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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

GOVERNADOR AMEAÇA RETIRAR PASSE LIVRE DOS ESTUDANTES DO DF

Segunda, 4 de fevereiro de 2019
Trata-se de mais um governador a desrespeitar as leis em vigor para atender ao empresariado

Do Sinpro
Com as restrições, Rian, do Riacho Fundo, não poderá fazer curso em Taguatinga

Os estudantes da escola pública do Distrito Federal voltam às aulas, na próxima semana, com a ameaça de perderem o direito ao passe livre. Em janeiro, o governador Ibaneis Rocha (MDB, ex- PMDB) disse à imprensa que uma das coisas que irá restringir é o direito ao passe livre. “Trata-se de mais um governador a desrespeitar as leis em vigor para atender ao empresariado”, disse Cláudio Antunes, diretor do Sinpro-DF.
Rocha disse que considera injusto um estudante, como o filho dele, ter direito ao passe livre. “Duvido que um estudante com condições financeiras tenha disposição para enfrentar a imensa burocracia que existe hoje para aquisição do passe livre. Atualmente, apenas 40% dos 100% dos estudantes que têm direito utilizam o passe livre justamente por causa da burocracia que os impede de acessarem o direito”, afirma o diretor.

Rian Santos Reis, é estudante do Centro de Ensino Médio 01 (CED 01) do Riacho Fundo, diz que a mudança proposta pelo governador irá prejudicar bastante. “Porque o governo irá dizer que nós temos condições de pagar, mas a maioria que eles vão dizer que têm, não tem condições. Eu, por exemplo, não poderei continuar com meu curso que faço em Taguatinga. Para pagar a passagem para o curso não vai dar. Vou ter de abandoná-lo”, declarou. (Foto)
Paulo Cesar Marques da Silva, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Estudos de Transportes pela University College of London (Inglaterra), diz que a Lei nº 4.462/2010, tem limitações e que em vez de criar mais burocracia, o governador deveria ampliá-lo porque a educação não ocorre só em sala de aula.
“A ideia do passe livre é reconhecer a condição de estudante e não uma de carente.  Por que o governador não está falando em reduzir o valor da meia-entrada em cinemas só para quem não pode pagar a inteira? A ideia da meia-entrada para o cinema, show, teatro  etc., todas as atividades culturais, é porque se entende que essa atividade promove a cultura, a educação. Educação não é somente ir para a sala de aula na escola e voltar para casa. É uma formação mais completa. Não existe o crivo nem em relação à condição socioeconômica e nem deve existir”.
Ele afirma que esse direito deveria ser ampliado. “Acho que esse conceito de por ser estudante as pessoas devem ter acesso livre ao transporte é para ir para a escola, assistir aula, como ir para a escola fora do horário de aula para se encontrar, para ir à biblioteca, fazer trabalhos, ir para o cinema, teatro,  é para ter acesso à vida e suas atividades, bem como uma vida independente  que faz parte da formação da pessoa”, afirma o professor da UnB.
Silva diz ainda que todo ano a UnB tem de ir no DFTrans explicar que o ano letivo da universidade não se resume a um dia que começam as aulas e outro que terminam. Ele conta que todo ano a UnB vai lá explicar que, além das aulas, a universidade tem atividades de extensão, pós-graduação e outros e que os estudantes precisam ir à universidade na hora da aula e fora da hora da aula e que o estudante do mestrado, doutorado, pós-graduação não têm aula e que tem de ir à universidade todo dia, incluindo aí o período de férias e precisam do passe livre nas datas fora do ano letivo. Dois dias depois das declarações de Ibaneis Rocha, Silva publicou, no Correio Braziliense, um artigo intitulado “Passe livre e educação” (confira).
MOVIMENTO ESTUDANTIL – A estudante de agronomia da UnB e militante do movimento Levante Popular da Juventude, Katty Hellen da Costa, disse que, com essa fala, Ibaneis prova que não sabe ou não quer diferenciar o que é um direito e o que é uma política pública para redução das desigualdades sociais. Direito tem de ser garantido a todos, independentemente, de quem seja, se rico, pobre, preto, branco, mulher, homem, LGBT.
“Direito é garantido a todos e o passe livre é um direito conquistado pelo movimento estudantil que não deve ser retirado e, sim, assegurado a todos assim como os direitos previstos na Constituição, nas leis infraconstitucionais e tudo o mais, tais como a saúde, a educação, a moradia, a segurança, o transporte público etc.”, afirma a estudante.
