Quinta, 4 de abril de 2013
Da PúblicaAgência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
#CorrupçãonaFIFA
Jornalista britânico revela como auxiliou a polícia americana a apertar o
cerco contra a corrupção na organização que comandará a Copa do Mundo
de 2014
A revelação recente de que o FBI está investigando a FIFA deve dar um
basta a três décadas de corrupção institucional, personificada nos
últimos tempos pelo seu presidente, Joseph Blatter.
Tenho conversado com agentes especiais da Seção de Crime Organizado e
Negócios Ilícitos do Departamento de Justiça em Washington e com o
Esquadrão de Crime Organizado de Nova York desde que eles me contataram,
procurando provas, há cerca de três anos.
Agora, tornou-se público que a polícia americana está investigando
“um grande caso” envolvendo corrupção na FIFA. A investigação inclui
denúncias de fraude e suborno, e teve início nas confederações de
futebol da América Central, América do Norte e do Caribe.
Mas o rastro de dinheiro leva ao quartel-general da FIFA em Zurique,
na Suíça. Fontes não oficiais confirmaram que Daryan Warner, filho mais
velho do famigerado ex-vice-presidente da FIFA, Jack Warner – que hoje é
Ministro da Segurança Nacional em Trinidad e Tobago, no Caribe –
tornou-se uma testemunha em cooperação com a investigação do FBI. Warner
Jr. está morando na Flórida nos últimos tempos, e claramente não está
livre para deixar os Estados Unidos. O FBI ainda não divulgou que
indícios tem contra ele, mas é provável que seja algo substancial o
bastante para que ele quebre a confiança do seu pai em troca de redução
de tempo de prisão.
Daryan Warner, o filho, sempre foi o “administrador” do dinheiro,
organizando a lavagem e ocultação de subornos e de todo tipo de
atividade ilícita de seu pai no futebol – desviando verbas, negociando
ingressos da Copa do Mundo e embolsando subornos vultosos de países que
sonham sediar uma Copa do Mundo. Warner trabalhava de maneira
orquestrada em Nova York com seu parceiro e membro do comitê executivo
da FIFA, Chuck Blazer.
A carreira de Jack Warner, o pai, na FIFA, começou a estremecer em
maio de 2011, quando ele foi pego com um milhão de dólares para suborno,
distribuídos em envelopes de 40 mil dólares em dinheiro vivo para
entregar a associações de futebol caribenhas. O objetivo era
persuadi-las a votar em Mohamed Bin Hammam, que concorria à presidência
da FIFA contra o atual presidente Joseph Blatter. Na época Chuck Blazer
“dedurou” Warner para a FIFA – mas logo ele mesmo se envolveu em
alegações de corrupção muito bem documentadas.
Para onde vai a investigação do FBI?
Para começar, eles não estão sozinhos. Há 18 meses corre uma
investigação paralela feita por autoridades tributárias americanas, o
Serviço Interno de Receita (IRS, em inglês). A investigação secreta vai
de Port of Spain, em Trinidad e Tobago, ao luxuoso prédio comercial
Trump Tower, na Quinta Avenida em Nova York, até as Ilhas Cayman, Miami,
Zurique na Suíça, seguindo até o Golfo Pérsico. As autoridades
americanas tiveram cooperação com polícias de Londres e da Suíça.
O roubo em escala industrial cometido por Warner e Blazer
está entremeado à estrutura da FIFA. A dupla abominável foi
repetidamente encorajada a pilhar garantias e ingressos da Copa do
Mundo. Em troca, conseguiam votos para manter Blatter no poder.
Amantes do futebol sonham que o FBI acabe achando razões para
estender sua investigação ao império africano de Issa Hayatou e ao resto
da FIFA.
