Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O GRANDE DESAFIO: UM DEBATE ENTRE O EMANCIPACIONISTA DALTON ROSADO E O NEOLIBERAL PAULO GUEDES – 2

Sexta, 23 de novembro de 2018
Do Blog Náufrago da Utopia

O GRANDE DESAFIO: UM DEBATE ENTRE O EMANCIPACIONISTA DALTON ROSADO E O NEOLIBERAL PAULO GUEDES – 2

Dando sequência a nosso debate (*), faço ao Paulo Guedes e ao Dalton Rosado uma pergunta que vai diretamente ao encontro de uma das maiores preocupações atuais dos brasileiros:                                                              
O desemprego estrutural é uma realidade em todo o mundo e fustiga o Brasil, onde atinge 13 milhões de pessoas, além de tantas outras subempregadas. Como os senhores veem essa questão?
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Paulo Guedes: o desemprego não é estrutural, mas localizado. Os Estados Unidos têm taxa de desemprego em torno de 3,7% da mão-de-obra economicamente ativa e um padrão salarial bem acima do brasileiro, como de resto se verifica mundo afora.
 
O desemprego ocorre em países que relutam em se adequar às exigências do mercado, pois este exclui as práticas contrárias aos seus princípios, como baixa produtividade, altos custos tributários, burocracia e perseguição aos que querem empreender; enfim, a tudo que diga respeito ao livre empreendedorismo.

O Brasil tem sido um exemplo de quem faz tudo errado e o resultado é o que estamos vendo. Nossa intenção é criar um ambiente favorável ao empreendedorismo no Brasil. Assim, valorizaremos talentos nacionais e atrairemos outros do exterior para gerar novas tecnologias, emprego e renda aqui. 

Quebraremos o ciclo vicioso da falta de crescimento e reduziremos a dívida pública via privatizações em massa e aceleradas, substituindo tudo isso pelo ciclo virtuoso de menores déficits, dívida decrescente e juros mais baixos. Isso estimulará os investimentos, o crescimento e a consequente geração de empregos.

A promoção de um ambiente de renda crescente, de modo que a própria renda estimule a produção que promoverá a retomada do crescimento econômico (o qual depende de um conjunto de fatores que se agregam e solidificam positivamente) é como vamos enfrentar o problema do desemprego no Brasil. 

O crescimento econômico é a pedra de toque para o solução de muitos problemas, que vão desde a necessidade do ajuste do orçamento fiscal a uma realidade tributária administrável e que seja bem aproveitada (sem descaminhos pela corrupção) até o combate ao desemprego, que é chaga social e origem de tantos males e problemas.
                                                                                                                                     
Dalton Rosado: negar que haja desemprego estrutural mundo afora é se contrapor às estatísticas mundiais. Trata-se de um argumento insustentável. 

Hoje observamos que os países nos quais a tecnologia de produção de mercadorias está defasada em relação aos grandes centros produtores de mercadorias ficam para trás na guerra de mercado, especialmente porque o capitalismo não consegue se estabelecer como sistema capaz de proporcionar a riqueza abstrata de forma equânime, pois a pujança (hoje em trajetória descendente) dos ricos está na inversa proporção da pobreza de muitos.
Isto ocorre em razão da baixa produtividade, que condena os países pobres a serem perdedores nessa guerra de mercado pela falta de conhecimento e aparelhamento tecnológico, falta de educação profissional e escolar, falta de estímulos econômico-financeiros, de infraestrutura, além de problemas climáticos ou geológicos.

Os países pobres vivem o drama do desemprego estrutural e o subemprego que fermenta a desintegração política e oportuniza posturas ditatoriais que desintegram completamente a vida social desses países.

Os Estados Unidos é a exceção, por motivos bem artificiais, e que confirma a regra mundial. Basta olhar para a África, o Oriente Médio, as Américas Central e do Sul, e para regiões asiáticas e eurasiáticas para se encontrar índices de desemprego bem além do aceitável. 

Mas o problema não se restringe à periferia do capitalismo Mesmo a União Europeia, culta e economicamente fortalecida pela sua moeda (o euro) e pelos sistema de crédito internacional, já enfrenta sérios problemas de desemprego que repercutem inclusive na previdência social. 