Ela diz que todos os governos que passaram pelo Palácio do Buriti aperfeiçoaram a burocracia para dificultar ao máximo a aquisição do passe livre. Se ele fizer isso, haverá uma piora no processo de burocratização que irá impactar de fato, dificultando ao estudante acessar a faculdade ou a escola.
“Somos contra essas medidas. O que temos comprovado em levantamentos que fazemos é que os estudantes que não precisam de passe livre nunca o procuram até porque não querem enfrentar a burocracia. Retirar o passe livre de qualquer estudante é retirar o direito conquistado. Quem estuda em faculdades particulares, majoritariamente, são pessoas de baixa e média rendas, que precisam trabalhar o dia inteiro para pagar a mensalidade da faculdade no fim do mês. Eles praticamente usam todo o seu salário para isso”, assegura.
O GDF diz que de 195 mil estudantes usam o passe livre no Distrito Federal. Apesar desse número, existem milhares de casos de evasão escolar por causa da burocracia para aquisição do passe livre. “Para a gente não se trata somente de aumento das tarifas, mas a quem o governador Ibaneis Rocha quer servir com o transporte público do DF. O dinheiro que é repassado para as empresas é um valor elevadíssimo que poderia assegurar o transporte público sem cobrança de tarifa”, garante Katty Costa.
O Movimento Passe Livre (MPL) defende a tarifa zero para todos indistintamente. Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou uma Nota Técnica intitulada “Transporte Integrado Social – Uma proposta para o pacto da mobilidade urbana” sobre a viabilidade de criação de um mecanismo de gestão e regulação federativa do transporte público urbano que institui gratuidades sociais e compete para o rebaixamento do valor das tarifas por meio, dentre outras medidas, da desoneração do setor.
FINANCEIRIZAÇÃO DO DIREITO AO PASSA LIVRE – Gabriel Magno, diretor do Sinpro-DF, afirma que o passe livre é um direito garantido e que a declaração do governador é uma tentativa falaciosa, de jogar para a plateia, e dizer que só merece quem não pode pagar e que tem de comprovar a renda é o mesmo discurso da escola pública, da universidade pública, do hospital público, enfim, é a concepção de que isso não é um direito e sim uma mercadoria e pode ser vendido.
“O direito de ir e vir dos estudantes é direito. Direito precisa ser garantido, regulamentado e não criar mecanismos de dificuldades para acessá-lo. Essa conversa de dizer que quem pode pagar, pague, é a lógica da financeirização dos direitos. Trata-se de um equívoco de concepção”, afirma Magno.
Ele diz que, na opinião da diretoria do sindicato, Ibaneis está achando que, por ter sido eleito, ele tem superpoderes e é um supergovernador e esquece que tem outros poderes instituídos também. “O caso do passe livre é mais um exemplo dessa arrogância porque o passe livre, hoje, é uma lei”, afirma. Magno explica que, em primeiro lugar, o passe livre é um direito previsto em lei e que para alterá-lo é preciso mudar a lei. “É preciso enviar projeto para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, os deputados terão de debater entre si e com a sociedade, ou seja, o projeto para isso terá de tramitar. Não é a vontade do governador e que se faça valer a vontade”.
Em segundo lugar, outro problema na lógica do passe livre no Distrito Federal é que o governo apresenta as contas, e essas contas são bem duvidosas, mas é preciso identificar a parte do empresário porque sempre o discurso é, e agora nesse caso, de que a conta para o governo é muito alta, mas, se o sistema de transporte é uma concessão pública, é importante que essa conta seja dividida com o empresariado. “Se a gente abrir a caixa-preta do sistema de transporte, qual é o lucro? Qual o tamanho? Qual é a margem disso? Isso vale não só para o passe livre, mas para todo o sistema. Tanto do preço da passagem do usuário que não tem acesso ao passe livre, as condições e qualidade dos ônibus. Há muitos anos que a gente bate nessa tecla”.
Em terceiro lugar, “a outra mentira do governo Ibaneis com relação ao passe livre, é que hoje somente 41% dos estudantes do DF é que acessam o passe livre. Ou seja, dos 100% que poderiam, menos da metade o utiliza. Também não é verdade o que Ibaneis  fala de que é preciso restringir. Já é restrito”, afirma.