O Congresso Atual reflete muito a sociedade
Jean Wyllys parece cada vez mais confortável no
Congresso. Um dos principais defensores das bandeiras sociais, especialmente
ligadas à causa LGBT, o deputado eleito pelo Rio de Janeiro mostra-se seguro e
certeiro a cada confronto, seja com parlamentares ligados a causas
conservadoras, seja quando as críticas são direcionadas ao governo da presidente
Dilma Rousseff...
Durante
entrevista de mais de uma hora, na tarde da última quinta-feira, numa sala da
liderança do PSol na Câmara, Wyllys criticou os cortes orçamentários nas áreas
de Educação e Saúde, atribuiu parte da insatisfação popular com Dilma às
medidas do ajuste fiscal e disse que a luta por direitos das minorias não está
entre as prioridades do governo. “Não era o que eu esperava. Não foi o
compromisso que ela e a equipe de campanha fizeram informalmente comigo quando
eu decidi apoiá-la no segundo turno”, afirmou.
O deputado
destacou ainda que a capacidade crítica de movimentos sociais em relação ao
governo foi prejudicada à medida que os governos petistas, especialmente
durante a gestão Lula, levaram representantes de entidades para dentro da
administração pública.
Sobre o momento
atual, Wyllys acredita que houve um recuo das críticas à gestão Dilma devido ao
medo do mercado financeiro e dos grandes empresários de que se chegasse a um
cenário irreversível de instabilidade política. Ele também avaliou a atual
força do conservadorismo no Congresso, a atuação do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, e as manifestações marcadas para hoje.
Em que o Congresso atual reflete a sociedade?
Acho que o
Congresso atual reflete muito a sociedade. E reflete, sobretudo, um modelo
eleitoral. Reflete como se dão as eleições no Brasil. Vence quem tem dinheiro.
O Congresso mais conservador significa que a
sociedade está mais conservadora?
O Congresso
mais conservador não quer dizer, necessariamente, que a sociedade esteja mais
conservadora. A novidade deste Congresso é a ampliação de pessoas ligadas às
igrejas neopentecostais, às forças de segurança e aos grandes negócios.
O papel do parlamentar deve atender às demandas do
povo ou tomar atitudes adequadas ao país?
Você precisa de
alguma popularidade para se eleger, mas, se quiser governar, tem que ser
impopular. Para mim, política é isso: discernimento. Você nunca vai me ouvir
dizendo aquilo que as maiorias querem ouvir, apenas para agradá-las ou para
garantir meu próximo mandato. Estou deputado, não quero me perpetuar aqui.
A proximidade dos movimentos sociais com os
governos do PT atrapalhou a atuação desses setores?
A relação dos
movimentos sociais com o PT era esperada. O problema é quando o presidente Lula
coopta as lideranças desses movimentos e os torna gestores públicos. Isso tira
a capacidade crítica dos próprios movimentos em relação ao governo. Se
continuassem independentes, a pressão sobre o governo poderia ser muito maior,
e poderíamos ter tido mais avanços nessa área.
Houve estelionato eleitoral no tocante aos direitos
sociais?
No caso de
Dilma, especificamente, ela fez, no segundo turno (de 2014), um compromisso
textual, com cinco pontos para que nós, da esquerda, nos engajássemos na
campanha dela: casamento igualitário; lei de identidade de gênero; direitos
sexuais das mulheres; dos povos indígenas; e revisão da política de drogas.
Esses cinco pontos, até agora, não foram implantados.
Como as mídias sociais influenciam o debate público
do país?
O impacto é
profundo, mas nem todo mundo que está na internet tem as habilidades e as
competências para distinguir entre notícia falsa, verdadeira ou difamação.
Também tem poucas habilidades para lidar com a explosão de diversidades que
esses meios expressam. O ódio, o xingamento e o diálogo de surdos são, em
grande parte, frutos da falta de convivência com uma realidade com que, até
então, essas pessoas não lidavam.
Por que houve uma exclusão das questões de gênero
no Plano Nacional de Educação, inclusive nas propostas regionais? Houve falta
de entendimento?
Existe falta de
entendimento, mas existe muita má-fé. Tem pessoas instrumentalizadas — que são
aquelas que não têm entendimento —, mas aquelas que instrumentalizam têm
bastante entendimento.
Há, na Câmara, dificuldade para que parlamentares
defendam determinadas causas sociais e direitos individuais?
A tradição
política sempre estabeleceu o que é a grande política, aquilo que são os temas
nobres da política. O que é prioridade? Os temas da economia, das relações
internacionais e as próprias relações políticas, o processo eleitoral, os
acordos. Mas, enquanto a “inteligência” e esses meios de representação operam
dessa maneira, há um movimento nessa sociedade que esteve deslocada da
política. O que ocorre é que muitos deputados não entenderam isso. Quando você
levanta esses temas, existe um custo muito grande.
Qual é a expectativa do senhor em relação às
manifestações de domingo?
Acredito que há
um segmento da população que não se conforma com o resultado das eleições. Foi
um resultado apertado em que a presidente Dilma ganhou com uma margem de votos
não muito grande. E isso estendeu o terceiro turno, que não acaba nunca. Acho
que esses segmentos estarão nas ruas.
A presidente Dilma está desgastada, há uma
insatisfação...
Ela apresentou
um pacote de ajuste fiscal que afetou a vida das pessoas. E não há como a
popularidade dela se manter sendo bombardeada diuturnamente por uma cobertura
jornalística que tem a intenção de tirar a popularidade dela. Com isso, não
estou defendendo o governo do PT — ao qual tenho muitas críticas. Eu faço uma
oposição a esse governo.
Mas houve falhas da presidente.
O governo da
Dilma é do PT, porque ele é o capitão do navio. Mas há outros tantos partidos
que agora estão abandonando o navio, claramente ante o risco de naufrágio.
Aliás, esse é o comportamento dos ratos. Esse governo é um governo do PMDB, do
PP, foi até ontem o governo do PDT, é o governo do PSD, é o governo do PTB.
O fato de a presidente não defender abertamente
algumas pautas de direitos humanos faz com que ela perca apoio?
O governo está
numa encruzilhada justamente por isso. Ele fez uma opção de agradar ao mercado,
às forças que são antipetistas. E não fez nenhuma sinalização do lado de quem
fez a diferença no segundo turno das eleições, que foram os movimentos sociais
de esquerda e as figuras públicas de esquerda. Nós esperávamos um mínimo de
aceno. E a presidente Dilma não fez. Agora, uma coisa é a gente criticar a
Agenda Brasil, do (presidente do Senado) Renan Calheiros (PMDB-AL), acatada
pela presidente Dilma, e o pacote de ajuste fiscal apresentado pelo (ministro
da Fazenda) Joaquim Levy. Outra coisa é aderir ao golpismo.
O PSol teve, há pouco tempo, uma saia justa com um
deputado eleito, o Cabo Daciolo (RJ), que se mostrou contrário às bandeiras do
partido...
Sim, mas não
sei se foi estelionato eleitoral, porque deconheço o que ele prometeu na
campanha. Entretanto, no momento em que ele foi eleito e começou a contrariar o
programa do partido nas suas colocações legislativas, automaticamente, a gente
reagiu para evitar o estelionato eleitoral no Legislativo, e o expulsamos.
Qual o peso do programa Big Brother Brasil na sua
eleição?
É óbvio que o
Big Brother tem um significado enorme na minha vida, mas não para a minha
eleição. Eu tive 13.300 votos na primeira eleição (em 2010). E tive 50 milhões
de votos na final do Big Brother (em 2005). Quando me filiei ao partido, já
estava, deliberadamente, afastado do circo midiático das celebridades. As
pessoas souberam que eu era candidato quando eu estava eleito, e voltaram a associar
uma coisa à outra.
