos sempre foram ilegítimos.
Conforme a Auditoria Cidadã denunciou durante a CPI da Dívida Pública, em 2010, a forma de definição das taxas de juros no país viola a Lei 4.595, em seu art. 3º inciso II. Segundo este inciso, o controle da inflação deve se dar não somente por meio da política monetária (ou seja, somente via altas taxas de juros, como é hoje, conforme definido no questionável Decreto 3.088/1999), mas também “prevenindo ou corrigindo as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais”, ou seja, impedindo a alta absurda de preços administrados pelo próprio governo ou, por exemplo, prevenindo as altas de preços de alimentos, priorizando a agricultura familiar ao invés do setor primário exportador (que conta ainda com isenção de ICMS). É absurdo que tenhamos inflação de alimentos em um país como o Brasil.
Agora, o PLP 112/2019 quer excluir este item da Lei 4.595, e também dar a proteção aos atuais e antigos funcionários do Banco Central contra a responsabilização de atos relacionados à condução da política monetária, cambial, regulatória, supervisão e resolução no sistema financeiro”!
O projeto também pretende dar poder ao BC para executar a política cambial por meio de instrumentos derivativos (o chamado swap), que remunera bancos e investidores de acordo com a cotação do dólar, às custas do povo!!! Ou seja, então, quer dizer que atualmente o BC não tem esse poder…
Outra denúncia feita pela Auditoria Cidadã da Dívida é que o Banco Central, ao recolher e remunerar com juros altíssimos mais de R$ 1,2 TRILHÃO de sobra de caixa dos bancos (montante esse que compõe o estoque da dívida interna federal), transfere a eles uma montanha de recursos públicos e faz as taxas de juros explodirem no mercado, jogando o país nesta crise absurda, fabricada por uma política monetária ilegal. Tal prática viola o art. 3º inciso I da Lei 4.595, segundo o qual “A política do Conselho Monetário Nacional objetivará adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento”.
O PLP 112/2019 também quer revogar este inciso, ou seja, desta forma o governo confessa o crime, de reter grande quantidade de moeda, gerando a absurda crise em que estamos desde 2015.
Agora, dia 18/10/2019, a Agência Senado notícia que a Comissão de Assuntos Econômicos pode votar o PLP 19/2019, que também prevê a “Autonomia” do Banco Central, ou seja, a impossibilidade de que o Presidente da República possa os demitir.
Enfim, há vários projetos em tramitação prevendo a “autonomia”, e caso algum deles seja aprovado, não será possível alterar a política econômica, mesmo que consigamos eleger um Presidente que esteja comprometido com os anseios do povo, e não dos grandes rentistas da dívida pública.
NÃO AO PROJETO DE AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL!!!!