Projeto de
lei absurdo, descabido, autoritário, apresentado em 2011 pelo distrital
Cristiano Araújo, do PTB de Gim, foi aprovado ontem (1/7/2015) pelos distritais.
Leia a
seguir texto publicado originalmente aqui no Gama Livre no dia 19 de setembro
de 2011. Com o título “Roubando a terra
ao Anteu”, a postagem abordava o projeto de lei nº 572/2011, que golpeava a democracia, e que foi aprovado finalmente agora, nos últimos instantes de funcionamento da CLDF antes
do recesso parlamentar de julho/início de agosto de 2015.
Leia o
texto:
Roubando a terra ao Anteu
Segunda, 19 de setembro de 2011
Anteu Google imagem
A
praça! A praça é do povo
Como
o céu é do condor;
É
o antro onde a liberdade
Cria
águias em seu calor
Senhor!...
pois quereis a praça?
Desgraçada
a populaça
Só
tem a rua de seu...
Ninguém
vos rouba os castelos,
Tendes
palácios tão belos...
Deixai
a terra ao Anteu.
(Castro Alves, em O Povo no Poder)
Castro Alves todos
guardam na memória, mas suponho que caiba, em benefício de um ou outro leitor
mais distraído, uma referência a Anteu, a quem o poeta, nesses versos,
identificou com o povo. Personagem da mitologia grega, Anteu era um deus, filho
de Posídon (o deus do mar, adotado pelos romanos sob o nome de Netuno) e Gaia
(a Terra). Sua característica principal era a capacidade de captar para si a
força da Terra, sua mãe, sempre que estivesse em contato com ela. Nessas
condições, era invencível. Se perdesse esse contato, tornava-se indefeso.
Tem político que
talvez por ser jovem, não ter vivido os tempos de chumbo, a ditadura imposta a
partir de primeiro de abril de 1964, e principalmente nunca ter precisado sair
às ruas para conseguir qualquer coisa na vida, agora brinca de querer proibir o
povo de se manifestar na principal via pública de Brasília. Para torná-lo
fraco, vulnerável, quer tirar-lhe o chão. Roubar a terra ao Anteu.
De acordo com o
projeto de lei apresentado, neste mês de setembro, pelo deputado distrital
Cristiano Araújo (PTB), todo o Eixo Monumental de Brasília (o eixo central do
avião) seria, na prática, proibido como local de manifestações de protestos. O
espaço compreende toda a extensão que vai da antiga rodoviária interestadual
até a Praça dos Três Poderes, passando pelo maior palco das manifestações populares,
que é a Esplanada dos Ministérios. Impedirá também a lei, caso seja aprovado o
projeto autoritário de sua excelência, que a Praça do Buriti, onde se localizam
o palácio do governador do Distrito Federal, a Câmara Legislativa do DF, o
Tribunal de Justiça do DF e o Ministério Público do DF, seja usada para
manifestações. Reinará, segundo as intenções do deputado, a mais perfeita calma
naquela região, mesmo que tudo o mais esteja explodindo.
Foi na Praça do
Buriti, por exemplo, que no dia 9 de dezembro de 2009 o povo se reuniu para
protestar contra o mensalão do DEM, bandalheira patrocinada pelo grupo do
governador José Roberto Arruda e denunciada pelo “produtor cinematográfico
especial” Durval Barbosa, que era um dos secretários de Estado do governador.
Foi aí que houve um verdadeiro teatro de guerra, onde a polícia do governador
sentou o pau nos manifestantes. Na praça, estudantes, sindicalistas, mulheres,
jovens, crianças e velhos. Não houve seletividade na carga da cavalaria, no
spray de pimenta, na bomba de efeito moral, nas balas de borracha, no
desrespeito ao direito de manifestação. Todos foram vítimas da arrogância e da
truculência do governador e de suas tropas.
Do lado de lá, na
trincheira do governador, estava o deputado Cristiano Araújo, parlamentar da
base de apoio de Arruda. Não estava nas ruas, não protestava, permanecia
omisso, se calava. E, claro, não gostava do que via.
Depois do naufrágio
político de Arruda, sabe-se lá por quais cargas d’água o antigo aliado é hoje
peça importante na base parlamentar do governo Agnelo/Filippelli, e em breve
será nomeado secretário de Desenvolvimento Econômico.
Nenhum governo gosta
de ver protestos nas ruas. Um protesto se inicia, mas ninguém é capaz de dizer
com exatidão quais as suas conseqüências, qual o rumo que tomará mais adiante.
