Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O comandante e o ciclista

Sexta, 8 de novembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Há tempos, costumava-se dizer que “nem tudo parece o que é” ou que “nem tudo é como parece”. Hoje, já existe uma tendência para radicalizar, principalmente na física – que é, no nosso Universo, tudo, já que até no âmbito espiritual trata-se com energias sutis, umas nem tanto, outras sutis ao extremo. Mas energias, que são da área da física. Assim, ganha progressivamente terreno o aforismo de que “nada é o que parece”.
         Para que não seja tal conclusão levada aligeiradamente à conta de uma rematada tolice ou coisa de maluco, vamos a um exemplo simples, que nenhum cientista ou estudante de física contestaria. Um trilho de trem. É uma peça muito sólida e dura – pelo menos os normais, pois existem também os chineses comprados para a Ferrovia Norte-Sul, considerados moles por especialistas (o governo desmentiu, claro), o que obrigaria os trens a trafegarem com menos velocidade do que a planejada e com redução do peso das cargas transportadas.
         Esse assunto ainda não ficou completamente esclarecido ou o esclarecimento definitivo não chegou ao conhecimento do público em geral. No ponto em que as coisas parecem (notem bem, apenas parecem) ter ficado, havia um certo temor de que os trilhos para a Ferrovia Oeste-Leste, a Fiol, com origem também na China, poderiam ser também do tipo “mole”, mas confiemos que isto haja sido uma desconfiança infundada.
         Mas, voltando à natureza do ferro, a solidez e dureza desse elemento esconde um fato que ocorre com todos os outros itens da tabela de elementos. Há, incomparavelmente muito mais espaço vazio em uma barra de ferro (por exemplo, um trilho de trem, ainda que da melhor qualidade), do que matéria, vale dizer, átomos e as partes dessa “partícula” cujo nome indicaria que seria “indivisível”, a menor de todas. No entanto, no tal trilho há muito mais espaço vazio que átomos de ferro e há também, dentro de cada átomo, muito mais espaço vazio que seus prótons, nêutrons e elétrons. Se o leitor for desconfiado, pode somar também as outras partículas que andam dando sopa em todo lugar, tais como neutrinos, bósons e até fótons, partículas de luz que não têm “massa detectável”.
         Assim, visto ser razoável a, digamos, teoria de que “nada é o que parece” e o que percebemos é uma formidável ilusão, real para nós, mas irreal na real (desculpe, Alex Ferraz, mas o trocadilho não é intencional, só parece), fico a pensar no aparentemente impensável, o roubo de que foi vítima o comandante geral da Polícia Militar do Estado da Bahia, coronel Alfredo Castro, quando, na quarta-feira à tarde, fazia sua caminhada na Orla, região da Boca do Rio.
         Lembrando: o coronel caminhava e usava o celular (ele tem responsabilidades grandes na segurança pública baiana, mas a maioria dos andarilhos que, durante a andança, usam o pequeno e supostamente charmoso – para os donos – crematório de neurônios o fazem por vício induzido pela propaganda e não por necessidade ou utilidade). Não parecem fazer o que fazem – pois, quase sempre, fazem apenas uma babaquice. A “moda” é um penduricalho dos babacas, ela se agarra a eles ou vice-versa.
         Não parece (olha esse negócio de parecer outra vez) ser o caso do coronel Alfredo Castro. Devia estar dando instruções aos subordinados, recebendo informações ou recebendo ordens dos dois superiores (o governador e o secretário da Segurança). Mas o roubo de seu celular durante o uso por um ciclista parece ter um simbolismo que não tem. O ladrão-ciclista não sabia quem era sua vítima. Se soubesse, seria altamente simbólico.
         Parece que o que aconteceu foi bem natural, no ambiente de insegurança pública geral em que vivem a capital, o estado e seus habitantes. Nesse caso – a exceção que confirmaria a regra – parece que o que parece é. Como também parece não ser mera coincidência que quase simultaneamente hajam sido divulgados números sobre mais uma redução de homicídios dolosos na Região Metropolitana de Salvador.
         Que me desculpem os freudianos. Deve ser a “sincronicidade” de que falava Karl Jung.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.