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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A espionagem brasileira


Terça, 12 de novembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
José Simão, jornalista-humorista da Folha de S. Paulo, cuja coluna a Tribuna da Bahia publica simultaneamente, mistura espionagem com piada de português. Simples. O famoso e imbatível espião de Sua Majestade britânica costumava dizer: “Meu nome é Bond. James Bond”. O espião português não se deixou ficar atrás. “Meu nome é Kim. Joaquim.”
         Essa piada, publicada no fim de semana, se adaptado o seu personagem português a personagens da espionagem brasileira lotados na Agência Brasileira de Inteligência, certamente não se ofenderia se chamada, com ou sem ironia, de Agência Brasileira de Burrice.
         O aperfeiçoamento (ou transparência) da denominação é sugerido pela história que veio ontem a público. Uma trapalhada que deixaria com inveja o extinto grupo “Os Trapalhões”, que por muitos anos divertiu com uma graça meio sem graça (às vezes inteiramente sem graça) o seleto público da Rede Globo, que se confunde quase integralmente com o povo brasileiro.
         Agentes supostamente de inteligência (pelo menos, eram da Abin) vigiavam espiões americanos. Isso foi em 2009, muito antes de Edward Snowden produzir a formidável revelação de que o governo Obama esteve fazendo bisbilhotagem cibernética na Petrobras, no Ministério das Minas e Energia e no Palácio do Planalto, onde incluiu a presidente Dilma Rousseff. E, entre seus assessores, suponho, mas não posso provar, os principais responsáveis pela Abin.
Não se falou coisa alguma sobre o Palácio da Alvorada, o que certamente terá sido uma delicadeza americana, uma gentileza especial do presidente Obama e de sua NSA (ou seria da NSA e seu Obama, porque há muitas dúvidas sobre quem manda em quem nos Estados Unidos, mais até do que as de quem manda em quem aqui no Brasil).
Bem, voltando ao núcleo do caso, as coisas aconteceram em 2009, no Rio de Janeiro e o presidente da República era Lula, o cara. A operação (meu Deus, todos os cirurgiões protestariam se comparassem as cirurgias que fazem às operações dos oficiais da Abin envolvidos nessa trapalhada) era contra a CIA. Isto mesmo, contra a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, uma iniciativa de extrema ousadia e que exigia, naturalmente, extrema perícia.
Pois ousadia houve muita, mas perícia, nenhuma. A contraespionagem da Abin, como assinala a Folha de S. Paulo, que levantou a história, deixou os espiões americanos perceberem que estavam sendo seguidos. Deixar que isso aconteça é a maior besteira que se pode fazer em espionagem.
Imagino assim que os contraespiões da Abin andavam de chapéu (quem mais ainda usa chapéus, ressalvadas mulheres em alguns casamentos e enterros de gala), óculos pretos, ternos pretos e capas idem, apesar do calorão carioca – capas com as golas viradas para cima, cobrindo metade cara (a parte que a aba do chapéu e os óculos não ocultavam. E seguiam os agentes da CIA – eram dois – dia e noite. Talvez seguissem um deles durante o dia, o outro durante a noite, mas não foi divulgada informação sobre esse detalhe.
Bem, ante as circunstâncias descritas, era praticamente impossível os homens da CIA perceberem que estavam sendo seguidos. Mas perceberam, talvez por intuição, fenômeno já comprovado pela ciência de ponta e, bem antes, pelo povo, mais ainda negado, como outros, pelos cientistas amestrados e por tolos presunçosos. Bem, de qualquer maneira os dois americanos descobriram que estavam sendo seguidos, mas, equivocadamente, concluíram que o monitoramento era feito por criminosos. E temeram sequestro.
Ocorre que os americanos, verdadeiramente oficiais da CIA, estavam legalmente no país. Alejandro Nuñes e Guillermo de lãs Heras estavam lotados no consulado americano do Rio de Janeiro. O primeiro chegara em 2006 como “funcionário administrativo” e o segundo, um ano depois, e, nos registros do Itamaraty, figurava como um dos cônsules americanos no país. Em 2009, com medo de sequestro, procuraram o Departamento de Inteligência da Polícia Federal, com o qual tinham contato (imagino que a Abin não sabia disso!!!!!!!). Com a colaboração dos dois americanos, a PF armou uma blitz e abordou um carro com dois homens. Surpresa absoluta: eram agentes da Abin. Foram levados a uma delegacia e liberados sem demora.
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Artigo publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.