Enquanto o FBI espalha suas teias, membros da FIFA em Zurique devem
procurar seus advogados para saber o que dizer quando os policiais
baterem às suas portas. Se eles lidaram com pagamentos corruptos
autorizados por Blatter ou pelo secretário-geral Jerôme Valcke, seria
sensato seguir o exemplo de Daryan Warner e se tornar também testemunhas
colaboradoras em vez de se arriscar à extradição ou prisão.
Funcionários honestos dentro da FIFA poderiam denunciar outros nomes.
Afinal, seria injusto que apenas Warner e Blazer fossem presos por
conta da pilhagem da FIFA. Nos últimos anos, mais da metade comissão
executiva da FIFA estava envolvida com atividades duvidosas.
O FBI tem mostrado interesse em investigar, por exemplo, a escolha do
Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022. Os agentes obtiveram
informações muito específicas a esse respeito. Outro grupo de
investigadores trabalhando em conjunto com o FBI está de olho em uma
outra grande decisão da FIFA – desta vez sobre ingressos.
Após as revelações em 2010 feitas por jornalistas britânicos do
Sunday Times e da BBC sobre corrupção no alto escalão da FIFA, Blatter
deveria ter sido despejado do poder e ter seus negócios financeiros
devassados. Em vez disso, ele conseguiu escapar com o anúncio de
investigações “independentes” dentro da FIFA – sempre controladas por
ele.
Agora, desde dezembro do último ano, blogueiros de Trinidad têm
gritado ao mundo que Daryan Warner, filho de Jack, foi preso no
aeroporto de Miami carregando uma sacola de dinheiro. O valor relatado
varia de US$ 100 mil a US$ 750 mil, dependendo do blog. Alguns dizem que
o outro filho de Jack, Daryl Warner, também foi preso. No início de
março, apesar de ameaças de Jack Warner, até mesmo a cautelosa grande
imprensa de Trinidad começou a publicar matérias sobre “o filho de um
membro de gabinete” preso em Miami por acusação de lavagem de dinheiro.
Um efeito colateral deste escândalo pode ser o fim da administração
cada vez mais absurda da primeira-ministra Kamla Persad-Bissessar, de
Trinidad e Tobago, que indicou Warner para tomar conta da polícia (sim, é
sério) e do exército (sério!) – apesar dele ter rapidamente saído da
FIFA antes das investigações progredirem.
Por conta dos milhões de dólares que Warner gastou comprando vitórias
nas urnas para o seu partido (UNC), Kamla lhe deu carta branca para
perseguir oponentes e indicar aliados incompetentes para altos cargos no
governo. As últimas revelações de corrupção em Trinidad mostram que
Warner criou secretamente, com verba do governo, sua própria milícia
privada, similar aos Ton Ton Macoutes do Haiti.
Com a bênção da imprensa britânica
Mas o próximo alvo da investigação do FBI talvez seja o prestigioso
jornal britânico Financial Times, que promove conferências de negócios e
acabou de anunciar um “Encontro de Negócios de Futebol” a ser realizado
no Rio de Janeiro, em junho.
A grande atração será o presidente da FIFA, Joseph Blatter.
O evento do Financial Times no luxuoso hotel Copacabana Palace será
organizado pela empresa International Football Arena, sediada em
Zurique, responsável por encontros de futebol onde repórteres passivos,
donos de clubes e potenciais patrocinadores pagam para se enturmarem com
Blatter.
O homem responsável pelas relações públicas, Peter Hargitay,
apresenta todos os presentes enquanto seu filho, Stevie, ocupa-se dos
apertos de mão na entrada.
No site do encontro do Financial Times, Stevie está listado como
“Contato de patrocínio”. Em sua conta de twitter, ele se descreve como
um “linguista da astúcia” e produtor de cinema. Um de seus filmes, o
épico “Minas curtem caras gays”, ensina como fingir ser homossexual para
que as “minas” fiquem afim de você.
O correspondente de esportes do Financial Times, Roger Blitz, vai comandar a conferência.
Como jornalista, ele tem oportunidades de ouro!