Por que o senhor decidiu participar do programa?
Porque eu tinha
curiosidade acadêmica. Fui para o programa porque era o meu objeto de estudo de
doutorado. O Big Brother era o tema do doutorado que nunca consegui terminar.
Ele está trancado por causa da legislatura.
Esse tema ainda lhe interessa?
A cultura de
massas sempre me interessou. Eu fui criado nessa cultura, mas nunca me
emburreci por causa disso. A televisão nunca me afastou da literatura, por
exemplo. Quero mostrar que o consumo cultural dos pobres não leva,
necessariamente, ao emburrecimento.
Como é a sua rotina em Brasília fora do Congresso?
Eu conheço
pouco a cidade. Saio daqui (Câmara), vou para meu apartamento e tenho muita
coisa para ler. Como eu escrevo e dou aulas, tenho que preparar essas coisas.
Quando eu saio, vou ao cinema. Eu tenho bicicleta aqui. Quando posso, passeio
na ciclovia. Mesmo no Rio de Janeiro, que é a minha cidade, eu saio mais para o
teatro com amigos. Não nos transformamos ao ponto de um parlamentar
assumidamente gay poder ser, tranquilamente, gay. Não posso me expor, porque
qualquer coisa que sirva à minha difamação não vai apenas me difamar, vai
difamar toda a comunidade a que eu pertenço.
Quanto a Câmara perde com Eduardo Cunha na presidência?
O Congresso
perde na medida em que Eduardo Cunha é um cara com uma ficha corrida
preocupante, que prejudica a relação da pessoa com a política. Como é que você,
um cidadão, reage ao saber que o presidente da Câmara federal tem um histórico
de acusações de escândalos de corrupção?
O senhor esperava que outros partidos, além do
PSol, pedissem o afastamento dele?
Esperava. Para
nós, foi uma surpresa, foi frustrante saber que só nós pedimos o afastamento. E
o que ele tem colocado como agenda legislativa é um horror para a ampliação de
direitos e da cidadania. Eduardo Cunha é um movimento contrário à Constituição
de 1988.
Um episódio em que ficaram muito claros os ataques
ao senhor foi aquele envolvendo o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Como se deu
aquilo?
Muita gente me
odeia. Ponto. E me odeia porque eu rasuro o lugar em que ela coloca os
homossexuais no imaginário dela. No imaginário dela, ser homossexual é estar
condenado a um destino imperfeito. Os homossexuais, no máximo, podem ser
artistas ou esticar o cabelo das mulheres no fim de semana em salão de beleza.
Para essas pessoas, homossexuais não podem ocupar cargos executivos. Não podem
ser editores de grandes jornais. Não podem ser executivos de grandes bancos nem
tampouco parlamentares. Se ele chegar a ser parlamentar, que fique no exotismo,
como o (ex-deputado) Clodovil (PTC-SP) ficou, que sirva a esse estereótipo.
Então, as pessoas viram no episódio do Bolsonaro a chance de extravasar esse
ódio, com a justificativa de que fui intolerante. Esse canalha deu uma
entrevista numa emissora de televisão dizendo que se mudaria da rua caso ele
tivesse como vizinho um casal homossexual, disse que ser homossexual é falta de
porrada, desrespeitou os familiares de presos políticos desaparecidos durante a
ditadura militar. As pessoas não poderiam achar que eu ficaria do lado desse
homem, que não é um amador, numa viagem em que ele aparece do nada, me
filmando. Prontamente me retirei (da poltrona em uma aeronave comercial) e não
disse uma palavra.
Teria outro parlamentar do qual o senhor não se
sentaria ao lado?
Não.
Eduardo Cunha?
Sentaria. Não
sairia do lado dele.
Fonte: Leonardo Cavalcanti, Marcella Fernandes e Paulo de Tarso Lyra
com foto de Minervino Junior/CB/D.A Press
Fonte: Blog do Sombra