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(Millôr Fernandes)

domingo, 25 de novembro de 2018

O grande desafio: um debate entre o emancipacionista Dalton Rosado e o neoliberal Paulo Guedes — 4

Domingo, 25 de novembro de 2018
Do Blog Náufrago da Utopia

Charge bem fiel à visão de neoliberais como Paulo Guedes

Quer dizer que os dogmas da esquerda, de estatização e assistência social, não podem conviver de forma harmoniosa com o desenvolvimento econômico sustentado? 
E que só nos resta aceitar sem restrições a racionália do liberalismo capitalista? 
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Paulo Guedes: o socialismo fracassou no mundo inteiro. Ainda assim muitos continuam a cultuá-lo, como ocorre na nossa vizinha Venezuela, com seu bolivarismo decadente.

Os governos estatizantes, que sempre perpetuam no poder uma casta dirigente, já demonstraram a sua ineficácia. Após um período de desenvolvimento concentrado, sempre vem a estagnação, como consequência do absolutismo (que tudo e todos corrompe) e do controle estatal da produção (que termina por provocar a baixa produtividade social). 

O pensamento político que foi experimentado no Brasil desde os governos mistos de neoliberais e social-democratas de Fernando Henrique Cardoso, passando pelos social-democratas e trabalhistas de Lula e Dilma (todos com cunho assistencialista) até que socorreu parte da faixa mais sofrida da sociedade brasileira, terminando, contudo, por penalizar a maior parte da população. 


Isto se deu graças às práticas populistas que falsearam a verdade, e contra as quais são necessárias medidas de competitividade mercantil sem as quais nós vamos ficar ainda mais para trás.

O mundo já não admite cortesias assistencialistas com nosso dinheiro suado, nem a quebra da responsabilidade fiscal que costuma ocorrer nos períodos pré-eleitorais. O combate a tais procedimentos é fator preponderante para que passamos sair do atoleiro em que tais governos nos colocaram. 

Com a nossa estabilidade política e o aperfeiçoamento das instituições que têm demonstrado sua funcionalidade (vide os êxitos alcançados pela Operação Lava-Jato), mais a implementação das medidas que defendo, o mercado mundial vai nos olhar com respeito e aí poderemos alavancar o desenvolvimento econômico, sem o qual não iremos a lugar nenhum. 

Os dogmas esquerdistas, apesar de postularem o poder para a promoção da assistência social aos trabalhadores, caíram no descrédito por sua disfunção social: terminaram por desproteger justamente aqueles a quem pretendia proteger. 

Cuba, p. ex., extrai mais-valia em torno de 60% do valor devido aos médicos cubanos que trabalham no exterior, ou seja, faz a mesma coisa que os capitalistas liberais, com a diferença que estes últimos assumem dita extração de modo extensivo aos empreendedores privados.

O capitalismo, ao promover prosperidade econômica aos empreendedores, termina por proporcionar ao estado uma capacidade financeira de assistência social que, faltando dinheiro, não há como se viabilizar. O dinheiro não dá em árvore, somente com trabalho é que se consegue obtê-lo.  

Dalton Rosado: o socialismo fracassou porque era capitalismo de estado, uma forma de mediação social capitalista fechada e fadada ao insucesso no longo prazo por questões de limite da expansão de mercado e até por boicote da economia internacional.

Fazendo a revolução marxista tradicional, os países que então eram atrasados, como a Rússia czarista e a China dos mandarins, obtiveram um avanço cultural e produtivo vertiginoso (a ponto de a primeira derrotar os nazistas na 2ª guerra mundial, pois Hitler subestimou sua capacidade bélica e populacional) porque se fecharam nas suas fronteiras imensas e puderam sobreviver à concorrência internacional de mercado. 

Entretanto, passado o estágio inicial, tiveram de abrir suas fronteiras para o capitalismo de mercado mundial sob pena de estagnação da produção de mercadorias; e acabaram adotando um misto de capitalismo de estado na política e capitalismo liberal na economia.   

Paulo Guedes, ao defender a economia liberal capitalista, estabelece uma falsa dicotomia econômica de fundo com o modelo estatista, desconhecendo que ambos os modelos têm o mesmo DNA, ou seja, são ambos produtores de mercadorias. Mesmo que se auto-intitulem estatizantes keynesianos, ou social-democratas, ou marxistas, têm como base de mediação social a produção de mercadorias. 

Aliás, tal modo de produção praticada por marxistas tradicionais deve fazer Marx se revirar no túmulo, tal o mau uso que está sendo dado à sua doutrina emancipacionista que propõe a superação da forma-valor, começando pela forma-mercadoria (isso já está contido no primeiro capítulo d’O capital, a parte sempre considerada como meros devaneios filosóficos pelos marxistas tradicionais).
Paulo Guedes afirma que só com trabalho se produz dinheiro. É um conceito valido sob a mediação social pelo capital, mas que embute a escravização do trabalhador, pois o produto do seu trabalho, transformado em valor, torna-se alheio a ele. 

