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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Conversa de boteco não presta, mas presta demais. O lobocídio em massa ocorrido ontem foi cardápio na mesa de um boteco no Gama (DF)

Quinta, 15 de outubro de 2020

Do Gama Livre

Por Taciano

Conversa de boteco não presta, mas presta demais. O lobocídio em massa ocorrido ontem foi cardápio na mesa de um boteco no Gama (DF)

Tem gente que tenta provar que conversa de boteco não presta. Eu acho que muitas vezes presta até demais. Não sei exatamente pra que, mas que presta, presta. Nem que seja para “desopilar o fígado” do álcool da cerveja. Verdade que é comum encontrar “filósofos de botecos” em quase todos eles.

Mas não quero falar aqui de tiradas filosóficas, mas tão somente de uma conversa/discussão profunda (sim, PROFUNDA), num certo boteco de um certo setor da cidade do Gama, uma das regiões administrativas de Brasília (DF). A conversa? Na noite de ontem, quarta (14/10)

O boteco é no Gama, mas o tema se prendeu ao rumoroso e mal cheiroso caso ocorrido ontem (14/10) em Roraima, quando a Polícia Federal flagrou um senador vice-líder do governo Bolsonaro —que segundo notícias da imprensa seria íntimo da família do presidente do Brasil— com grana que seria fruto de esquemas no combate ao Covid-19. E o pior, ele escondia grana até nas nádegas. Claro que em linguajar de boteco não se fala em nádega, na melhor das hipóteses se usa o termo bunda.

Vamos em frente, vamos ver como se deu a profícua e criativa conversa de boteco.

Eram quatro amigos sentados em duas mesas próximas uma da outra. Para espanto, todos usavam a máscara contra a covid-19, só abaixando-a quando para sorver um copo de cerveja ou um dose de pinga. Verdade que era um tal de abaixar e levantar máscara toda hora.

Numa determinada hora surgiu a discussão sobre a grana do senador vice-líder do governo Bolsonaro descoberta pela PF. De início uma conclusão entre os debatedores: para estar a grana “aplicada” no fundo, e para que o valor fosse o maior possível sequer seria a grana em notas de R$100. Seria, então, o valor aplicado no fundo em notas de R$200. Pacificado este ponto, vieram outras observações.

Então, concordaram, que no fundo nada de garoupa, peixe marinho de porte grande. Este peixe é o que está nas notas de R$100. Não sendo em notas de R$100, seriam nas novas notas de R$200. E aí foi a hora em que um dos boteco-debatedores gritou:

— Porraaaaa! O cara cometeu lobocídio. Lobocídio em grande escala. Acabaram de botar o Lobo Guará na nota e já estão matando o bicho sufocado e por mau cheiro. Foi chacina de Lobos Guarás.

Foi uma risada geral.

foto: Raphael Ribeiro/BCB

Comentários adicionais, especulações outras, dentre as quais se os lobos teriam morrido sufocados ou afogados pois, segundo a maldade de um dos “debatedores”, o senador vice-líder do governo Bolsonaro ao receber ordens da PF para tirar a roupa e ficar de cócoras teve um cagaço (pavor) que provocou um “dilurimento” (diarreia, ou a popular caganeira de jato). E não conseguiu segurar. E a bagaceira teria esparramado em todos os Lobos Guarás das cédulas de duzentos que se encontravam aplicados no fundo.

Você acha que a discussão acabou aí? Não. Sempre tem um debatedor gaiato na mesa de boteco. E não falhou ontem. Num ar solene, o debatedor-gaiato (ou seriam gaiatos todos os debatedores e todos da plateia?) lançou um desafio aos presentes no boteco. Qual desafio?

— Pago um cerva para quem entre vocês analistas de aplicações em fundos der a mais ‘abalizada’ opinião sobre como aqueles Lobos Guarás foram parar naquela gruta.

Nova risada geral. Geral e maliciosa risada.

Aí é que fedeu (no bom sentido, no bom sentido) as opiniões “abalizadas”. Inicialmente um dos debatedores levantou uma questão preliminar. A aplicação do dinheiro no fundo teria ocorrido ou não com a assistência de algum assessor financeiro ou legislativo? Se não, algum leigo no assunto de Administração Financeira teria auxiliado, nem que fosse para simplesmente ajudar a levar os Lobos Guarás até a gruta?

Neste ponto não houve consenso. Uns achavam que sim —que houve algum assessor auxiliando—, outros foram de opiniões que presente talvez só um leigo em esconder Lobos Guarás. E outro grupo de debatedores —e olha que a essa altura já havia mais de 14 botequeiros participando da conversa— foi de opinião que o vice-líder se virou sozinho.

Mas a opinião de cada segmento de botequeiros ali presente não era o mais interessante, ou hilário. O mais hilário e interessante foi a demonstração por mímica, expressão corporal, mais condizente com uma discussão de boteco.

E aí alguns se esforçaram na representação corporal para tentar demonstrar como teria ocorrido o levar a matilha de lobos até a gruta.

Teve de tudo, ou de quase tudo. Do botequeiro escanchar a perna em cima da mesa e falar? “Ou assessor, coloca a matilha na grota”. Outro imitou uma possível posição/método utilizado na operação. Qual? Por esforço próprio e individual do vice-líder, ele iria colocando as cédulas. Como não teria usado liguinha de borracha e nem clipes para prender as notas de R$200 teria havido um sacrifício. Cinquenta Lobos Guarás no fundo da grota...vinte escapavam. Mais 100 Lobos no fundo da gruta, e 70 fugiam. Uma canseira da zorra.

Mas um botequeiro, mas também malhador de academia, é que fez sucesso. Garantiu ele que a operação de levar a matilha até o fundo da gruta contou com algum assessor. Indagado como na opinião dele a operação teria ocorrido, o malhador não se acabrunhou. Pediu para afastarem um pouco as mesas para que ficasse um espaço vazio. Mostrando que era um atleta, plantou bananeira, se sustentando apenas com as mãos no chão. Afastou uma perna da outra e gritou: “Assessor, rápido. Bota toda a matilha  no fundo. No fundo da gruta

Bem, foi mais ou menos assim a cervejada ontem num boteco da região administrativa do Gama (DF).

É, conversa de boteco não presta, mas presta demais.

PS.: Na discussão que houve, ainda no boteco tratado acima, se os Lobos Guarás estavam amarrados com liguinhas de borrachas, cordão ou clipes, houve um debatedor que jurava que na agonia do vice-líder do governo Bolsonaro ao ver a PF, ele, o vice-líder, não tinha achado liguinhas, cordões ou clipes. O que ele encontrou foi um faixa de coroa de defunto, daquelas que a família e os amigos deixam uma mensagem de saudades e seus nomes. Mas sobre esta faixa não vou falar. Pelo menos agora. Dei muita risada quanto à faixa que, segundo o botequeiro, foi encontrada na gruta que os Lobos Guarás foram levados.