Terça, 11 de abril de 2017
Daniel Mello - Repórter da Agência Brasil
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve hoje
(11) a anulação dos julgamentos dos 74 policiais militares acusados de
participar do Massacre do Carandiru, em outubro de 1992. A 4ª Câmara
Criminal do tribunal analisava a possibilidade de absolver os réus,
hipótese levantada pelo voto divergente do desembargador Ivan Sartori em
setembro de 2016, quando o resultado do júri foi considerado nulo. Com a
anulação, os policiais militares acusados de participar do massacre
serão julgados novamente.
Quatro desembargadores entenderam que
apenas o júri pode decidir pela condenação ou absolvição em caso de
crimes intencionais contra a vida. “Quando se quer absolver alguém, que o
faz é a primeira instância. Nós estaríamos atravessando uma situação
que só a primeira instância poderia trabalhar”, enfatizou o relator,
desembargador Luís Soares de Mello.
Já
o desembargador Sartori manteve a posição pela absolvição dos
policiais, manifestada na sessão de setembro do ano passado. “Não se
sabe quem atirou em quem. Se não existe o exame balístico, não existe
uma condenação dessa forma. Nunca se viu isso na história, uma
condenação conjunta”, disse, ao argumentar que não há elementos que
apontem quais foram os crimes cometidos pelos acusados individualmente.
Massacre
No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos
em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São
Paulo. Conhecido como Carandiru, o presídio inaugurado em 1920
funcionava na zona norte da capital. O local chegou a abrigar 8 mil
detentos no período de maior lotação. A unidade foi desativada e
parcialmente demolida em 2002.
Saiba Mais
Por
envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi dividido,
inicialmente, em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um
dos pavimentos da casa de detenção. Setenta e três réus foram condenados
a penas que variam de 48 a 624 anos. Um dos acusados foi julgado em
separado, e também condenado.
Recursos
O
Ministério Público de São Paulo recorreu ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a anulação dos
julgamentos. “Queremos que os superiores tribunais possam examinar esse
recurso em caráter breve, antes que essa causa possa voltar a ser
julgada pelo júri”, ressaltou a procuradora Sandra Jardim.
As
condenações coletivas fazem sentido, segundo ela, devido à forma como as
ações foram cometidas. “Nós estamos falando de crimes coletivos, onde
cada um contribui para a obra do outro, como uma colaboração. Não
precisa ser responsabilizado apenas aquele que atira”, argumentou.
Uma
das advogadas que defende os policiais, Ieda Ribeiro de Souza,
discordou da tese que prevaleceu entre os magistrados, de que somente os
jurados poderiam absolver os réus. “Essa soberania [do júri] é
extremamente limitada. Eu não posso ter uma soberania quanto ao efeito
extensivo.” A defesa entende que absolvição de três réus, que, segundo a
promotoria, não participaram dos atos dentro do presídio, deveria ser
estendida aos demais.
Desagravo
O outro
advogado dos réus, Celso Vendramini, usou grande parte do tempo a que
teve direito no plenário para defender o desembargador Sartori. Durante o
primeiro julgamento que anulou o júri, o magistrado, então relator do
caso, foi criticado nas redes sociais e em vários veículos de
comunicação por afirmar que não houve massacre no Carandiru, mas
legítima defesa dos policiais. O magistrado também publicou suas
opiniões nas redes sociais.
“Denegriram a imagem de um homem que
foi presidente dessa casa, ilibado e honesto”, disse Vendramini sobre as
críticas a Sartori. “O que eu vi foi o achincalhe, a crucificação de um
desembargador”, acrescentou, virando-se para os jornalistas que
acompanhavam o julgamento de hoje. Outros desembargadores também
manifestaram solidariedade a Sartori. “Quando se atinge um magistrado de
36 anos de carreira, se atinge a todos nós”, disse o desembargador
Soares de Mello.
Na época da anulação do júri, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) chegou a abrir um procedimento para apurar a
conduta de Sartori. O processo atendeu a uma reclamação
de 60 juristas, jornalistas e organizações não governamentais – entre
elas a Conectas, a Justiça Global, o Instituto Vladimir Herzog, o
Instituto Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A moção
acusava o desembargador de quebra de decoro, falta de isonomia e
imparcialidade na condução do caso.