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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A crise no Tribunal

Quinta, 7 de novembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Existiu em certa fase um conceito irônico e parcialmente injusto – mas, por isto mesmo, parcialmente justo – sobre o Poder Judiciário baiano. Dizia-se nos meios jurídicos não somente do estado, mas brasileiros, que existiam três tipos de Justiça: a boa, a ruim e a baiana. As coisas chegaram ao ponto de dois desembargadores, Leitão Guerra e Eduardo Magalhães (irmão de ACM), decidirem aposentar-se antes de chegarem aos 70 anos que os levariam à saída compulsória. Pode-se definir a atitude dos dois como incompatibilidade ambiental.
         A ironia sobre os três tipos de justiça foi produzida por uma época em que o órgão máximo da Justiça baiana esteve submisso ao domínio político que Antônio Carlos Magalhães, durante quase quatro décadas (com dois intervalos de influência mitigada, mas ainda assim muito forte), exerceu no estado. O Poder Judiciário, especialmente o Tribunal de Justiça, não conseguiu ou não quis – por ação ou omissão da maioria de seus membros – colocar-se fora desse domínio, que se estendeu a um tribunal federal, o Tribunal Regional Eleitoral.
         Chegou-se ao paroxismo dessa fase de domínio carlista quando foi tentada a eleição do desembargador Amadiz Barreto para a presidência do Tribunal de Justiça. E foi aí que houve a insurgência, liderada por Carlos Alberto Dultra Cintra, que foi eleito presidente e daí em diante passou a ter uma influência predominante e duradoura no TJ. Recentemente, aposentou-se da magistratura.
         Agora, o Tribunal de Justiça da Bahia chega novamente a uma gravíssima crise. E esta, ao contrário das situações anteriores, é formal. Menos de um mês depois de afastar um ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, o Conselho Nacional de Justiça, por amplo escore, afastou o presidente e a ex-presidente do TJ da Bahia, Mário Hirs e Telma Britto. A razão que levou o CNJ a decidir instaurar processo administrativo disciplinar, foi a suspeita de irregularidades que poderiam montar a R$ 488 milhões na liberação e pagamento de precatórios, a maioria desses processos assinada pela então presidente Telma Britto e os demais pelo sucessor Mário Hirs.
         Houve uma certa surpresa e há curiosidade nos meios forenses, até porque Hirs não exibe sinais exteriores de riqueza e mantém um padrão de vida normal a um desembargador baiano. A Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB) solidarizou-se com ambos, ante as decisões do CNJ adotadas por “supostas irregularidades em cálculos de precatórios” e promete as medidas judiciais cabíveis – que só podem ser ingresso no Supremo Tribunal Federal contra o que decidiu ou parte do que decidiu o CNJ.
Já a seccional baiana da OAB emitiu nota, assinada pelo presidente Luiz Viana Queiroz, em que pede apuração “profunda e rápida” das irregularidades apontadas pelo CNJ em relação a Hirs e Telma Britto e “contra a desembargadora Sílvia Zarif e os ex-desembargadores Maria José Sales e Ailton Silva”, segundo o texto da nota da OAB, que se declara disposta a, logo que provocada, apurar irregularidades eventualmente praticadas por advogados, obviamente em relação ao caso em foco, mas, também, obviamente, sem excluir outros.
A medida de agora do CNJ não parece ter sido por falta de aviso. Em julho, a ministra do STJ, Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, dizia que o problema do Tribunal de Justiça da Bahia é de ser refratário a mudanças, de apresentar “resistência às mudanças”, observando: “Estamos com práticas antecedentes à Constituição Federal de 1988. Isto não pode, hoje o Poder Judiciário é fiscal das políticas públicas e vem como resultado esta ruim atuação que todo mundo sabe e não sou eu quem está dizendo”. Eliana fez o que pôde para produzir no Judiciário baiano as mudanças consideradas necessárias pelo CNJ, mas a então presidente do TJ, Telma Britto, segundo se comenta no meio jurídico, foi totalmente refratária. Na prática, confrontou a corregedora geral de Justiça e o CNJ. Com a substituição regulamentar de Eliana Calmon no CNJ, o novo corregedor geral de Justiça, Fabrício Falcão, levou o caso baiano em frente e, como ficou evidente, com o apoio do novo presidente do CNJ e presidente do STF, Joaquim Barbosa.
Resultem em que resultarem as apurações que serão feitas no âmbito do CNJ e sejam quais forem seus desdobramentos judiciais, a OAB – que já por seu então presidente Saul Quadros vinha cobrando do TJ melhor desempenho do Judiciário baiano – tem razão ao pedir do TJ-Ba uma “reflexão profunda acerca da crise institucional que assola o Poder Judiciário”, reflexão que, se feita com esmero, levará à conclusão de que um tempo novo é preciso no Poder Judiciário da Bahia.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.