Sexta,
15 de novembro de 2013
Por
Ivan de Carvalho
Está em vigor no Estado da Bahia uma
“taxa de incêndio” recentemente instituída por legislação aprovada pela
Assembléia Legislativa. Por uma iniciativa do regime militar, o Corpo de
Bombeiros, que tinha equipamento e homens capazes de atuar contra manifestações
populares de rua (passeatas de estudantes, mais frequentemente, ou eventuais
movimentações de origem operária ou partidária), foi militarizado, com sua
incorporação às Polícias Militares. Havia, por exemplo, o Brucutu, que era um
carro que, com a força do jato de água que as mangueiras dos carros de bombeiro
expelem, banhava e dispersava manifestantes.
O
veículo especial e sua arma líquida prestavam um serviço aos manifestantes,
pois lhes lavava a poeira e os libertava do calor, mas prestavam um desserviço
às manifestações, pois ajudavam (junto com as bombas de gás, os cassetetes
“fanta”, balas “de festim” e eventualmente, muito raramente, algum tiro com
munição real – ainda não estavam em uso o spray
de pimenta e as balas de borracha) a dispersar os briosos participantes das
manifestações.
As polícias militares, tornadas forças
auxiliares do Exército, haviam passado a ser, em cada Estado da Federação,
comandadas por um oficial – sempre um coronel do Exército, nomeado pelo
governador – que antes dessa mudança nomeava para o cargo um coronel da própria
corporação estadual. Mas, com a nova regra dos comandantes das PMs serem
coronéis do Exército, quando mais tarde os Corpos de Bombeiros, municipais até
então, foram absorvidos pelas PMs, eles passaram a ser submissos, não em
teoria, mas na prática, ao Exército, via coronéis do Exército comandantes das
PMs.
Com a democratização, supõe-se, as
corporações de bombeiros devem refluir para sua missão tradicional, apagar
incêndios e atuar em salvamentos, principalmente de pessoas e, eventualmente,
de animais. Perdendo sua função militarizada, deveriam ganhar autonomia, seja
de comando, seja de atuação, seja financeira, deixando de ser mero apêndice das
PMs. E, se alguma arrecadação houver por motivo de incêndio, real ou potencial,
toda ela seja para equipar e ampliar o próprio Corpo de Bombeiros, atualmente
tão raquítico que dá pena.
Tudo o que aqui foi dito vem a propósito
de uma “taxa de incêndio” recentemente criada na Bahia. Proposta do governo do
Estado aprovada pela maioria da Assembléia Legislativa. A base de cálculo para
o valor da taxa a ser paga é o consumo de energia elétrica, o que é um
disparate legal, visto que o potencial de causar incêndio não tem a ver com o
consumo de energia elétrica. Talvez algo a ver com o consumo de energia
resultante da queima de lenha, carvão, gasolina, álcool (ah, os bêbados!) gás
(de cozinha ou veicular) e localização das instalações numa latitude sujeita a
calor intenso e sol inclemente. Ou instalações na quais hajam crianças
brincando com fósforos, fogos de artifícios ou adultos soltando balões de São
João, malgrado as proibições. Uma barraca de venda de fogos de artifício ou um
fabrico deles não gasta muita energia elétrica, mas tem um forte potencial
incendiário.
Anuncia-se que está sendo aberto um
“canal de negociação” entre o governo e setores fortes da economia que se
julgam extremamente prejudicados, não somente por estarem convictos – assim
como a oposição na Assembléia Legislativa – de que há, na real, ainda que não
na fantasia tributária criada, uma bitributação sobre a energia elétrica, como
porque não há sentido em que o consumo de energia elétrica seja a base de
cálculo para o tal “risco potencial” de incêndio. Além disso, a divisibilidade relacionada
com o serviço prestado é característica indispensável a uma taxa. No caso, está
sendo alegada a ausência de divisibilidade dessa taxa. E na verdade, seria um
imposto com fim supostamente (porque apenas potencial) específico, o que não
pode, tanto como não pode haver bitributação sobre o consumo de energia, sobre
o qual já se cobra um obeso ICMS de 27 por cento (chegando a 32,90 por cento,
por causa das contribuições PIS e Cofins).
Como a Justiça está concedendo liminares
contra a cobrança da “taxa de incêndio”, o governo, meio no mato sem cachorro,
abriu um “canal de negociação”, principalmente com o empresariado.
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Este
artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia.
Ivan
de Carvalho
é jornalista baiano.