Nessas regiões ditas prósperas as pessoas vivem mais e o desemprego implica uma menor parcela de contribuintes previdenciários; isto causa um desequilíbrio irresolúvel das contas públicas sob a lógica capitalista. Até os ricos estão em decadência.

O desemprego estrutural decorre do fato de que a produção tecnológica de mercadorias a partir da introdução da microeletrônica (que propiciou a informação imediata, os cálculos e procedimentos computadorizados) e da robotização tornou dispensável, em grande parte, o trabalho abstrato, único produtor de valor.

Com isto, estabeleceu-se uma contradição inconciliável entre forma da produção (mercadorias) e conteúdo dessa produção (forma-valor).

O problema do desemprego estrutural que atinge o Brasil (país periférico do capitalismo) de modo acentuado, não será resolvido com a diminuição dos direitos trabalhistas e redução de salários, mas sim mediante a superação do próprio modo de produção capitalista. 

É algo bem diferente do proposto por Paulo Guedes, que acredita na possibilidade de desenvolvimento econômico brasileiro sustentado, mesmo que tal prognóstico esteja na contramão do que está a ocorrer mundo afora.

A solução deste problema não é a criação de empregos mas a superação do próprio emprego, somente possível sob outro modo de produção social.
                                                                                                                                                          .
Uma das questões mais candentes para a vida social é o valor do dinheiro, que tem  peso fundamental tanto no planejamento familiar quanto na tomada de
decisões empresariais. Como os senhores analisam a questão da inflação e do controle monetário estatal? 
 .
Paulo Guedes: esta é uma pergunta inteligente e oportuna. Tenho defendido a independência do Banco Central por entender que os humores e interesses da política não devem interferir na administração da moeda. 
Esta deve se reger por regras pragmáticas da economia de mercado, uma vez que tal administração está diretamente ligada ao sistema de preços, sem o qual o mercado não tem parâmetros de confiabilidade. 

O mercado é o grande balizador da economia, pois promove a regulação de preços; e é nele que se manifesta a eficiência da cooperação da produção mercantil a partir da divisão do trabalho. 

Já dizia Adam Smith que o capitalismo se desenvolve a partir da necessidade e do interesse pessoal, individual, baseando-se na cooperação da divisão do trabalho, na qual as capacidades individuais se sobressaem e, de forma conjunta, promovem a riqueza das nações e, por consequência,  dos seus cidadãos.

Assim sendo, o Banco Central deve ser um poder autônomo, tal como o devem ser o Judiciário e o Legislativo, que têm funções específicas dentro do ordenamento jurídico-constitucional republicano. Considero, inclusive, que deva ter mandato com duração fixa, sem possibilidade de remoção política após a aprovação pelo Congresso Nacional do nome indicado pelo Presidente da República.

O Brasil, nas últimas quatro décadas, foi alvo de processos inflacionários que causaram turbulências econômicas e políticas, graças aos modelos de planos econômicos desastrosos que tinham como base a emissão irresponsável de moeda pelo Banco Central. Tais desatinos nos custaram caro.

Governo Sarney: maior inflação nacional de todos os tempos

Os governos militares, que criaram o Banco Central, no primeiro momento mantiveram rigidez na condução da questão monetária, que deu bons resultados;infelizmente, no final fizeram concessões políticas nessa questão, o que causou um processo inflacionário. 

Depois vieram os governos civis, cujos planos econômicos pouco consistentes terminaram por fazer explodir a inflação, tanto no final do Governo Sarney (em 1989, chegou-se ao patamar de mais de 5.000% ao ano), como depois no Governo Collor (em mais de 2.000% ao ano), o que implicou uma desordem econômica com reflexos políticos acentuados.
Lula não caiu com o mensalão porque a economia ia bem, mas o mesmo não aconteceu com a Operação Lava-Jato: num cenário de crise econômica e inflação em alta, as chocantes revelações sobre corrupção nas altas esferas derrubou Dilma Rousseff. 
 .
Dalton Rosado:   primeiramente, quero ressaltar que a política serve ao capital, que é quem a sustenta. Neste sentido, o Banco Central, responsável pelo controle monetário, obedece aos humores da economia, ainda que de forma indireta, porque seu dirigente é nomeado por um político.  Todos os poderes da República se subsomem ao negativo poder do capital. É ele que manda.

