Terça, 8 de julho de 2014
Helena Martins – Repórter da Agência Brasil
Logo após a
notícia de que o atacanteNeymar ficaria fora da Copa do Mundo devido à lesão sofrida durante o jogo
do Brasil contra a Colômbia, na última sexta-feira (4), o jogador Camilo
Zuñiga, que alegouque a agressão contra o brasileiro não foi proposital, passou a sofrer
ameaças e a ser alvo de comentários preconceituosos nas redes sociais. Em
alguns desses comentários, ele chega a ser ameaçado de morte.
No Twitter, ao digitar “Zuñiga” aparece automaticamente
como termo associado a palavra preto. Os comentários, carregados de preconceito
racial, classificam o jogador de “preto desgraçado” e o comparam a “macaco”,
“bandido” e “assassino”.
E não apenas o jogador é agredido. Em uma postagem no
Instagram, a Colômbia é chamada de “país da cocaína”. Em várias fotos da
família de Zuñiga, multiplicam-se comentários ofensivos. Na foto em que a filha
pequena do atleta aparece ao lado da frase “Papi, te amo”, escrita na areia, o
jogador é chamado de “animal”. A criança é ameaçada e chamada de “puta”:
“Menina vai ser estuprada”.
Integrante do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério
critica a postura dos internautas e destaca que a situação evidencia o racismo
da sociedade brasileira. “A situação de racismo, principalmente no Brasil, onde
temos uma falsa ideia de democracia racial, é quebrada no momento em que há uma
tensão, como naquele jogo”, afirma Rogério, relembrando a partida que terminou com
a lesão de Neymar.
Ele destaca, contudo, que esta não foi a única
demonstração de racismo vivenciada no Mundial. “A Copa do Mundo tem mostrado
que esse é um assunto de grande importância porque os casos de racismo são
cotidianos, seja esse caso mais recente contra o jogador colombiano, no caso
dos espanhóis, que chamaram brasileiros de macacos, e em vários casos de
xenofobia”, diz o publicitário, que trabalha no acompanhamento da cobertura da
mídia em relação à questão racial.
Se atos de preconceitos não são novos, um elemento ajuda
as agressões a ganharem forma e a se proliferarem: as redes sociais. “Muitas
vezes, o anonimato e a possibilidade de fala livre faz com que as pessoas se
sintam mais à vontade para falar o que pensam. Tem um lado positivo, da
ampliação da comunicação, mas também negativo, de uma série de violações de
direitos humanos que a gente vê cotidianamente”, alerta.
O advogado da organização Geledés – Instituto da Mulher
Negra, Rodnei Jericó, lembra que casos de racismo são cotidianos. “Hoje a mídia
tem pautado, mas esse tipo de situação sempre existiu”, destaca. O advogado
pondera, contudo, que a exposição dos casos pode contribuir para a
conscientização e também para a responsabilização judicial.
Saiba Mais
Nas redes sociais não são encontrados apenas comentários
racistas relacionados ao caso. Em muitas postagens, internautas criticam a
postura preconceituosa dos demais, pedem cuidado e alertam que se trata apenas
de um jogo de futebol. Outros cobram que os jogadores brasileiros se manifestem
sobre as agressões, a fim de amenizar a situação. Diferentemente da campanha“#somostodosmacacos”, lançada pelo próprio Neymar, em abril, após Daniel
Alves ter reagido a um comentário racista na Europa, ainda há poucas
manifestações de personalidades na situação que envolve o colombiano.
Até agora, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a
Federação Internacional de Futebol (Fifa), que antes do início da Copa do Mundo
lançou a campanha #SayNoToRacism (#DigaNãoAoRacismo, em português), também não
se manifestaram oficialmente sobre o caso.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio
Rios, alerta que os comentários racistas podem terminar na Justiça, já que
racismo é crime tipificado no Artigo 20 da Lei 7.716/89, com pena de um a três
anos de prisão. “Isso não tem a ver com liberdade de expressão. É absolutamente
inaceitável qualquer discurso de ódio e violência”, afirma o procurador, que
destaca que as pessoas que proferiram os comentários podem ser denunciadas
judicialmente.
Rios avalia que o fenômeno da internet abriu a porta para
um grupo que “estava adormecido e se sente à vontade, até porque o anonimato da
rede facilita que haja essas intervenções”. O fato de o possível crime ser
cometido na rede pode agravá-lo. Isso porque, de acordo com a legislação em
vigor, a pena prevista é de dois a cinco anos de prisão e multa, quando o crime
ocorre por meio de veículos de comunicação.
Aqueles que ameaçaram o jogador também podem ser
incriminados, já que o crime de ameaça é abstrato, isto é, a ameaça não precisa
ser confirmada em ato para que seja considerada crime, segundo explica o
procurador.
Até agora, a procuradoria não registrou ações impetradas
sobre esse caso, mas é possível que o Ministério Público atue na identificação
da origem das agressões e, a partir da investigação dos fatos, dê início a um
processo criminal. Foi o que ocorreu em 2010, quando uma estudante de direito,
ao comentar o resultado das eleições presidenciais, escreveu no Twitter que
"Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino
afogado!". Menos de dois anos depois, ela foi condenada a um ano, cinco
meses e 15 dias de prisão pelo crime de racismo.
“A pessoa tem o direito de, dentro de determinados
limites, defender as suas ideias, desde que não ofenda a dignidade de outras
pessoas, sobretudo de grupos vulneráveis”, alerta o procurador, que lamenta
que, em uma Copa do Mundo que teve a luta contra o racismo como tema,
expressões desse teor ainda sejam verificadas.
O governo federal traçou a meta de fazer uma Copa sem
racismo e estimulou a exibição de faixas, nas partidas, bem como o
desenvolvimento de políticas locais de combate ao preconceito.
No Distrito Federal (DF) e na Bahia, por exemplo, as
secretarias de Promoção da Igualdade Racial fizeram campanhas específicas sobre
o tema. No DF, cinco postos da campanha “Copa sem racismo” foram montados nas
rodoviárias, no aeroporto e em lugares turísticos. “Para poder conscientizar as
pessoas que estão vindo sobre a legislação do Brasil e também divulgar o nosso
programa, o Disque Racismo”, disse à Agência
Brasil o secretário especial da Promoção da Igualdade Racial do
DF, Viridiano Custódio.
Na Bahia, a coordenadora executiva de Promoção da
Igualdade, Trícia Calmon, disse que o Centro de Referência de Combate ao
Racismo e à Intolerância Religiosa também ficou disponível para o recebimento
de denúncias. Além disso, a secretaria fez uma cartilha para informar sobre a
legislação brasileira, material que tem sido distribuído em pontos de grande
movimentação.
Até agora, contudo, esses equipamentos, tanto no DF quanto
na Bahia, não receberam uma denúncia sequer. O descompasso entre o que se vê
nas redes e o que se vê nos órgãos é explicado por Custódio como fruto da falta
de informação.
Para Trícia, o reduzido número de denúncias relacionadas
ao crime de racismo se deve ao “fato de [o racismo] ser muito banalizado e [de
haver] a descrença no Judiciário, por conta de morosidade ou porque o sistema
tem demorado ou não dado respostas satisfatórias nesses casos”.