CARTA ABERTA
Ao cidadão de bem que ama Brasília e acredita que a ciência deve ser
a norteadora das políticas públicas no Distrito Federal
Mônica Veríssimo dos Santos, doutora em Geologia, geógrafa.
Secretária-Executiva do Fórum das ONGs Ambientalistas do DF/ Conselheira no Conselho de Meio
Ambiente do Distrito Federal/ Conselheira no Conselho de Recursos Hídricos do Distrito Federal/
Conselheira no Comitê Distrital da Reserva da Biosfera do Cerrado/Conselheira no Conselho
Nacional da Reserva da Biosfera do Cerrado/Conselheira na Comissão Brasileira para o Programa
Homem e a Biosfera da UNESCO/ Professora no CEAM -UnB/ Associdado do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios- ICOMOS-Brasil
Fui vítima ontem, 26/11/18, dentro da Câmara Legislativa do Distrito Federal
(CLDF), da pior violência que pode ocorrer a um cidadão, mulher, pesquisadora e à
democracia neste País. Tentaram calar a boca, à força, de uma professora por dizer a
verdade, baseado em dados científicos, sobre os prováveis impactos ambientais e
urbanos e de sustentabilidade, que irão reverberar negativamente para a qualidade de
vida dos cidadãos e dos sistemas naturais, caso o Projeto de Lei (PL), que trata do Uso
e Ocupação do Solo no Distrito Federal (LUOS), seja aprovado na CLDF.
Inicialmente, a LUOS foge completamente aos princípios da Nova Agenda
Urbana (NAU), proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) e acatado pelo
Brasil. A NAU é a base de um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS),
especificamente o ODS 11, Cidade Sustentável. Cabe destacar que o Governo do
Distrito Federal, em 2017, se comprometeu a implementar os ODS. Estes passaram a
ser os norteadores de TODAS as políticas públicas do Distrito Federal até 2030.
Logo, a LUOS, que é a primeira delas, entrou na Câmara Legislativa sem nem ao menos
o PL citar a NAU e os ODS como seus norteadores. A menção é apenas ao Plano Diretor
de Ordenamento Territorial – PDOT, concluído há quase dez anos, dentro de uma
realidade totalmente diversa da atual, em relação às questões urbanas, ambientais,
sociais, políticas, econômicas e patrimoniais. Sem contar a esquizofrenia do GDF, que
iniciou a revisão do PDOT, a ser aprovado em 2019, tendo uma LUOS que se baseia a
partir de um olhar pelo retrovisor de um instrumento de política pública antigo.
A LUOS continua a trazer os vícios das políticas públicas que existem há
quarenta anos no Distrito Federal. O Território permanece como um imenso
puxadinho de interesses imobiliários e decisões desconectas e de curto prazo. A
regularização do irregular é a palavra de ordem de todo governo. Tudo isso feito por
burocratas e políticos que passam por cargos públicos ao longo da história. O resultado
mais recente dos caos urbano e ambiental é a crise hídrica. Esta foi a “gota d’água” que
fez a população acordar para a falta de visão integrada e de longo prazo das políticas
públicas territoriais e ambientais. Sem contar a eterna pecha, que nenhum governo
consegue acabar, que é Brasília ser a metrópole que detém o maior apartheid social, a
maior favela horizontal e um dos piores níveis de arborização urbana do País, mesmo
Brasília sendo cidade-parque e termos bairros com imensas áreas verdes (Lago Sul,
Lago Norte e Parkway).
A LUOS é uma imensa colcha de retalhos coloridos de lotes espalhados em
diversos mapas que cobrem as áreas urbanas do Distrito Federal. Embora fosse
obrigatório, não há no PL nenhuma indicação dos impactos ambientais que as
ocupações dos lotes irão trazer. Nem é mencionado a demanda de infraestrutura e
serviços básicos, incluindo esgoto, energia, transporte e mobilidade, que serão necessários para as densidades construtivas propostas. Nem quanto tudo isso irá
custar ao erário. De onde virão os recursos. Se eles serão públicos e/ou privados. Qual
o prazo para implantação de toda a infraestrutura.
No caso específico da bacia do Lago Paranoá, este reservatório passou a ser
fonte de abastecimento para a população. Entretanto, devido ao nível de poluição
atual, é preciso revegetar a bacia, recuperar a qualidade dos cursos d’água e impedir
novos empreendimentos urbanos. Logo, a proposta da LUOS deveria ser na direção de
manter as áreas verdes, ainda existentes, intactas na bacia do Paranoá e impedir mais
poluição que já chega ao reservatório. Mas a proposta da LUOS vai na contramão da
NAU. Há ocupação de áreas de nascentes, como é o caso de um imenso lote ao lado do
Parque Ecológico do Guará, que ainda trará impactos a essa unidade de conservação e
irá gerar aporte de sedimentos ao córrego Guará, já extremamente assoreados. Sem
contar que não há previsão no PL da LUOS de novos equipamentos públicos como
hospitais, escolas e postos policiais nas novas áreas propostas.
A visão integrada do Território, incluindo a Região Metropolitana de Brasília, as
conexões urbano/rural e a sustentabilidade permanecem como peças de discurso. O
conhecimento científico, que deveria dar suporte às decisões políticas e embasar as
políticas públicas, continua restrito às universidades e centros de pesquisa. Não há
nenhuma parceria formal, de longo prazo, do Governo do Distrito Federal com quem
produz ciência. A LUOS é o exemplo mais recente desse distanciamento do
conhecimento científico das decisões políticas. O problema é que isso só agrava os
problemas urbanos e ambientais e fragiliza ainda mais a população. Principalmente os
mais vulneráveis.
A sociedade está cansada de ver Brasília perder sua qualidade de vida a cada
ano e a cada governo. Brasília é a Capital do País, Patrimônio Cultural Mundial,
integrante do Projeto da Reserva da Biosfera da UNESCO. Não é possível mais
dissociar o planejamento territorial do planejamento ambiental no Distrito Federal.
Nesse contexto, como pesquisadora do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares
da Universidade de Brasília, CEAM/DF, iniciei um trabalho cuja a chamada é
“PROCURA-SE UM CIDADÃO! A ideia é trabalhar com alunos universitários e
voluntários dentro do projeto “Brasília, Patrimônio Cultural e Ambiental da
Humanidade”.
Mais do que nunca, as cenas de barbárie de ontem, vividas na CLDF, deixam
mais cristalino que precisamos de cidadãos de bem, que amam Brasília. Pessoas que
queiram se juntar a nossa jornada de resgatar a cidade das mãos dos covardes e
gatunos, que são capazes até de bater em mulheres, que lutam para concretizar um
futuro tão sonhado pelos idealizadores desta Capital. Precisamos ser referência do que
há de melhor a ser construído no país, em termos urbanos, ambientais e patrimoniais.
Nossas vozes precisam ser multiplicadas. Somente assim evitaremos cenas como a de
ontem, que deixaram muitas dores pelo corpo, mas também trouxeram a certeza que o
caminho existe. Precisamos continuar a trilhá-lo. Mas a construção precisa ser mais
coletiva, pois esta é a nossa principal força.