Podia pedir para o palestrante principal, Blatter, esclarecer sobre a
investigação do FBI e como US$ 100 milhões em subornos envolvendo uma
empresa de marketing foram lavados em Liechtenstein para líderes da
FIFA.
Ou então Blitz poderia perguntar se o coração de Blatter alterou-se
quando ele descobriu um suborno de um milhão de francos suíços para o
ex-presidente da FIFA, João Havelange, sendo lavado por meio de uma
conta da organização, em 3 de março de 1997.
Blitz também poderia sugerir ao evasivo Peter Hargitay que revele à
plateia o nome dos membros da FIFA que ele planejou subornar com 4
milhões de libras da Associação Inglesa de Futebol, em troca da
Inglaterra sediar a Copa do Mundo. Ou que entretenha a platéia com
histórias de seus sete meses de prisão em Miami por tráfico de cocaína.
Entre seus muitos negócios, Hargitay também mantém uma agência de
detetives particulares, a AB Investigation, que promete a seus clientes
“vigilância em nível governamental” e até mesmo “intervenção física de
acordo com os interesses de clientes corporativos”. Um negócio anterior
de Hargitay garantia poder hackear contas de bancos.
Quando os escândalos envolvendo subornos começaram a aparecer em
2002, Blatter contratou Peter Hargitay para corromper o jornalismo
inglês. Hartigay se gaba de desviar os repórteres dos problemas de seus
clientes. E fez um grande trabalho em Londres. A maioria dos repórteres
de esportes ignoraram o escândalo da empresa de marketing esportivo ISL.
O que eu informei aos agentes do FBI
Tem sido uma longa espera até o FBI tomar uma atitude. Nos anos em
que mantivemos contato, eu entreguei documentos provando que dirigentes
da FIFA receberam subornos e lhes apresentei fontes com informações de
primeira mão. Mantivemos longas ligações telefônicas e trocamos cerca de
100 emails.
Depois que eu contei sobre informações confidenciais disponíveis na
Suíça, eles estabeleceram contato com autoridades criminais suíças sob o
Tratado de Assistência Mútua.
Durante uma conferência em Miami em 2010, onde contei sobre a
corrupção na FIFA e as evidências de que a organização operava como uma
família do crime organizado, tive ainda uma longa conversa com um
conselheiro sênior do Serviço Interno de Receita do governo americano.
Tanto os organizadores do evento quanto eu fomos ameaçados por advogados
da FIFA antes da conferência.
A última vez em que encontrei com o FBI cara a cara foi em um
escritório particular perto da embaixada americana em Londres, na semana
anterior às Olimpíadas de 2012. Mais uma vez, pude lhes entregar
documentos cruciais. Eles me disseram que um dos documentos era
“particularmente útil para seus objetivos”. Tratava-se de uma lista de
subornos envolvendo muitos dos membros principais da FIFA. E disseram
que, “enquanto o processo judicial parece glacial, as coisas estão
progredindo”.
Nos últimos dois anos, enquanto Blatter tem persuadido jornalistas
ingênuos a publicar matérias redentoras sobre seu programa de “reformas”
da FIFA, investigadores de agências federais em Washington e Nova York
têm juntado provas de corrupção relacionadas às votações para sedes da
Copa do Mundo.
A possibilidade de novas votações para as Copas de 2018 e 2022 não
pode ser descartada. Se for comprovado suborno, isso pode manchar a
próxima.
Parece que o Congresso da FIFA coreografado por Joseph Blatter nas
ilhas Maurício, no fim de maio, será dos mais agitados. O presidente da
FIFA está montando o evento num local muito caro para a maioria da
imprensa esportiva e estrangeira. Se os agentes do FBI estiverem
trabalhando bem nos bastidores, será difícil levar a sério essa
festança.
Afinal, se Blatter ainda estiver livre para comparecer, terá que
fingir que tudo está bem e que o FBI é apenas um “inconveniente”.
* Pesquisa adicional: Karrie Kehoe