O capitalismo balançou em 2008. Cairá na próxima vez?

Jamais haverá independência do Banco Central na economia capitalista, porque ele é sempre submisso aos interesses nacionais do capital, que variam de acordo com sua própria ascensão ou depressão. As regras econômicas, por mais pragmáticas que sejam, são alteradas quando a economia nacional assim o exige.
Os exemplos históricas são muitos e podemos citar o mais recente ocorrido quando da crise do subprime estadunidense de 2008, que exigiu a emissão de dólares sem lastro para cobrir o déficit da bolha imobiliária cujo estouro representaria um crash financeiro do sistema bancário caso não fosse socorrido monetariamente. 

Sobre isto nada tem a dizer a escola da ortodoxia monetária liberal de Chicago à qual o senhor é ligado ideologicamente como economista e como banqueiro.

Entretanto, a tese correta do ponto de vista da ciência econômica que afirma ser a emissão de moeda sem lastro na produção de mercadorias causadora de inflação, não vale para quem emite moeda internacional, pois estas são exportadas sem que isso cause inflação no país emissores (caso dos Estados Unidos e União Europeia). 

O Brasil, contudo, não pode usar dos mesmos artifícios monetários dos países de moedas fortes, por todos aceitas como se fossem válidas; tais mecanismos são inacessíveis aos países da periferia do capitalismo e suas moedas fracas. 
O senhor, como economista liberal que é ligado ao sistema financeiro internacional, tal qual receita o Fundo Monetário Internacional, quer que nós sejamos cumpridores da cartilha do monetarismo internacional sem levar em conta a nossa realidade econômico-financeira, ou seja, quer que se cumpram as regras capitalistas acadêmicas (que os países ricos não cumprem), ainda que isto ocasione a morte de brasileiros que não têm acesso às franquias financeiras somente acessíveis aos países do 1º mundo.

Mais adiante falaremos sobre a desigualdade do sistema de crédito internacional que aqui está instalado com os grandes bancos multinacionais e a relação disso com o Banco Central e a emissão da moeda e controle do câmbio. O senhor quer que apenas nós sejamos disciplinados na nossa miséria e aceitemos as imposições do capital como pobres alunos.

A questão não é tornar o BC independente, coisa que é impossível de ocorrer quando a economia nacional está combalida, mas questionarmos a própria mediação social e comando feito pela moeda, que é outro raciocínio que o senhor nem sequer admite que possa existir, mas que, mesmo assim, existe.
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* Observação do editor: trata-se, evidentemente, de
um debate hipotético, idealizado pelo Dalton para expor, de forma didática e esclarecedora, as diferenças entre o pensamento econômico que norteará o governo de Jair Bolsonaro (enquanto durar) e uma alternativa possível, a da corrente de reinterpretação de Marx conhecida como crítica do valor.
(continua neste post)
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Sexta, 23 de novembro de 2018
Do Blog Náufrago da Utopia

O GRANDE DESAFIO: UM DEBATE ENTRE O EMANCIPACIONISTA DALTON ROSADO E O NEOLIBERAL PAULO GUEDES – 3

PIB cresceu 7,5% no último ano de Lula, depois despencou

(continuação deste post)

Nosso debate (*) abordará agora o grave problema que é termos um déficit no orçamento fiscal insuportável e crescente, que se retroalimenta negativamente com um crescimento pífio do Produto Interno Bruto. 
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No entendimento dos senhores, existe como sairmos deste impasse? Qual seria a maneira?
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Paulo Guedes: o Brasil precisa zerar o déficit orçamentário, sob pena de destruirmos qualquer resquício de resultados saudáveis que ainda nos restem. E, para tanto, não há outra receita senão estancarmos as sangrias financeiras e aumentarmos a receita de forma saudável. 

