Quarta, 19 de abril de 2017
Maíra Heinen - Repórter do Radiojornalismo
“Vendo
lixo e não tenho vergonha de falar, na minha caminhada foi fome,
violência, pobreza e roubar. Nasci pra sofrer, pode crer, pra cair,
levantar, errar e aprender. A caminhada é dura, tudo é fase. Zona oeste é
meu lugar, nesse canto da cidade. Eu sou a voz ativa da periferia, a voz
dos oprimidos, a voz dos loucos, das minas e dos bandidos, dos
esquecidos pela sociedade, dos humildes que não têm vez aqui nessa
cidade.”
A melodia e a letra notadamente urbanas do rap servem de
canal para expressar as angústias do catador de material reciclável e
indígena wapixana Charlesson da Silva, de 18 anos. Ele não tem vergonha
de trabalhar como catador em Boa Vista, capital de Roraima, mas o que
quer para o futuro está fora dos lixões.
“Melhorar de vida,
melhorar a vida da família também. Voltei a estudar, né? E quero me
formar em direito. Tem o rap, mas também quero ter um trabalho assim,
bacana”, conta.
O rapper é o orgulho da mãe, Mara Wapixana. Ela
também coleta material no lixão, mas não vai ao local com frequência.
“Não desejo isso aqui pra ninguém, mas para não tá pedindo nem tá
roubando por aí, a gente fica por aqui mesmo.”
A montanha de lixo
à beira da BR-174, os urubus e o forte cheiro do chorume fazem parte do
ambiente de trabalho desses indígenas. O lixão acaba sendo a última
possibilidade na busca pela sobrevivência, como conta o presidente da
Organização dos Indígenas da Cidade, em Boa Vista, Eliandro Pedro de
Sousa. “Para quem não aguenta mais estar naquela situação de trabalho de
exploração da mão de obra, muitos não veem outra saída para sair
daquela situação, senão fazer a coleta seletiva no lixo. O fundo do poço
da questão indígena urbana é a presença no lixão.”
Para buscar
visibilidade e saber as principais demandas desses trabalhadores, o
projeto Nova Cartografia Social da Amazônia começou, em 2013, a atuar
com os indígenas coletores de material reciclável na capital de Roraima.
A maioria dos índios demandava a regularização da profissão de catador e
o acesso a documentos. A coordenadora da equipe de trabalho do projeto,
Marineide Peres da Costa, conta que grande parte dos indígenas é
formada por estrangeiros, principalmente da Guiana e, mais recentemente,
da Venezuela. Para ela, o local é desolador.
“É um ambiente
muito pesado. Tá certo que é uma classe trabalhadora, mas ela não é
valorizada. Elas não conseguem a sustentabilidade do próprio trabalho. É
muito desvalorizada, principalmente as mulheres que estão ali em cima”,
conta.
Funai
A Funai acompanha de forma
tímida a situação dos indígenas catadores, como define o próprio
coordenador da fundação em Boa Vista, Riley Mendes. “Quando a gente
começou a acompanhar, eles se dispersaram. Eles não queriam ser contados
como catadores de lixo. Foi muito tímido ali no início. Mas eles não se
identificavam como indígenas. Eles não queriam ser identificados como
indígenas.”
Para alguns indígenas, a melhora de vida pode vir com
a adequação do local à Lei de Resíduos Sólidos, com a atuação de
cooperativas e de uma usina de reciclagem. O aterro sanitário de Boa
Vista deve se adequar à lei até meados de 2018, segundo a Secretaria
Municipal de Meio Ambiente de Boa Vista. Os catadores, de acordo com o
secretário Daniel Peixoto, serão contemplados. Mas há um porém em
relação a indígenas estrangeiros.
“Não cabe a responsabilidade da
prefeitura nesse sentido. Se ele estiver ilegal no país, eu não tenho
como botar ele para trabalhar”, disse.
Mas a possibilidade de
mudança no lixão anima Márcio Wapixana, que espera trabalhar com
carteira assinada. “Vai ser carteira assinada, né? Aí vai ser bom agora.
A vida vai melhorar, de muita gente. Ainda mais para o pessoal daqui,
que precisa muito. Vão ser abertas três cooperativas, né?”