Quarta, 21 de novembro de 2018
Por
Jose Marcos Thalenberg
UMA AULA PARA MIM
Era 2014, início do Programa Mais Médicos. Sou convidado a dar uma aula de hipertensão arterial com foco na atenção básica, para médicos cubanos recém-chegados. As aulas para essa turma foram ministradas em dois antigos hotéis no centro de São Paulo, o Marabá e o Excelsior, na Av. Ipiranga. Nunca antes eu havia adentrado nestes ícones dos bons tempos do centro velho de São Paulo, de uma elegância decadente que me encanta. Mais um atrativo nesse programa com cheiro de novo, trazendo gente para cuidar de gente, sonho meu para a atenção básica do SUS.
A aula era em um salão, no mezanino do hotel. Entro no recinto repleto de homens e mulheres, brancos e negros em proporção semelhante. Cumprimento-os e sento no lugar destinado ao professor. Imediatamente todos se levantam! Fico agradavelmente surpreso com o gesto e comento com eles que não é o nosso costume.
-Mas o senhor é o professor!
Contei com uma plateia atenta à minha exposição. Muitas vezes eu fazia perguntas relativas aos tópicos da minha aula, para saber como funcionava em Cuba. Quais remédios vocês tem na atenção básica? Qual protocolo vocês usam? Como funciona o encaminhamento para especialistas? Como vocês se atualizam?
As respostas fluíam com segurança. Em determinado momento, falei das dificuldades diagnósticas da hipertensão. A pressão arterial pode estar elevada durante a consulta médica e normal fora desta, e mesmo o oposto pode acontecer. Para checar isso, necessitamos de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), feita durante 24 horas com um aparelho caro, de difícil acesso à atenção básica no Brasil. Na cardiologia da Unifesp, onde sou responsável pela MAPA, a fila para o exame dura meses, e só atende encaminhamentos internos à instituição. Cuba é um país pobre... Como será lá?
-Vocês tem acesso fácil à MAPA?
Todos meneiam a cabeça, afirmativamente. Um deles levanta a mão.
-Se precisamos de MAPA, encaminhamos para o cardiologista da policlínica (clínica de especialidades).
-Em quanto tempo vocês tem o resultado em mãos?
-Duas semanas, no máximo.
Depois da aula, confraternizamos em um lanche. Simpáticos e falantes, senti-me à vontade com eles. Ao chegar em casa, fiquei curioso em saber qual monitor usavam. Certamente não dos EUA, por conta do bloqueio. À época, o nosso custava R$7000, brasileiro com tecnologia alemã, fora os custos de manutenção após os dois anos de garantia. Entro na Internet para pesquisar.
Descubro que usam um monitor de técnica oscilométrica (como o nosso) que uma empresa cubana de tecnologia médica fabrica e exporta. A mesma empresa (Combiomed, de Havana) tem toda uma linha de aparelhos cardiológicos, como eletrocardiógrafos, monitores de holter e desfibriladores. Curiosidade respondida.
Pouco tempo depois, uma médica cubana que supervisiono me prepara uma surpresa: arroz congri, prato típico cubano. Após minha supervisão, todos da UBS se reúnem na cozinha e se servem desse prato colorido e saboroso.
Na culinária como na medicina, é preciso técnica e afeto. Sigo aprendendo a arte de compartilhar estes ingredientes.