Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 16 de julho de 2013

A água e o fogo

Terça, 16 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho
A água e o fogo não costumam se dar bem. Muito menos em Maracás, na Bahia. Tudo começou com um convênio, no valor de R$ 23 milhões, assinado entre o Ministério da Integração Nacional e a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, segundo se depreende de reportagem da Tribuna da Bahia (reproduzida pelo blog Bahia em Pauta). Assim, ficamos sem saber a quem atribuir a culpa, se ao governo federal, se ao estadual, pelo incêndio de mais de mil cisternas de fibra plástica. Mas talvez não seja um caso tão aparentemente complicado quanto o do mosquito da dengue, que até hoje ninguém sabe ao certo se é federal, estadual, municipal ou individual, nativo ou alienígena.

         No caso do mosquito, não há, por motivos óbvios, como se eximirem de responsabilidade os governos federal, estaduais e municipais, nem os indivíduos negligentes, preguiçosos ou ignorantes (quanto aos ignorantes já há responsabilidade estatal solidária, pois não foi dada educação adequada sobre a questão) que deixam prosperar viveiros de larvas do mosquito em seus quintais, casas e até apartamentos.

         Assim, está clara a responsabilidade pela proliferação do mosquito da dengue e, consequentemente, dessa doença, como, eventualmente, da febre amarela. É dos governos federal, estaduais e municipais e dos indivíduos negligentes, preguiçosos ou ignorantes. Daí pode se retirar uma conclusão – não tem jeito. Ainda mais que, possivelmente, esse mosquito nem é nacional, mas um alienígena, um imigrante invasor – o nome Aedes Aegypti é bastante sugestivo –, que não se sabe como (voando não deve ter sido, morreria de fome e cansaço no caminho) atravessou o Atlântico e ocupou nosso país.

         Já no caso das cisternas, de três coisas se sabem. E a primeira delas é a de que não foram os moradores da zona rural do semiárido brasileiro que escolheram cisternas de polietileno. Quando elas começaram a ser instaladas, não foram poucas as que, misteriosamente – talvez haja sido o calor, pois pode algum burocrata ou fabricante haver presumido que no semiárido o clima é sempre frio, quase glacial – sofreram surpreendentes deformações. Em Crateús, no Ceará, houve protestos de produtores e residentes da zona rural. E muitos outros lugares, insatisfação ou preocupação.
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                              Foto: ecodebate.com.br
 Quando não deformam, queimam.

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Não queriam cisternas plásticas deformáveis, mas as de concreto, usadas antes das de fibra plástica, que, além de entortarem, custam mais do dobro do preço das de concreto. E as de fibra plástica, embora exibindo seu caráter autodeformante, não haviam ainda revelado a tendência piromaníaca que agora as cisternas de Maracás puseram a nu. O incêndio, de causa ainda desconhecida (o culpado não parece ter sido o Sol, o fogo começou às 21 horas), consumiu mais de mil. Para ser exata, a Tribuna da Bahia recorreu ao blog Vandinho Maracás, segundo o qual das 1.345 cisternas, apenas 70 foram salvas por pessoas “que desafiaram as chamas”.

BATE CORAÇÃO – Pouco depois de, em junho, grandes manifestações populares exigirem melhores serviços públicos no país e apesar do governo da presidente Dilma Rousseff – em que pesem o remelexo e a zoada que está a fazer – continuar sem aceitar destinar dez por cento da receita bruta da União para o setor de saúde (um dos quatro setores mais destacados nas manifestações, ao lado dos transportes públicos, da segurança pública e da educação), um passo importante acaba de ser dado. O blog Gama Livre informou ontem que o Ministério Público Federal, em Uberlândia, Minas Gerais, obteve liminar na Ação Civil Pública nº 7976-76.2013.4.01.3803, obrigando os entes gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) – Município, Estado e União – a fornecerem a uma paciente de 67 anos o “stent farmacológico”, que serve para a desobstruir artérias e mantê-las desobstruídas. Seu médico recomendou a colocação de “stents farmacológicos”, que não são fornecidos pelo SUS. Este fornece apenas o chamado stent “convencional”, muito mais barato e uma velharia, totalmente superado, pois o risco de reestenose (novo entupimento no mesmo trecho da artéria em que ele é posto é incomparavelmente maior do que quando usado o “stent farmacológico”, dispositivo de metal que vem impregnado com uma substância que reduz drásticamente o risco de reestenose). O juiz federal determinou que, não havendo condições de fazer a angioplastia (procedimento para colocação dos stents) em hospital público, que se faça em hospital privado por conta do SUS.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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As três fotos a seguir foram reproduzidas do Blog do Vandinho Maracás
Antes do incêndio.
Durante.
Depois.