Terça, 26 de junho de 2012
Por
Ivan de Carvalho
1. Muitas pessoas e governos sul americanos estão considerando um golpe ou similar
o impeachment de Fernando Lugo, que
teve cassado em pouco menos de 30 horas seu mandato de presidente do Paraguai.
2. O governo brasileiro está, na prática – mas sem pronunciar a palavra
golpe – dando essa interpretação à decisão tomada pelo Parlamento paraguaio,
com processo formulado pela Câmara e julgado pelo Senado, sendo o impeachment aprovado por 39 votos contra
quatro – uma minoria arrasadora para o governo que caiu. A queixa mais intensa
nos meios da chamada “esquerda” paraguaia e nos governos que lamentam o
impedimento do ex-bispo católico é a de que não lhe foi dado tempo suficiente
para articular bem sua defesa. Verdade. Esse tempo, se dado, no entanto, também
serviria para articular e aumentar as pressões externas (que se avolumavam) e
mobilizações internas extra-parlamentares, que Lugo agora tenta articular com
atraso.
3. No Brasil, o único presidente alvo de um processo de impeachment foi Fernando Collor. Processo aberto na Câmara dos
Deputados a pedido da OAB e ABI e julgamento no Senado. Mas, durante a sessão e
antes da votação que iria cassar-lhe o mandato, Collor renunciou, em carta lida
no plenário por seu advogado.
4. A renúncia, ato unilateral e consumado assim que lido o comunicado, interrompia,
inutilizava e extinguia instantaneamente o processo de impeachment, impossibilitando o corolário constitucional da
esperada condenação – a suspensão dos direitos políticos por oito anos. Mas o Senado
Federal estava no embalo e não se conformou – ao arrepio da Constituição e para
satisfação própria e das massas, aplicou a Collor a suspensão dos direitos
políticos, quando já não podia declarar-lhe o impedimento, dando assim um
péssimo exemplo quanto ao respeito à Constituição.
5. Maus exemplos frutificam. Talvez esta seja uma das razões porque ela, a
Constituição de 88, continua sendo ainda violada e desconsiderada com tanta
frequência e intensidade. Os partidos envolvidos com o impeachment – quase todos –, assim como a OAB e a ABI, comemoraram,
e silenciaram sobre a violência inconstitucional tão bem demonstrada à nação
pelo senador e jurista baiano Josaphat Marinho, então no PFL, em memorável e
histórico discurso na sessão que deixou de ter um processo de impeachment para julgar, mas suspendeu
direitos que não podia suspender. E ninguém recorreu ao STF porque a democracia
brasileira não era (nem é ainda) tão forte assim.
6. No Paraguai, as acusações podem ter sido fracas, o tempo exíguo para uma
defesa ampla – ainda que tenha havido a defesa –, mas até aqui não foi
constatada infração à Constituição. O ex-presidente Lugo, aliás, entrou com uma
ação de inconstitucionalidade na Corte Suprema do Paraguai, mas ela foi
rejeitada.
7. Irritados porque Lugo sofreu impeachment,
os governos da Unasul, Brasil inclusive, mandaram seus chanceleres ao Paraguai
pressionar contra o processo de impeachment
e houve anúncio de suspensão do Paraguai da Unasul (união das nações da América
do Sul) e do Mercosul.
8. São os mesmos governos que não viram nem vêm os golpes sucessivos do
governo Chávez – alguns com aparência legal, outros nem isso –, que querem a
Venezuela dele no Mercosul, como querem o regime totalitário cubano na OEA e o
fim do embargo americano a Cuba, enquanto montam um embargo comercial ao
Paraguai, que, por enquanto, não é uma ditadura.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.