Quarta, 10 de fevereiro de 2016
Da Auditoria da Cidadã da Dívida
Esse texto foi enviado como resposta à Folha de S. Paulo, porém
foi publicado apenas parcialmente no Painel do Leitor, na versão
impressa do jornal. No site da Folha de S. Paulo não se encontra
qualquer versão do texto. Segue abaixo, a íntegra:
Somos todos auditores
Maria Lucia Fattorelli [i]
O veto de Dilma à realização da auditoria da dívida com participação
da sociedade civil tem provocado reações equivocadas, como a de Laura
Carvalho publicada pela Folha em 21/01/2016.
A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988 e nunca
foi realizada. Portanto, lutar pela auditoria significa defender a
Constituição.
Se a dívida é pública e tem sido paga por todos nós, precisamos saber
que dívida é essa, como ela surgiu, quem se beneficiou, onde foram
aplicados os recursos, quanto efetivamente recebemos e quanto é
referente a mecanismos que geram dívida sem contrapartida, decorrentes
de operações não transparentes realizadas pelo Banco Central (swap
cambial e compromissadas).
Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos rentistas detentores dos títulos é “informação sigilosa”.
A auditoria se fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina.
A dívida brasileira cresce aceleradamente e tem o custo mais elevado
do mundo devido aos injustificáveis juros abusivos. A dívida federal
interna alcançou R$ 3,8 trilhões, desde setembro/2015, e a externa
bruta, US$ 556 bilhões.
Todo ano, o pagamento de juros e amortizações dessa dívida consome
quase a metade do orçamento federal. Em 2015, consumiu cerca de R$ 1
trilhão, sendo a maior parte referente a juros sobre juros, o que
configura Anatocismo e é ilegal.
Muitos desconhecem o disposto no art. 167 da Constituição, que proíbe
a utilização da dívida para pagar despesas correntes, tais como juros,
salários, gastos de manutenção da máquina pública, entre outros.
Conhecida como “Regra de Ouro”, tal proibição não tem sido levada em
conta quando se trata de privilégio aos rentistas, já que o governo tem
emitido títulos para pagar juros, aumentando a dívida em escala
exponencial.
Os órgãos de controle não auditam a dívida pública e o Portal da
Transparência não detalha seus pagamentos, apesar de ser o maior gasto
federal.
O superávit primário representa apenas parte dos recursos destinados
ao pagamento anual da dívida (receitas tributárias e de privatizações).
Outras fontes vão diretamente para a dívida, tais como: emissão de novos
títulos; juros e amortizações pagos por estados e municípios à União;
lucros do Banco Central e de empresas estatais; rendimentos do Tesouro.
Laura Carvalho afirma que “não há dúvidas de que bandalheiras
históricas estão na origem de parte da dívida atual”. Sucessivas
renegociações da “bandalheira original” não tornam a dívida atual
regular. Algo nulo na origem é sempre nulo. Daí o mérito da auditoria
desde a origem.
A anulação de 70% da dívida externa do Equador se respaldou na
auditoria que comprovou ilegalidades e fraudes, como a transformação
Brady, em Luxemburgo, de dívida prescrita em novos títulos. O histórico
da nossa dívida naquele período é idêntico, tendo sido transformada em
títulos em Luxemburgo para em seguida servir de moeda para comprar
empresas privatizadas, ou transformar-se em outros títulos da dívida
externa ou interna, que no início do Plano Real pagavam taxas que
chegaram a 45%!
A dívida é um esquema de transferência de recursos públicos para o
setor financeiro, como evidenciam os bilionários lucros dos bancos,
apesar da desindustrialização, queda no comércio, desemprego e até
encolhimento do PIB.
A dívida tem sido a principal responsável pelo cenário de escassez em
que vivemos, incompatível com a nossa realidade de abundância. Por isso
exigimos completa auditoria, com participação cidadã.
[i] Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida