Domingo, 16 de agosto de 2015

Do ESQUERDA.NET
Sob
a hegemonia do Ocidente, o sistema financeiro bloqueia metas da ONU, sabota
inovações dos BRICS e quer, agora, punir países que promovam mudanças sociais.
Por Joseph Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia)
14 de Agosto, 2015
Imagem: Carlo Giambarresi
A III
Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento reuniu-se
recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência aconteceu num
momento em que os países em desenvolvimento e mercados emergentes demonstraram
capacidade para absorver produtivamente enormes volumes de recursos. As tarefas
que esses países estão a assumir – investindo em infra-estrutura (estradas,
geração de energia, portos e muito mais), construindo cidades onde um dia
viverão milhares de milhões de pessoas e movendo-se em direção a uma economia
verde – são verdadeiramente enormes.
Ao mesmo tempo, falta no
mundo dinheiro que possa ser utilizado produtivamente. Poucos anos atrás, Ben
Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Banco Central) dos EUA, falou
sobre o excesso de poupança global. Apesar disso, projetos de investimento com
elevado retorno social estavam parados por falta de fundos. Isso continua a ser
verdade hoje. O problema, à época e agora, é que os mercados financeiros do
mundo – cuja função deveria ser intermediar eficientemente recursos de poupança
e oportunidades de investimento – fazem, ao invés disso, má alocação dos
recursos e geram riscos.
Há outra ironia. A maioria
dos projetos de investimento de que o mundo emergente necessita são de longo
prazo, assim como a maioria dos recursos disponíveis – biliões em contas de
aposentadoria, fundos de pensão e enormes fundos soberanos. Mas os nossos
mercados financeiros, cada vez mais incapazes de enxergar o longo prazo,
atravancam o caminho entre as duas partes.
Muita coisa mudou nos últimos
treze anos, desde que a I Conferência Internacional de Financiamento para o
Desenvolvimento ocorreu em Monterrey (México), em 2002. Na época, o G-7
dominava as políticas económicas globais; hoje, a China é a maior economia do
mundo (segundo o critério de poder real de compra das moedas), com poupança
cerca de 50% superior à dos EUA. Em 2002, as instituições financeiras
ocidentais eram consideradas mágicas em gestão de riscos e alocação de capital;
hoje, vemos que são mágicas em manipulação de mercado e outras práticas
enganosas.
Ficaram para trás os apelos
para que os países desenvolvidos honrassem seu compromisso de destinar pelo
menos 0,7% do seu PIB para a ajuda ao desenvolvimento. Algumas poucas nações
europeias – Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o
Reino Unido, em meio a sua austeridade auto-infligida – cumpriram as promessas
em 2014. Mas os Estados Unidos (que doaram 0,19% do PIB em 2014) encontram-se
muito, muitíssimo atrás.
Os países em desenvolvimento
e mercados emergentes dizem aos EUA e aos outros ricos: se não vão cumprir as
suas promessas, ao menos saiam do meio do caminho e deixem-nos criar uma
arquitetura de economia global que trabalhe também para os pobres.
Agora, os países em
desenvolvimento e mercados emergentes dizem aos EUA e aos outros ricos: se não
vão cumprir as suas promessas, ao menos saiam do meio do caminho e deixem-nos
criar uma arquitetura de economia global que trabalhe também para os pobres.
Não surpreende que os países hegemónicos, liderados pelos EUA, estejam a fazer
de tudo para frustrar tais esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de
Investimento em Infra-estrutura, para ajudar a destinar parte de seu excesso de
poupança para onde os recursos são extremamente necessários, os EUA tentaram
torpedear o esforço. O governo do presidente Barack Obama sofreu, então, uma
derrota dolorosa e altamente embaraçosa.
Os EUA estão também a
bloquear os caminhos do mundo em direção a uma lei internacional sobre dívidas
e finanças. Para que os mercados de títulos funcionem bem, por exemplo, é
necessário que se encontre uma forma organizada de resolver casos de
insolvência dos países. Hoje, essa forma não existe. Ucrânia, Grécia e
Argentina são exemplos do fracasso dos acordos internacionais existentes. A
grande maioria de países reclama a criação de um caminho para a reestruturação
das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser o maior obstáculo.
O investimento privado também
é importante. Mas as novas disposições de investimento embutidas nos acordos
comerciais que o governo Obama está a negociar, com os seus parceiros do
Atlântico e Pacífico, sugerem que qualquer investimento direto no exterior terá
agora, como contrapartida, uma acentuada limitação na capacidade dos governos
de regular o meio ambiente, a saúde, as condições de trabalho e até mesmo a
economia.
A posição dos EUA relativa à
parte mais disputada da conferência de Adis Abeba foi particularmente
dececionante. Como os países em desenvolvimento e mercados emergentes
abriram-se para as multinacionais, torna-se cada vez mais importante que eles
possam tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios ocorridos
dentro das suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm revelado
enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que empregaram na criação
de produtos inovadores.
Todos os países – tanto
desenvolvidos como em desenvolvimento – têm vindo a perder milhares de milhões
de dólares em receitas tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional
de Jornalistas Investigativos divulgou informações sobre fraudes e evasões
fiscais em escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de
Luxemburgo, um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa arcar
com o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks,
mas os países pobres não podem.
Integrei uma comissão
internacional, a Comissão Independente para a Reforma da Tributação de
Corporações Internacionais, que examinou as possibilidades de reforma do
sistema tributário atual. Num relatório apresentado à III Conferência
Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, fomos unânimes em
afirmar que o sistema atual está falido, e que pequenos ajustes não o vão
conserta. Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as corporações
são taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com base na
atividade económica ocorrida dentro das suas fronteiras. Os EUA e outros países
desenvolvidos têm feito pressão para que sejam feitos apenas pequenos ajustes,
a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico), o clube dos países mais ricos. Noutras palavras, os países de onde
vêm os fraudadores e evasores fiscais, poderosos politicamente, deveriam
conceber um sistema capaz de reduzir a evasão fiscal. A nossa Comissão explica
por que as reformas da OCDE, ajustes num sistema fundamentalmente falho são, na
melhor das hipóteses, simplesmente inadequadas.
Novas realidades geopolíticas
exigem novas formas de governo global, com mais voz para países emergentes e em
desenvolvimento.
Os países em desenvolvimento
e mercados emergentes, liderados pela Índia, argumentaram que o fórum
apropriado para discutir tais temas globais é um grupo já existente dentro das
Nações Unidas, o Comité de Especialistas em Cooperação Internacional e Assuntos
Tributários, cujo estatuto e orçamento têm de ser aumentados. Os EUA
opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a
governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.
Novas realidades geopolíticas
exigem novas formas de governo global, com mais voz para países emergentes e em
desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba, mas também mostraram que
estão no lado errado da história.
Tradução de Inês
Castilho para
o Outras Palavras