Sexta, 8 de novembro de 2013
Do Instituto Humanitas Unisinos
"Em recente entrevista, a presidente Dilma considerou a reação ao leilão de Libra
uma absurda xenofobia. Isso me permite acusá-la de fraca e mentirosa,
pois em 10 de abril de 2010 declarou, em pronunciamento no Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC: "Não permitirei, se tiver forças para isso, que o
patrimônio nacional, representado por suas riquezas naturais e suas
empresas públicas, seja dilapidado e partido em pedaços", escreve Carlos Lessa, professor emérito e ex-reitor da UFRJ, em artigo publicado no jornal Valor, 06-11-2013.
Segundo o economista, "é óbvio que o petróleo pertence ao Brasil".
E continua: "Sou carioca e fico surpreso que o tema sobre os
royalties ocupe espaço na mídia, aonde não se discute na profundidade
necessária o tema do petróleo, acentuando as rivalidades provincianas,
amesquinhando e mascarando a discussão-chave sobre o tema".
Eis o artigo.
A entrega de 60% do campo de Libra às estatais chinesas e à Shell e Total reservou para a Petrobras 40% (embora caiba sublinhar que pelo menos 31% de suas ações estão em posse de estrangeiros. As famílias Rothschild e Rockfeller já encarteiraram ações da Petrobras e estão também por trás da Shell e Total). O pré-sal foi partido em pedaços e seu melhor campo entregue à propriedade estrangeira. Em tempo: para a "The Economist", "simplesmente conseguir fazer o leilão é para ser comemorado". A presidente entregou Libra.
Relembrar a história ajuda. Desde o final da Segunda Guerra Mundial
um coro declarava que o Brasil não tinha competência financeira,
econômica, técnica ou gerencial para assumir a economia do petróleo. Walter Link, geólogo chefe aposentado da Standard Oil,
declarou, à época, que o Brasil não tinha boas chances de encontrar
petróleo nas bacias sedimentares terrestres e que, se houvesse petróleo,
estaria no mar. Esse juízo significava que o Brasil não tinha petróleo.
A partir da campanha "O petróleo é nosso", chefiada pelo general Horta
Barbosa, o povo brasileiro nas ruas apoiou a criação do monopólio do
petróleo. 60 anos depois, a Petrobras é a 4ª maior companhia de energia do mundo e equivale a 6,5% do PIB nacional.
Algum petróleo foi achado em terra, porém os geólogos brasileiros, em 1974, localizaram o poço de Namorado, em mar aberto, na Bacia de Campos. Em 2007, a Petrobras
descobriu o pré-sal no litoral brasileiro, formações a sete mil metros
de profundidade, com um potencial superior a 100 bilhões de barris
(somente Libra, que é o maior campo descoberto no mundo na última
década, provavelmente dispõe de mais de 10 bilhões de barris).
A presidente Dilma disse que "não é mole ser
presidente" e que "exige estudar continuamente". Agregaria que não deve
esquecer o que já aprendeu. Como economista, sabe que:
1- Dispor de um mercado cativo é motor de crescimento de uma empresa. A Petrobras
desfrutou do monopólio mercadológico do Brasil e, por isso, cresceu sem
parar e ganhou competência técnica para descobrir o pré-sal, que é
equivalente a divisas líquidas (com a vantagem de não correr o risco de
desvalorização de reservas cambiais);
2 - Qualquer empresa pode calibrar seu ritmo de
investimentos e abrir mão de ativos não estratégicos. É óbvio que o
Brasil pode desenvolver Libra sem entregá-la a propriedade de
estrangeiros. Por que a Petrobras não vende as refinarias de Pasadena e do Japão?
3 - Com energia abundante e relativamente barata, o Brasil pode aumentar a competitividade de suas exportações. Atualmente, a Petrobras subsidia gasolina importada, o que prejudica sua lucratividade e abre caminho para o discurso entreguista.
Dispor de amplas reservas mensuradas e acessíveis é deter o mais
importante e crítico recurso energético esgotável do planeta; isso pode
ser dom de Deus ou coisa do diabo. A história dos países exportadores de
petróleo é, quase sempre, assustadora - não é necessário mexer nos
arquivos da história, basta observar a estrutura social e os recorrentes
banhos de sangue nos países petroleiros. A exceção (que confirma a
regra) é a Noruega; no outro limite, está o Iraque; na corda bamba caminha o Irã.
Histórias pouco felizes se multiplicam: a Indonésia (país fundador da Opep) exportou petróleo a menos de US$ 2 o barril e atualmente importa petróleo a US$ 100 o barril; o México tem hoje uma situação inquietante.
São assustadores os riscos geopolíticos e geoeconômicos de exportar
energia não renovável. A Holanda aproveitou suas reservas de gás e,
vivendo abundância de divisas - podendo importar produtos industriais e
alimentos - desmantelou sua economia produtiva e, com a exaustão das
reservas, percebeu que havia perdido forças de produção, o que ficou
conhecido como "doença holandesa".
Os EUA consomem 28% do petróleo extraído anualmente
no mundo, dispõem de reservas insignificantes (para mais três anos de
consumo) e são absolutamente conscientes de sua vulnerabilidade. Suas
frotas, seus meios de bombardeio e sua espionagem têm, agora, uma
espetacular possibilidade eletrônica (com drones, matam e destroem, sem
qualquer perda de vida americana).
O Brasil, fronteiro à África e tendo a América do Sul à retaguarda, pode, a qualquer momento, integrar-se em uma hipotética "OTAS" (Organização do Atlântico Sul).
O pré-sal se distribui pela plataforma continental e, provavelmente, do
lado africano existe seu equivalente geológico. A Lei 8617, de 1993,
afirma o domínio e o aproveitamento do leito e subsolo do mar
territorial brasileiro; as áreas exclusivas estão a até 200 milhas
marítimas do território brasileiro (cada milha marítima tem 1.853
metros).
A Petrobras foi objeto de uma extensa espionagem eletrônica. A presidente Dilma, também devassada, por que não adiou o leilão?
O Brasil dispõe do pré-sal e da vantagem do conhecimento de sua
geologia. Por quanto tempo? Por que não aceleramos a construção da refinaria Abreu e Lima e do Complexo de Itaboraí?
Por que não admitimos que petróleo é uma questão de Estado e não apenas
matéria de governo? Por que não fazemos um plebiscito nacional sobre a
questão do petróleo?
É óbvio que o petróleo pertence ao Brasil. Sou carioca e fico
surpreso que o tema sobre os royalties ocupe espaço na mídia, aonde não
se discute na profundidade necessária o tema do petróleo, acentuando as
rivalidades provincianas, amesquinhando e mascarando a discussão-chave
sobre o tema.
A presidente Dilma disse, quando candidata: "O
Pré-sal é o nosso passaporte para o futuro; entregá-lo é jogar dinheiro
fora. O Brasil precisa desse recurso". Não é saudável imitar FHC e renegar suas próprias palavras como candidata. Por que anuncia, agora, aumentar para 30% o volume de ações do BB em Nova Iorque? Sem xenofobia, não quero classificá-la como cripto-entreguista.