Nós temos várias sangrias orçamentárias que desequilibram a nossa vida financeira estatal e, por consequência, toda a economia e o próprio controle monetário. 

Dentre elas, eis as que figuram como principais: 
a) o volume dos juros, que corresponde a cerca de mais de R$ 400 bilhões anuais (duas Petrobrás por ano, algo indecente!); 

b) o rombo da previdência social, que ascendeu a R$ 268,8 bilhões em 2017;

c) uma carga tributária alta e administrativamente complexa, que chega a 40% do PIB, sem que isto represente resultados positivos e suficientes para cobrirem os gastos do orçamento anual; 

d) os repasses do tesouro nacional ao BNDES para financiamentos, com juros subsidiados, aos empresários (muitos deles apadrinhados pela corrupção política);  

e) déficits de empresas estatais que dão prejuízo; e

f) custos com a manutenção de um patrimônio imobiliário que, ao invés de dar lucros, dá prejuízos para o erário e benefícios para alguns poucos (tudo isso adicionado às inúmeras outras causas que contribuem para o nosso desempenho pífio da economia). 

Com tais conceitos e performances, nós iremos para além do fundo do poço, ou seja, para um colapso completo que destruirá tudo que ainda temos de bom.

Entendo que o segmento político, pressionado pela população e pela mídia, possa engajar-se nessa campanha de restauro financeiro e moral das finanças públicas; e que a partir daí nós logremos superar o déficit fiscal, que é o nosso problema de base administrativa e monetária.  

O ponto nodal para a consecução desses objetivos passa pela privatização urgente de todas as estatais (o Estado não deve ser empresário); por uma reforma da Previdência e por uma reforma trabalhista (com a inclusão da carteira de trabalho verde-amarela e com outras características que não emperrem o empreendedorismo); e por uma redução de custos com a máquina pública. 
Nós meus estudos, cheguei à conclusão que podemos abater substancialmente o valor da dívida e negociar os juros a preços civilizados (não os que ora temos, que fazem a alegria dos rentistas); e que, juntamente com o corte de gastos e despesas, estas providências possam nos dar bom retorno.

O Brasil precisa crescer; e para que isto aconteça, temos de remover os entulhos do custo Brasil. 
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Dalton Rosado: o discurso do economista Paulo Guedes, futuro superministro da Economia, não tem nada de novo. Ele remonta à defesa das teses iluministas (daí a defesa que ele faz dos princípios rousseaunianos) postas em prática no final do século XIX e começo do século XX, nas quais se defendia o estado mínimo, capaz de manter a estrutura legal da lógica capitalista em ascensão desde a primeira revolução industrial na Inglaterra.

Trata-se da execução prática das teses liberais do economista burguês Inglês clássico Adam Smith, adepto do laissez-faire, que se traduz na expressão "deixai fazer, deixai ir, deixai passar, o mundo vai por si mesmo".

Tais teses correspondem ao liberalismo de mercado. Trata-se da defesa de um capitalismo com amplitude máxima de atuação, sem nada a tolhê-lo que não sejam as próprias regras do mercado.  


Quem não alcançar um desempenho adequado do ponto de vista das condições concorrenciais capitalistas, que quebre. E, neste caso, o Brasil se enquadra exatamente na hipótese da quebra. 

O senhor quer instalar aqui a liberdade da raposa e das galinhas no mesmo galinheiro do mercado produtor; e não somos nós a raposa nessas disputas por um mercado cuja capacidade de consumo é limitada e já foi abocanhada por quem produz mais, em menos tempo e com menor custo. 

O capitalismo jamais poderá promover equanimidade de riqueza e prosperidade, pois sua lógica funcional depende da desigualdade.  

A defesa das suas teses embute uma falsa correção de rumos. Mas, aos olhos leigos de uma população ávida por um alívio de suas aflições, pode parecer a panaceia capaz de resolver todos os nossos males seculares. Esperançoso e ingênuo, o cidadão comum não percebe estar diante das mesmas e velhas receitas, várias vezes testadas em vão.

Após a venda de todo o nosso patrimônio empresarial, tecnológico e imobiliário, pertencentes a empresas que detêm, inclusive, a concessão para exploração das riqueza minerais existentes no subsolo brasileiro; e depois de zerarmos a nossa dívida pública para o capital nacional ou internacional, o que restará de positivo? Quase nada, pois tais medidas não resolverão o problema da nossa miséria social, simplesmente porque não atacam a causa dessa penúria. 

Pelo contrário, as medidas restritivas de direitos das assalariados e pensões dos aposentados aprofundarão as nossas mazelas sociais. 

A causa da nossa miséria é o próprio sistema produtor de mercadorias, que privilegia os países que conseguem ganhar a guerra fratricida de mercado graças a fatores como acesso à alta tecnologia de produção de mercadorias, reserva de marcado por patentes industriais e juros baixos. 

A alternativa que o capitalismo do século XXI vem demonstrando ter alguma eficiência na concorrência de mercado, como contraponto à produção industrial e de serviços tecnológica dos países ricos, é quando se recorre ao trabalho abstrato tão aviltado que chega a lembrar a escravidão (ou seja, com níveis salariais absurdamente baixos, como os dos indianos e chineses).

O Brasil se insere na faixa de baixos salários, mas travado pela burocracia estatal e privilégios de uma elite política e empresarial que convive sem escrúpulos com a gritante desigualdade social. 

O Paulo Guedes quer que sejamos redimidos pela via dos salários baixos e carga tributária menor, capaz de apenas sustentar o Estado mínimo, com parcos recursos restando para o atendimento das demandas sociais. 
Na verdade, quer a redução do Estado a um mínimo capaz de ser sustentado pelos impostos cobrados a uma população exaurida economicamente e diante do mercado mundial mercantil em depressão (fator que ele conhece e omite) e que está se digladiando por conta das medidas protecionistas (vide a guerra comercial entre Estados Unidos e China). 

A sua visão de mundo mercantil do final é do século XIX e início do século XX, e não se adequa às exigências do século XXI no qual a palavra de ordem deve ser produzir para consumir e não para vender. 

O Brasil dos anos vindouros, a vingarem as suas teses, vai terminar depauperado nas suas riquezas materiais e ainda mais empobrecido na sua riqueza abstrata. Poderemos até ser um país de economia saneada, mas com um povo ainda mais miserabilizado e uma situação ecológica de terra arrasada. 

É bom entendermos que porrada não vai resolver o problema da miséria social bárbara já em curso. Com as medidas liberais poderemos até matar o carrapato, mas a vaca vai junto.

* Observação do editor: trata-se, evidentemente, de um debate hipotético, idealizado pelo Dalton para
expor, de forma didática e esclarecedora, as diferenças entre o pensamento econômico que norteará o governo de Jair Bolsonaro (enquanto durar) e uma alternativa possível, a da corrente de reinterpretação de Marx conhecida como crítica do valor.
(continua)


Bem antes do Paulo Guedes, em 1980 Raul Seixas já propunha que se alugasse o Brasil. Só que, no caso do maluco beleza, era só galhofa...

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Segunda, 19 de novembro de 2018
Do Blog Náufrago da Utopia

O GRANDE DESAFIO: UM DEBATE ENTRE O EMANCIPACIONISTA DALTON ROSADO E O NEOLIBERAL PAULO GUEDES – 1

Senhores leitores, senhores entrevistados, o objetivo deste debate (*) é o confronto de visões sobre os problemas e soluções sociais para este início de século XXI, e especialmente para o Brasil, nos próximos anos e décadas. 

Temos aqui, de um lado, o pensamento liberal capitalista do economista Paulo Guedes; e do outro lado, a crítica da economia política (uma corrente marxiana que se pretende à esquerda da esquerda marxista tradicional) do advogado Dalton Rosado. 

Agradecendo a presença dos dois debatedores, vamos sem demora à pergunta inicial: 

Qual a visão dos senhores sobre a realidade social atual?