É verdade que por
mais esquisito que possa parecer, temos assistido algumas manifestações que são
verdadeiros “protestos de apoio”, se é que assim podemos chamar algum protesto.
São centrais sindicais, sindicatos, entidades estudantis que foram domesticados
e amestrados pelos governantes. Mas mesmo sendo assim, há de se garantir o seu
direito de manifestação, de sair às ruas, de, sabe Deus, protestar ou aplaudir.
Anos depois que o PT inventou o “apoio crítico”, surge agora essa hilariante
onda de protestos de apoio.
Mas voltando ao
autoritarismo do projeto de lei apresentado pelo deputado distrital Cristiano
Araújo, ele estabelece critérios e horários para manifestações ao longo da Via
do Eixo Monumental. Claro que haveria ele, o deputado, de tentar não deixar
transparecer que era uma proibição e pronto. Assim, no artigo 2º do projeto de
lei, o deputado coloca que “É vedada a realização de manifestação através de
Carreata, passeata marchas outra da mesma natureza, nas faixas do Eixo
Monumental nos horários de trânsito intensivo” (sic). O deputado considera
horário de trânsito intenso aquele compreendido entre às 7 e 10 horas e entre
as 16 e 19 horas.
As manifestações,
assim, poderão ser realizadas a partir do primeiro segundo depois das 19 horas
até 6h59min59. A partir desse momento, nenhum manifestante pode estar na área.
Mas que bom, pois às 10 horas e mais um milésimo de segundo, um grito de guerra
poderá reorganizar rapidamente a manifestação. O povo reinicia o que eles
chamam de baderna, mas que terá que ser suspensa novamente às 15h59min59,
podendo ser retomada às 19 horas mais um milésimo de segundo. Parece até aquela
brincadeira de menino: “Vivo! Morto!”
A isso poderemos
chamar de manifestação quebrada. Está aí. A intenção maior é quebrar com as
manifestações, pois povo na rua é muito perigoso. Não para o país, mas para
aqueles que nos governam, e geralmente de forma muito mal e acham que o país é
deles. Incluindo o DF.
Engraçado — se não
fosse suspeito — é o artigo 4º do projeto de lei de sua excelência o deputado
distrital Cristiano Araújo. Ele faz uma ressalva, pois diz que a proibição
estabelecida no artigo 2º “não atingirá os eventos já previstos no Calendário
Oficial de Eventos do Distrito Federal, bem como as comemorações de datas
festivas”. Por exemplo, o desfile do Sete de Setembro pode ser realizado, mas a
Marcha Contra a Corrupção, a exemplo do que aconteceu no último dia em
comemoração à independência do Brasil (qual independência?), seria tratada na
base do cacete, do pit bull, do spray de pimenta, da cavalaria, do brucutu, do
Bope. É isso, ou pior do que isso, essa coisa que o deputado quer transformar
em lei.
Mas tem mais. Segundo
o Projeto de Lei 531/2011 — que leva o DNA do “monstro da lagoa” imaginado por
Chico Buarque — e que já foi lido no Plenário da CLDF, “os participantes
deverão efetuar a concentração pública próxima à área do evento, para evitar o
menor transtorno possível ao transito (sic) do local”. Está aí uma boa ideia.
Se estiver, por exemplo, previsto um ato junto ao Congresso, os manifestantes
teriam que se reunir a poucos metros do local. Caso fossem umas 100 mil
pessoas, umas se acomodariam sobre as outras, em camadas cuja altura poderia
causar transtornos ao tráfego aéreo, levando, da terra aos céus, as
complicações que o projeto diz querer evitar.
Você acha que
acabaram os absurdos colocados no projeto de lei? Não, a coisa vai longe. Reza
o texto, no seu artigo 6º, que “As manifestações ao longo do Eixo Monumental,
deverão ocorrer, preferencialmente, no canteiro central.” Já no artigo 7º, por
sua vez, é definido que “Não havendo condições de utilização na forma prevista
no artigo anterior, será permitida manifestação ao longo do Eixo Monumental,
desde que não ocupe mais do que uma faixa de rolamento da via, sem que haja
cruzamento entre uma faixa e outra, exceto, nas faixas de pedestres.”
A lei proposta pelo
distrital Cristiano Araújo, para ser realmente sincera e franca, poderia
resumir-se a três artigos:
Art. 1º. Fica
proibida em Brasília qualquer manifestação de protesto.
Art. 2º. Esta lei
entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º. Revogam-se
as disposições em contrário, especialmente aquelas que garantem o direito
constitucional de manifestação.
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