O próprio capitalismo, contudo, está negando o trabalho produtor de valor aos trabalhadores (única forma de garantirem seu sustento miserável), aqui e mundo afora, por força de suas contradições internas; são estas incongruências que colocam em xeque o discurso liberal do economista Paulo Guedes. 

A crítica da economia política (crítica da forma-valor), que faz a reinterpretação do Marx da maturidade, é doutrina completamente diferente dos dogmas da esquerda fisiológica, incrustada no poder burguês ou em ditaduras ditas proletárias. 

Vale lembrar que Marx mesmo propõe a superação da trabalho abstrato e da figura do trabalhador, mas, neste aspecto específico, suas teses têm sido consideradas heréticas tanto pela direita como pela esquerda. É como se não existissem!  
O Brasil, quando é liberal capitalista, incide num capitalismo burro, sem a esperteza nefasta do praticado nos países ricos; e quando é social-democrata, num modelo assistencialista, acendendo uma vela ao mercado e outra aos movimentos sociais aparelhados. Os resultados  das duas opções são desastrosos.   

Na essência todos esses modelos têm a mesma raiz, ou seja, todos pertencem ao sistema produtor de mercadorias, que é exatamente o que deve ser superado.

O economista Paulo Guedes oferece um discurso antigo, do mercantilismo liberal, que é anterior mesmo à revolução burguesa republicana francesa do final do século 18, como se fosse algo novo e eficaz; e tem como ponto de apoio os erros históricos da esquerda estatizante dos meios de produção, adepta de um assistencialismo sem superação da forma segregacionista da mediação social feita a partir da forma-mercadoria. 

Ou seja, parte dos erros históricos da esquerda para fazer uso oportunista do populismo político barato de um falso outsider bravateiro e fundamentalista (um presidente primário que transitou do modelo nacionalista-estatizante militar para um liberalismo de ocasião) para tornar crível, aos olho ingênuos das massas populares insatisfeitas, as suas teses do capitalismo liberal puro, ou seja, do capitalismo no pior estilo segregacionista.

E tais teses serão aplicadas justamente num momento no qual a recessão mundial e o desemprego estrutural proporcionado pelas novas tecnologias de produção, por ele negados, salta aos olhos como verdade incontestável. 
Acaso a França do político de centro-direita Emmanuel Macron, que ainda hoje está mobilizada por movimento de protestos contra o aumento dos impostos destinados o cobrir déficit público, não vive sob o capitalismo? 

Acaso a outrora próspera Argentina do político de centro-direita Maurício Macri, com inflação anual de 40% e decomposição de sua moeda, ajoelhando-se aos severos ditames do FMI (ao qual o Brasil vai aderir espontaneamente) não é capitalismo?

Os dois exemplos acima citados, que são idênticos a muitos outros governos de direita e de esquerda, ditatoriais ou eleitos democraticamente pela insatisfação popular, estão às voltas com problemas de déficit orçamentário/previdenciário, desemprego estrutural e dívida pública impagável, sendo todos capitalistas na essência.

O Brasil, sob os auspício da orientação econômica liberal, capitaneado por um presidente obtuso e que acredita em soluções simplistas para questões complexas (tudo dentro do receituário tradicional de mercado!) e que come na mão dos economistas da escola da ortodoxia de Chicago, breve estará se defrontando com problemas da maior gravidade.

A esperança é que tal debacle nacional possa fazer acordar as massas carentes de soluções e quebrar o eterno pêndulo da ineficácia da alternância entre trabalhistas, social-democratas, ditadores militares, capitalistas liberais e outros matizes ideológicos, tendo como pano de fundo o mesmo modo de mediação social (dinheiro e mercadoria).  
E que possamos, a partir daí, encaminharmo-nos para uma visão emancipacionista, que pense fora da caixa e nos proporcione uma sociedade onde haja prosperidade sustentável tanto do ponto de vista material como ecológico.

Tal sociedade somente pode existir a partir de um modo de produção social fora da lógica da produção de mercadorias e com a adoção de um critério de produção voltado para a satisfação das necessidades sociais materiais, ecológicas e humanas no seu sentido mais evoluído. 

O economista liberal Milton Friedman, um dos líderes da Escola de Chicago, foi quem popularizou a antiga frase segundo a qual, sob o capitalismo, não existe almoço grátis.

Mas, na sociedade emancipada, produtora de simples objetos e serviços destinados ao consumo social, todos os almoços serão fornecidos comodamente com um mínimo de esforço coletivo e equânime (este é o seu custo social). E que, por não serem dimensionados em valor, parecerão grátis.