Paulo Guedes: entendo que a visão estatizante da economia, praticada pelos socialistas (o PT criou 43 estatais em 13 anos) e também por governos fechados como o regime militar (que foi estatizante de infraestrutura, tendo criado 47 estatais em 21 anos, embora haja privatizado outras), causa estagnação econômica e corrupção política. O poder político corrompe e o poder absoluto corrompe ainda mais.
O governo administra mal; o segmento político, quase sempre fisiológico, interfere nisso de modo negativo e corrupto; e o resultado é sempre desastroso. Acredito que só um governante outsider, com visão diferenciada da velha política, pode mudar isso.

O mundo liberal capitalista vem conseguindo reinventar-se e libertar o mundo das amarras do atraso econômico. A eurásia, por exemplo, tem libertado cerca de 3,5 bilhões de pessoas da miséria. 

O capitalismo liberal de mercado está cumprindo uma missão libertadora e o Brasil, para soerguer-se, precisa seguir tal caminho, com competência.

Nos últimos 30 anos houve uma alternância de governos civis que, embalados por um discurso de assistência social pelo Estado, caíram no engodo da irresponsabilidade fiscal a qualquer custo. 

O resultado foi um endividamento a juros altíssimos; custo da máquina estatal elevado, com desníveis salariais de segmentos privilegiados da estrutura do Estado; custo previdenciário em elevação constante; e corrupção nas estatais. 

Essas são as causa primárias de termos um estado que consome 40% do PIB em impostos. sem que nada disso represente crescimento econômico.


Dalton Rosado: primeiramente, cumpre enfatizar que todas as experiências históricas do socialismo (veja que até Hitler se dizia nacional-socialista, uma contradição desde o enunciado) trabalharam com as categorias capitalistas, que são: trabalho abstrato, dinheiro, mercadorias, mercado, Estado, política, etc. 
Como economista liberal bem formado, o senhor sabe muito bem que toda a lógica de produção social era capitalista, diferenciando-se apenas na condução política, por vezes democrático-burguesa, por outras ditatorial, militarista, liberal, keynesiana, ou o diabo que o parta. 

Nada mais estatizante do que um liberal quando a economia fica deprimida; e nada mais liberal do que um governo keynesiano tendo como base uma economia de mercado em ascensão. São os humores da economia que conduzem a política capitalista, seja sob o nome liberal, ditatorial, social democrata ou socialista. 

Se é verdade que o capitalismo, na sua ânsia de conquista de mercados para permanecer vivo, produziu um vertiginoso acesso ao saber científico que melhorou a vida de parte das pessoas mundo afora, também é verdade que nunca se viu na história mundial tanto genocídio pelas guerras e tanta exclusão social! 

"...fruto de uma produção social irracional e consumista..."

Isto sem falar na devastação ecológica, fruto de uma produção social irracional e consumista.

A FAO tem denunciado o aumento da fome no mundo. Assim, se se pode afirmar que alguns países da Eurásia e da Ásia (como a China), graças à industrialização mercadológica, retiraram da extrema miséria agrícola centenas de milhares de pessoas, deve-se igualmente destacar que agora os chineses se veem ameaçados por uma dívida pública e privada que ascende a mais de 235% por cento do PIB. 

Isto torna imperativo que a roda da economia (ora ameaçada pela estagnação mundial) continue a girar na mesma velocidade, sob pena de um colapso econômico que sacudirá toda a economia mundial. 

A China está provocando um tsunami na economia mundial a partir de produção de mercadorias com salários baixos. É o crescimento rabo de cavalo, para baixo.

"...quebra do sistema financeiro internacional..."

O estopim do colapso capitalista deverá ser a quebra do sistema financeiro internacional do qual o senhor é defensor. A economia mundial, ao contrário do que o senhor sustenta como economista liberal e banqueiro que é, está patinando de modo preocupante. Quem diz isto são as estatísticas mundiais, que o senhor tem omitido.

Mas, vamos nos restringir ao Brasil. A que os senhores atribuem a atual situação de falência da União, estados e municípios, assim como os índices de crescimento pífios ou negativos da economia? 

Guedes: o déficit fiscal deriva de comportamentos econômicos irresponsáveis, tendo como objetivo a eleição mais próxima. Ficamos presos ao nosso próprio espaço mental da social-democracia do PSDB e do PT nos últimos 24 anos, bem como da insanidade econômica dos planos econômicos de Sarney e Collor entre 1985 e 1992, com apenas uma iniciativa de relativo sucesso, o Plano Real do Governo Itamar Franco.

"...o Brasil fez tudo errado nas últimas décadas..."

O Brasil fez tudo errado nas últimas décadas. Promoveu um endividamento a juros extorsivos no mercado mundial, para alegria dos rentistas; fez cortesias previdenciárias irresponsáveis para o funcionalismo público; praticou a corrupção nas estatais e com o dinheiro público, que faliu as primeiras; proibiu a chegada dos recursos aos municípios, que é onde o povo vive; espoliou o produtor do agronegócio e das industrias como se fossem os vilões da sociedade; e fez um conluio da governabilidade com o segmento político mais fisiológico e corrupto. 

O resultado disso é que perdemos competitividade industrial e passamos a ser meros fornecedores de matérias-primas para o mercado mundial e importadores de manufaturados. Tudo aqui está de cabeça para baixo.   

O problema não é o capitalismo, que, nos últimos dois milênios, alavancou o crescimento na humanidade em todos os campos do saber: mas o capitalismo burro do assistencialismo social-democrata das últimas décadas, posteriores ao esgotamento do regime militar. 

A História se repete...

Dalton: o problema de sua análise econômica é que ela parte de alguns pressupostos corretos e de outros nem tanto, mas com premissas contextuais e de conteúdo equivocadas para chegar a conclusões insubsistentes.  

Não há nada de novo no seu discurso de nova política e por quantos se alinham ou se subsumam ao seu pensamento, que mais parece a velha UDN moralista de 65 anos atrás rediviva. A nossa história se repete, com o velho travestido de novo.   

É preciso compreender sob quais condições o Brasil se insere na economia mundial atual e qual a dinâmica do capitalismo no século XXI, no qual a tecnologia aplicada à produção (questão de forma) se choca com a questão de conteúdo (a diminuição da massa global de valor e de extração da mais-valia).

O Brasil é um país da periferia do capitalismo e, como tal, não tem mecanismos monetários artificiais que lhe ajudem a manter sua economia em níveis de consumo e produção suficientes para garantirem a ilusão de prosperidade (como ocorre com os Estados Unidos, p. ex.).

...com o velho...

Precisamos entender que o segmento político corrupto e fisiológico não se constitui numa exclusividade brasileira, sendo, tão somente, mais avultado por aqui do que nos países do chamado 1º mundo.  Sempre existiu e foi o que deu sustentação à nossa absurda desigualdade social.

Alguém já nos chamou de Belíndia, ou seja, uma mistura da próspera Bélgica com a miserável Índia (que me perdoem os indianos, outrora tão explorados pela colonização capitalista inglesa).

A falência brasileira é a falência dos países periféricos do capitalismo, quadro que, aliás, se repete em toda a América Latina, na qual as ilhas de prosperidade coexistem com um oceano de pobreza.

A América Latina, que tem crescimento anual do PIB de cerca de 1,6%, vê sua pobreza expressa nas levas de emigrantes em busca do trabalho que lhes é negado pelo desemprego estrutural 

...travestido de novo.

Isto além de estarem fugindo de governos autoritários mas democraticamente eleitos, dos esquadrões da morte a soldo de grandes proprietários rurais, das máfias do tráfico de entorpecentes, etc.

Não há mais como se reverter a falência estatal aumentando os impostos cobrado de uma população economicamente exaurida. 

O senhor analisa os nossos problemas como se fossemos uma economia de 1º mundo ou como se pudéssemos competir com as nações prósperas em igualdade de condições. 

O capitalismo tem que ser superado de forma radical para que possamos construir um mundo humanamente viável, tanto do ponto de vista material como ecológico.
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* Observação do editor: trata-se, evidentemente, de um debate hipotético, idealizado pelo Dalton para expor, de forma didática e esclarecedora, as diferenças entre o pensamento econômico que norteará o governo de Jair Bolsonaro (enquanto durar) e uma alternativa possível, a da corrente de reinterpretação de Marx conhecida como crítica do valor.