Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A presidente e o papa

Sexta, 26 de julho de 2013

Por Ivan de Carvalho

A presidente Dilma Rousseff, honrou com uma visita o PT da Bahia, em companhia de Lula. Ela está fazendo uma força enorme em sua corrida atrás do prejuízo. Lembra-se o leitor que antes da pesquisa Datafolha mostrar que de março ao fim de junho a aprovação do governo Dilma caiu 35 pontos (oito entre março e a primeira semana de junho, 27 nas últimas três semanas de junho, marcadas pelas manifestações), a presidente estava em plena campanha para garantir sua reeleição com uma imaginária vitória no primeiro turno das eleições de 2014.

         Começou a rolar no Congresso, com o ostensivo patrocínio do governo e do PT, um projeto de lei golpista que, com alterações casuísticas na legislação partidária e eleitoral, buscava inviabilizar política e eleitoralmente eventuais candidaturas presidenciais como as de Marina Silva, Eduardo Campos e até José Serra. Quanto menos concorrentes expressivos, mais chances a presidente teria, supunham todos, de conseguir a reeleição já no primeiro turno.

         Ao lado da duvidosa ética legislativa (para não usar expressões mais próximas das merecidas), desencadeou-se uma verdadeira pré-campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff pela televisão, que a propósito de qualquer coisa ou de nada fazia em cadeia nacional discursos de inequívoco objetivo eleitoral. Ela estava com a popularidade lá em cima, diziam as pesquisas, e assim quis aproveitar essa circunstância para fazer parecer que o caso estava encerrado e, assim, fechar com facilidade as alianças partidárias que a sustentassem realmente. Se “já ganhou”, então correriam todos os amuados aliados a apoiá-la firmemente.

         Muito provável que já então a presidente e a cúpula do PT (inclusive Lula, que foi quem mais precipitou a campanha precoce de Dilma) estivessem informadas dos primeiros sinais de tempestade. Pesquisas reservadas e habituais, quantitativas e qualitativas, inflação crescente, PIB cadente, essas coisas capazes de levarem uma presidente a, no recesso de seus amplos aposentos – tão mais amplos que aqueles usados pelo papa Francisco no Brasil ou no Vaticano – arrancar os cabelos.

         Talvez daí aquela ofensiva. Poderia já ser, talvez, a corrida atrás do prejuízo antes que este se manifestasse à nação inteira. Mas, se assim foi, a estratégia foi atropelada pela espetacular e espantosa irrupção das manifestações de rua e de sua devastadora repercussão dentro dos lares. Instantaneamente instalou-se no governo, no PT e em alguns outros setores aquele ambiente de barata voa – tentava-se fazer de tudo, mas não se sabia de nada que se pudesse fazer com um mínimo de segurança de que daria certo. Um desespero só.

         Então chegou o governismo a uma conclusão. O primeiro passo é absorver os protestos. E danou-se a dizer que são justos, que os manifestantes, salvo os “vândalos”, têm razão. E tentaram então um “diálogo” que não está acontecendo até agora e a oferta ou promessa de umas migalhas que, supostamente, representavam o que o povo queria. E inventaram uma figura de marketing político forjado talvez na escola cínica grega – os manifestantes não chegam a estar reclamando do ruim que lhe dão, mas, estimulados pelo muito que já receberam, aprenderam, e com justa razão, a exigirem mais.
         Ah, meu Deus! Exigirem passar do internamento numa cadeira de um corredor de um hospital público para uma maca mal forrada no mesmo infectado corredor. Será isto que o marketing governista chama de “querer ainda mais”? E terá sido com esse tipo de coisas, como tanto pareceu, que a presidente, ao lado do papa, cansou Francisco (que não podia, pelo protocolo, pedir sequer aquela cadeira do corredor do hospital) em um discurso de meia hora de autoelogios ao que, na área social, os dez anos do governo do PT teria feito, garantindo que os brasileiros são conhecidos pela “crença em nós mesmos”. Francisco, gentil e misericordioso, não respondeu em seguida a isso, no seu discurso de cinco minutos, mas ontem, o fez. Falando aos peregrinos da JMJ, como anotou Igor Gielow, diretor da sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo, não vacilou: “Em quem depositamos nossa fé? Em nós mesmos, nas coisas, ou em Jesus? Sentimo-nos muitas vezes tentados a colocar a nós no centro. Mas sabemos que não é assim”.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano.